Críticas


AVENTURAS DE MOLIÈR, AS

De: LAURENT TIRARD
Com: ROMAIN DURIS, FABRICE LUCHINI, LAURA MORANTE, LUDIVINE SAGNIER
18.07.2008
Por Luiz Fernando Gallego
MOLIÉRE APAIXONADO

Assistindo Aventuras de Molière, qualquer cinéfilo não deixará de supor que a – digamos – inspiração para este filme francês veio do anglo-americano Shakespeare Apaixonado que “preenchia” as enormes lacunas na biografia do bardo inglês imaginando que o enredo de várias de suas peças provinha de episódios acontecidos de fato com o artista quando jovem.



A vida de Jean-Baptiste Poquelin, conhecido como ‘Moliére’, não é tão misteriosa como a de seu colega de letras inglês, mas haveria um período de sua carreira bastante obscuro a partir de seus 22 anos que o roteiro do diretor Laurent Tirard, escrito em parceria com Grégoire Vigneron, tenta preencher utilizando os enredos de duas das mais conhecidas peças do pseudo-biografado: “O Burguês Gentil-homem” e “Tartufo”.



Independente da diversão descompromissada (um tanto relativa, no caso em pauta) que este tipo de trama possa proporcionar, não deixa de haver uma certa singeleza empobrecedora ao caracterizar grandes autores como dependentes de ocorrências em suas vidas que, segundo tais “versões livres”, teriam sido transpostas quase que concretamente para suas grandes criações. A brincadeira até era razoavelmente divertida no roteiro de Tom Stoppard através da apropriação de dezenas de passagens de peças shakespeareanas bem conhecidas, dando-lhes um imaginário “caminho inverso”, ao inseri-las como fatos assemelhados e cronologicamente anteriores na vida do escritor antes de aproveitá-los para escrever baseando-se no que teria vivido.



Aqui, a utilização mais reduzida de apenas duas criações de Molière faz com que aqueles que conhecem bem os enredos reciclados não tenham muito mais com que se surpreender. E neste ponto cabe outra questão: o conhecimento maior ou menor das obras dos autores. Parte da graça de Shakespeare Apaixonado estava exatamente na identificação dos trechos reconhecidos como oriundos das histórias narradas pelo poeta; já a pequena ou nula familiaridade com estas obras poderia levar a uma ingênua credulidade sobre as fontes que Shakespeare utilizou para escrever. É sabido, entretanto, que não existe ao menos uma única trama original em seus textos, estando sua genialidade no modo de recontar argumentos - até mesmo bastante populares em sua época-, enriquecendo psicologicamente os personagens com desenvolvimentos muito mais complexos.



Da mesma forma, a maioria das peças de Molière resume tipos e situações de sua época (e não só), criando, através de humor refinado e ferino, observações sobre o ridículo das convenções sociais, sua hipocrisia, tolices, pretensões, vaidades, avareza etc etc. Conhecer a trama de “Tartufo” ou de “Burguês Gentil-homem” pode ser um agrado ao espectador que se sinta lisonjeado por sentir-se culto o suficiente para identificar os personagens e seus destinos (ainda que sem maiores surpresas daí para frente). Já se a platéia não tem familiaridade com as peças, o filme vai alimentar uma idéia “romântica” simplista de que os artistas precisam “viver” exatamente o que escrevem, deixando de lado o pré-requisito de talento necessário para a transformação de aspectos da vida em arte, com reflexão e aprofundamento: afinal, o assassinato de um general que volta da guerra, perpetrado por sua esposa e pelo atual amante da mulher, não passaria de notícia escandalosa em páginas policias - enquanto “Agamenon” é uma das primeiras obras-primas do teatro universal pelo tratamento que deu Ésquilo a uma lenda que vinha de imemoriais fontes de transmissão oral.



Deixando de lado considerações sobre o aspecto ambíguo (entre o popularesco e o pseudo-erudito) deste gênero em um já exausto abuso pós-moderno de pastiches e paródias de pretensão “cult”, cabe salientar que o ritmo do filme ao longo de seus 120 minutos não favorece tanto assim a diversão sem compromisso, e que mesmo seus excelentes atores (em outras realizações) não reproduzam o melhor a que já nos acostumaram em um filme “teatral” onde os desempenhos se tornam essenciais. Ninguém está exatamente mal, mas Romain Duris (De tanto bater, meu coração parou) faz um Molière sem tanto colorido ou nuances; e Laura Morante (Medos Privados em Lugares Públicos) comparece com pouco mais do que sua beleza madura e “classe” habitual. Os fãs de Ludivine Sagnier ficarão decepcionados por vê-la tão pouco em cena e tão vestida como a época exige, além de tê-la em um papel que repete seu estereótipo de pouco simpática ou mesmo cruel jovem mulher indiferente. O melhor resultado fica mesmo a cargo de Fabrice Luchini (Confissões Muito Íntimas), que já foi Beaumarchais em um filme homônimo de 1996, além de ter tido outras participações em filmes de época (Retorno de Casanova, Coronel Chabert).



Enquanto o título original é apenas Molière, um longo título brasileiro tenta dizer que o personagem (e por extensão, o filme) é "adorável", o que deve ser um modo de tentar vender o aspecto de imitação de padrões do cinema comercial americano: neste caso, além de seguir os passos de Shakespeare Apaixonado, ser uma produção "enfeitada" com roupas e cenários luxuosos. Também foi incluído o adjetivo "irreverente", exatamente o que o filme não é em seu formato acadêmico e padronizado. Além do mais, sua maior ambigüidade é a de caracterizar Molière, em seu início, como tendo equivocadas ambições de ser um grande ator trágico, submisso ao sucesso alcançado na época por solenes peças de Corneille. A “defesa” da comédia que vai se esboçando ao longo da narrativa, entretanto, acaba por ceder a um dispensável e extemporâneo lance melodramático perto de seu final. Parece que o preconceito contra a comédia como forma tão legítima quanto os dramas para retratar o ser humano permanece e prevalece no filme.



Só resta mesmo lamentar que não haja interesse de cineastas e roteiristas talentosos para tentar transpor para a tela grande as grandes peças de Molière, geralmente restritas a versões que ficam limitadas à TV francesa



# AVENTURAS DE MOLIÈRE - UM IRREVERENTE E ADORÁVEL SEDUTOR, AS (MOLIÈRE)

França, 2007

Direção: LAURENT TIRARD

Roteiro: GRÉGOIRE VIGNERON e LAURENT TIRARD

Fotografia: GILLES HENRY

Edição: VALÉRIE DESEINE

Música: FRÉDÉRIC TALGORN

Elenco: ROMAIN DURIS, FABRICE LUCHINI, LAURA MORANTE, LUDIVINE SAGNIER.

Duração: 120 minutos

Site: http://www.bimfilm.com/leavventuregalantidelgiovanemoliere/

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