Críticas


ESTÔMAGO

De: MARCOS JORGE
Com: JOÃO MIGUEL, FABIULA NASCIMENTO, BABU SANTANA
14.04.2008
Por Maria Silvia Camargo
UM POUQUINHO SALGADO

Cinema é mesmo como cozinha: um trabalho de equipe. Se o diretor não estiver seguro do que quer ou se o elenco foi mal escolhido, o filme desanda. Igual a tentar fazer um bom molho onde entra um tomate não muito fresco ou cozinhar com a frigideira quente demais. Por isto assistir a Estômago é gostoso: os ingredientes básicos foram bem escolhidos. Mas há temperos desiguais aqui e ali. Antes de ver o filme, ao ler o conto de Lusa Silvestre (Presos Pelo Estômago do livro Pólvora, Gorgonzola e Alecrim, da Editora Jaboticaba) em que ele se baseia, percebe-se o tom que a equipe do diretor Marcos Jorge só aprofunda: originalidade, humor, diálogos verdadeiros.



O problema é que, ao virar roteiro (de Lusa, Marcos Jorge mais Claudia da Natividade e Fabrizio Donvito), houve que se inventar uma história do cozinheiro Raimundo Nonato (João Miguel) antes de ele entrar na prisão – e aí o tempero da história original se perde. O conto tem uma despretensão que está em 90% do filme – mas em seus dez minutos finais parece que alguém entrou na cozinha, levantou a tampa da panela e, sem saber que a comida já estava pronta, jogou ali uma mão excessiva de sal.



No pequeno conto, Raimundo Nonato (João Miguel) já começa preso e só o que sabemos é que ele está ali por conta de uma “briga de faca”. Pois o filme acrescenta a um Raimundo fiel ao original, um final surpreendente e inverossímil. Vamos ao filme: nosso personagem chega à São Paulo, parece um imigrante qualquer, destinado a virar suco na cidade grande. Aos poucos, no entanto, percebe que pode conquistar as pessoas com seus talentos culinários. Este é o toque que Lusa dá aos personagens de todo o livro: como na vida real, cada qual tem um talento único – para o bem ou para o mal. No caso de Raimundo, trata-se de uma luz, uma saída. Ele entra num pé sujo, não tem dinheiro para pagar a conta e vai ser explorado pelo patrão que o põe para limpar e cozinhar. Não é difícil para Raimundo fazer uns salgados menos gordurosos e mais bem temperados dos que os antes servidos ali. Assim a freguesia aumenta, chamando a atenção de uma prostituta local, Íria (Fabiula Nascimento), mulher com fome de sexo e comida. Ela se envolve com Raimundo, mas já é freqüentada por outros homens da região, como o chef Giovanni (Carlo Briani). Giovanni tira Raimundo do boteco e lhe oferece um emprego de ajudante em seu restaurante chique.



O italiano começa a treinar nosso personagem dando lugar a algumas cenas muito engraçadas – mas não tanto quanto a primeira, quando Raimundo conhece Íria, pois Fabiula é uma atriz mais completa que Carlo Briani, com um timming de piada perfeito. Como não poderia deixar de ser, Raimundo apaixona-se e, na sua ingenuidade, até convida o dono do boteco, antigo feitor, para seu padrinho de casamento. Sem conseguir até mesmo entender o que quer dizer a palavra prostíbulo e as exigências da profissão de sua amada, ele acaba entornando o caldo do ciúme.



Incomodam menos as mudanças de estilo ao longo do filme que a transfiguração do personagem principal. O fato de o diretor ter em seu currículo centenas de filmes publicitários claramente influencia a direção de cena e até mesmo a fotografia e a iluminação, a cargo do versátil e multitalentoso Toca Seabra. Não poderia ser de outro jeito: publicidade faz parte do currículo do diretor e de muita gente envolvida neste que é o primeiro longa de muitos deles. Disto se tiram cenas favoravelmente contrastantes, como aquela em que Raimundo faz sua primeira massa para pastel ou em detalhes como a mosca queimada na luminária do teto do botequim. Em outras trechos, o contraste é mais exagerado – como a cena do primeiro trottoir das prostitutas ou mesmo a luz da cena em que Iria janta com Giovanni. Nada de grave. Estômago já caiu no gosto do público: na sessão de domingo num cinema da Zona Sul do Rio passado faltaram lugares e ouviram-se alguns aplausos ao seu final.





# ESTÔMAGO

Brasil/Itália, 2007

Direção:MARCOS JORGE

Roteiro:CLAUDIA DA NATIVIDADE, MARCOS JORGE, LUSA SILVESTRE

Fotografia:TOCA SEABRA

Elenco:JOÃO MIGUEL, BABU SANTANA, FABIULA NASCIMENTO, CARLO BRIANI, PAULO MIKLOS, JEAN-PIERRE NOHER

Duração:111 min.

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