Críticas


MARÉ – NOSSA HISTÓRIA DE AMOR

De: LÚCIA MURAT
Com: CRISTINA LAGO, VINICIUS D’BLACK, BABU SANTANA, MARISA ORTH.
09.04.2008
Por Luiz Fernando Gallego
NOSSO MUSICAL

Em 2004, com participação de Paulo Lins no roteiro, a cineasta Lúcia Murat abordou a “cidade partida” entre o asfalto e o morro no excelente Quase Dois Irmãos - e agora, retorna à parceria para falar da favela partida em Maré – Nossa História de Amor, antes de mais nada, um filme musical, proposta ousada em um cinema como o nosso, sem tradição neste gênero, especialmente no musical que privilegia a dança, aspecto mais freqüente nos antigos clássicos norte-americanos.



Outro risco assumido é o da abordagem de temas "sérios" e de temática social, aspectos que podem soar estranhos a um estilo mais associado ao divertimento “leve”. No entanto, Cabaré (Bob Fosse, 1972) abordava a ascensão do nazismo na Alemanha dos anos 1930, e em um exemplo mais recente, até mesmo uma greve de mineiros no governo Thatcher foi coreografada em Billy Elliot (2000), de Stephen Daldry.



O mais antigoAmor, Sublime Amor, de 1961 (West Side Story), antes deste Maré, também atualizava a história de Romeu e Julieta - e o filme de Lúcia Murat não deixa de ser algo tributário das coreografias de Jerome Robbins para o filme de Robert Wise. Seria mesmo impossível fugir a esta associação devida ao mesmo enredo básico em comum trazido para séculos depois e entre jovens marginalizados. O primeiro ponto a favor de Maré é que o filme brasileiro não faz feio em confronto com esta referência americana, assumindo um caráter independente de contemporaneidade na escolha dos ritmos dominantes na cultura musical atual das favelas. Mesmo que seja uma pena que traga apenas um samba (dos bons, de Walter Alfaiate) - e tão brevemente, ao longo de todo o filme. Fazer o que? O que se escuta mesmo é rap, funk, hip-hop e assemelhados; e Maré não enfeita a realidade além da opção pela dança coreografada.



Por outro lado, especialmente o número de abertura nos créditos iniciais não deixa de lembrar a leveza da câmera de Jacques Demy em algumas passagens de dança nas ruas de Duas Garotas Românticas, embora e coerentemente, o desenvolvimento do filme, em paralelo às próprias danças e ritmos musicais aqui escolhidos, vá se distanciar do irrealismo do filme de Demy, como seria de se esperar.



Outro ponto a favor do filme é a qualidade do elenco, seja entre os atores profissionais, como Marisa Orth, seja entre os jovens, como Cristina Lago e Vinicius D”Black nos papéis centrais, conseguindo dizer frases como “Nada nos afastará” ou “Estou apaixonado(a) por você” de forma “teatralizada” e convincente, sem o “naturalismo” displicente de atores limitados pelo formato de telenovela. Na verdade, todo o elenco, sem exceção, corresponde adequadamente aos personagens e situações, cabendo ainda destacar a espontaneidade de Anjo Lopes, mesmo quando seu personagem faz uma virada radical de atitude. Esta “virada”, entretanto, é expressão de um dos pontos menos felizes do filme no que diz respeito ao roteiro mais em sua parte final. Alguma coisa terá sido, talvez, dilatada no decorrer do desenvolvimento do enredo, deixando o desfecho com aspecto de algo um tanto precipitado.



Em West Side Story houve bastante habilidade na transposição do lance dramático shakespeariano carente de um mal-entendido (a falsa morte de ‘Julieta’) para o desenrolar da tragédia, mas não houve manutenção de um final absolutamente análogo ao da peça inglesa. Aqui, a maior liberdade foi exercida a partir da coerência e fidelidade ao retrato social sobre as condições de vida nas favelas dominadas por brigas entre facções criminosas rivais, criando uma situação “sem saída” para os que não querem aderir à bandidagem de um lado ou do outro. E ainda vítimas de incursões policiais desastradas que podem acabar matando mais “civis” do que prendendo os envolvidos diretamente nas guerrilhas urbanas que vivem cotidianamente. Infelizmente, de forma um tanto abrupta, quando o cerco se fecha sobre o casal de namorados “pertencentes” – ainda que contra suas vontades e individualidades – a “tribos” rivais, o roteiro usa do antigo recurso de - mais do que noticiar - simular a morte de um deles, de forma menos inspirada do que até agora os episódios vinham evoluindo.



Mas mesmo este relativamente pequeno senão é incapaz de retirar o mérito da realização de um musical de qualidade e identidade tão brasileira (ou carioca), com números de dança plenos de vibração, enquadramentos, edição e ritmo adequados ao gênero.



# MARÉ – NOSSA HISTÓRIA DE AMOR

Brasil/França/Uruguai, 2007

Direção: LÚCIA MURAT

Roteiro: LÚCIA MURAT e PAULO LINS.

Fotografia: LÚCIO KODATO.

Edição: MAIR TAVARES e JÚLIA MURAT.

Direção de Arte: GRINGO CARDIA.

Figurino: INÊS SALGADO

Música: FERNADO MORA e MARCOS SUZANO.

Coreografia: GRACIELA FIGUEROA.

Elenco: CRISTINA LAGO, VINICIUS D’BLACK, BABU SANTANA, MARISA ORTH, FLÁVIO BAURAQUI, ANJO LOPES, ELISA LUCINDA, JEFCHANDLER LUCAS.

Duração: 105 minutos

Site oficial: www.mareofilme.com.br

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