Críticas


SPEED RACER

De: LARRY E ANDY WACHOWSKI
Com: EMILY HIRSCH, JOHN GOODMAN, CHRISTINA RICCI
13.05.2008
Por Nelson Hoineff
CORRENDO NOS LIMITES DO IMPROVÁVEL

Não tenho 20 anos há mais de 30. Não cultuo animes ou mangás. Nunca joguei, nem saberia jogar, Grand Theft Auto IV. E quando as latas de Speed Racer deixaram o Japão para ganhar o mundo, eu já tinha visto muitas vezes os motores de Grand Prix, de Frankenheimer, ecoarem em seis bandas magnéticas sob uma película de 70 milímetros. Experiências ótico-sensoriais não começaram no Playstation, assim como o cinema não começou no Star Wars. Por isso, acho um grande feito o novo filme de Larry e Andy Wachowski ter me prendido na poltrona por mais de duas horas. E considero extraordinário o fato de ele ter me emocionado.



Acredito que a razão para isso é que o filme não se prende ao universo que o gerou. Tal como seus dois heróis, ele quer sair de casa e ganhar vida própria. A exemplo de Speed e de seu irmão Rex, luta contra todas as probabilidades, aposta no impossível e não transige. A menor dessas probabilidades é uma adaptação radicalizada dos desenhos contidos nas historias originais, mas também da dramaturgia que eles carregam. Tal coisa está presente, é claro, na sofisticada harmonização entre animação e encenação com atores num espaço mítico das HQ. Já o que se vê aí é incomum, para dizer o mínimo. Mas não há novidade nesse hibridismo. A singularidade é que ele venha envolto por um texto qualificado.



Isso é surpreendente porque, mesmo num filme como o Matrix original, que ganhou a adesão imediata de inúmeras tribos muito diferentes entre si e tornou-se quase uma unanimidade, certamente um paradigma, tal coisa não acontecia – muito menos nas duas seqüências da trilogia. Bastaria, portanto, a opção por um texto alguns pontos acima do rastaquera para destacar a versão dos Wachowski para Speed Racer - mas isso é apenas o início da corrida. Ver o herói teenager flertando com sua futura namorada ao som de Bewitched, por exemplo, não é apenas improvável. É a radiante expressão da atemporalidade das emoções possível no cinema, o que um diretor em sã consciência não iria sugerir a uma platéia de moleques num filme de cem milhões de dólares.



Mas os Wachowski fazem isso. Numa obra dependente em 90% dos desenhos, eles ainda garimpam muitas das possibilidades essenciais de grandes atores, o que seguramente não faz parte da pauta de sua galera. Mesmo sabendo disso, os diretores-roteiristas rejeitam a possibilidade de reposicionar seus intérpretes, de extrair deles o pior que podem dar, apenas para corroborar que ao se voltar para a garotada deve-se ter a prudência de ser banal. Refiro-me, por exemplo, a Roger Allam, cujo peculiar acento britânico os Wachowski já exploravam tão bem como o infame apresentador de um talk show reacionário em V de Vingança, agora no papel do não menos inescrupuloso mega-empresário Royalton.



É em Royalton e no pai de Speed, Pops (John Goodman, geralmente associado a Saturday Night Live, cuja presença cênica é tão forte quanto seu aspecto fisico), que os Wachowski sedimentam o eixo da ação. Speed tem dúvidas, eles não. O pai, que construiu seus valores, e o milionário que tenta roubá-los são a representação perfeita do bem o do mal, lineares e indiscutíveis, outra herança dramatúrgica dos quadrinhos da qual os autores vão se apropriar e mais tarde desenvolver.



Desenvolvem essa herança de várias maneiras. Incorporando nos limites do naif personagens e tratamentos – o irmão mais novo e seu infame chimpanzé, a forma cinematograficamente primária pela qual os próprios carros se desenvolvem nas corridas, a subtração de qualquer traço de factibilidade à arquitetura dos espaços. A melhor delas, porém, colocando nas atitudes e nas palavras dos oponentes algo mais do que o embate: a defesa consistente de suas posições. Um gera o discurso da utopia, outro do pragmatismo – e ver Goodman e Allam alternando a indução ao jovem corredor é tão prazeroso quanto perceber a menininha ingênua da Família Adams moderna se apaixonando por ele dentro de um carro futurista inundado pelo fino romantismo de Cole Porter.



Digo “futurista” e percebo que, mais que um reducionismo, isto soa quase como um insulto a um universo que, se Tatsuo Yoshida concebeu, o desenhista de produção Owen Peterson revolucionou. Desconheço um repertório capaz de descrever a quantidade de informações, analogias e influências que podem ser encontradas nesse universo. Ele é kitsch, pós-moderno, contemporâneo e retrô ao mesmo tempo. Reporta-se a inúmeras construções de espaços improváveis, alucinantes como as pistas por onde as maquinas de corrida vão passar, que os diretores fazem povoar com citações que vão de Lang ao que de melhor a cultura pop produziu, com ênfase no espaço que vai do Kung Fu ao Batman original. Anotei referências que li em outras críticas: Kenny Scharf, Takashi Murakami, Kenneth Noland, Candy Land, Rollie Tyler, para não falar de Leary e Lichtenstein. Conferi, e todas fazem sentido. É uma mistura assustadora e desconcertante. Por ela, Speed Racer acabou pagando caro. As pessoas esperavam um game. Os Wachowski fizeram um filme.



# SPEED RACER

EUA, 2008

Direção e Roteiro: LARRY E ANDY WACHOWSKI

Elenco: EMILY HIRSCH, JOHN GOODMAN, CHRISTINA RICCI, SUSAN SARANDON

Duração: 135 min.

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