Críticas


LINHA DE PASSE

De: WALTER SALLES e DANIELA THOMAS
Com: SANDRA CORVELONI, VINICIUS DE OLIVEIRA, JOÃO BALDASSERINI, JOSÉ GERALDO RODRIGUES, KAIQUE DE JESUS SANTOS
07.09.2008
Por Daniel Schenker
A BÍBLIA DO COTIDIANO

“Jesus não é bonzinho. Nunca foi e nunca vai ser”, afirma o pastor evangélico interpretado por Roberto Audio. A religião volta a ser enfocada como provável via de escape de uma realidade adversa em Linha de Passe , ainda que não seja retratada com as tonalidades contundentes dos espetáculos do Teatro da Vertigem, grupo do qual Audio faz parte.



É possível traçar uma analogia entre este novo filme e os espetáculos do Vertigem, companhia dirigida por Antonio Araujo, especialmente Apocalipse 1,11 e BR-3 . Walter Salles e Daniela Thomas entrelaçam o cotidiano de uma família de baixa renda da periferia de São Paulo com um certo fervor religioso. “Vamos orar para os irmãos que vão nos abandonar?”, pergunta o pastor, referindo-se à derrocada dos fiéis que cada vez mais migram para outras igrejas.



Mas o questionamento também pode ser remetido à via-crúcis diária enfrentada pela empregada doméstica Cleuza e por seus quatro filhos – o motoboy Denis, o jogador de futebol Dario, o evangélico Dinho e o pequeno Reginaldo. Há, ao longo de Linha de Passe , o prenúncio de uma tragédia envolvendo os personagens. Os diretores aproveitam, em alguma medida, a sensação de ameaça constante para flertar com a gramática do thriller, evocando uma equação – que vem sendo exercitada com constância (a exemplo de Cidade de Deus , de Fernando Meirelles) – calcada na conjugação entre a influência documental e o caráter eletrizante do filme de ação.



A mescla entre as ferramentas do documentário e da ficção é um dos elementos mais evidentes no cinema de Walter Salles. O melhor desta fusão se evidencia nas interpretações dos atores, todos excelentes – tanto Sandra Corveloni, vencedora do prêmio de melhor atriz na última edição do Festival de Cannes, quanto Vinicius de Oliveira, João Baldasserini, José Geraldo Rodrigues e Kaique de Jesus Santos. Como em outros processos conduzidos pela coach Fatima Toledo, este parece ter sido norteado por uma espécie de desejo de apagamento, no sentido de fazer com que o espectador seja confrontado com pessoas críveis e não com atores representando personagens.



Entretanto, Walter Salles e Daniela Thomas são menos felizes no modo maniqueísta como diferenciam pobres e ricos, problema que deve ser creditado tanto ao roteiro (de ambos em parceria com Braulio Montovani) quanto ao discurso estético presente em Linha de Passe . Os personagens menos favorecidos economicamente são captados em close, como que para transmitir autenticidade; os mais abastados, descritos como inconseqüentes, surgem em meio ao acúmulo de efeitos de uma câmera afetada (pelo menos, numa seqüência), maneira encontrada pelos realizadores para realçar artificialismo. O filme é prejudicado por um excesso formal, a julgar também pelas cenas de textura granulada.



À primeira vista, as qualidades e os defeitos não fazem de Linha de Passe um trabalho dotado de uma especificidade. Não parece haver propriamente novidade na história de uma mãe de periferia que se desdobra para criar os filhos. À medida que a projeção avança, porém, Walter Salles e Daniela Thomas sinalizam um foco. Deixam claro que estão procurando falar sobre personagens/pessoas que lutam para afirmar a própria identidade em meio à massa de anônimos, para dizer a que vieram, para, enfim, se revelar como indivíduos específicos.



Para tanto, os diretores utilizam-se de símbolos um pouco óbvios (a pia que não desentope) e diálogos literais (“Olha para mim. Você está me vendo?”, pergunta, desesperado, um dos personagens ao seu refém). Mas talvez o específico em Linha de Passe resida nos momentos que fogem ao planejado, aqueles em que os personagens demonstram se perder, se distrair do foco central de suas ações, como na possivelmente melhor cena do filme, aquela em que Dinho leva Dario, desmaiado, para o chuveiro e também acaba entrando debaixo d’água.



# LINHA DE PASSE

Brasil, 2008

Direção: WALTER SALLES, DANIELA THOMAS

Roteiro: BRAULIO MONTOVANI, WALTER SALLES, DANIELA THOMAS

Produção: MAURÍCIO ANDRADE RAMOS, REBECCA YELDHAM

Música: GUSTAVO SANTAOLALLA

Fotografia: MAURO PINHEIRO JR.

Elenco: SANDRA CORVELONI, VINICIUS DE OLIVEIRA, JOÃO BALDASSERINI, JOSÉ GERALDO RODRIGUES, KAIQUE DE JESUS SANTOS

Duração: 113 minutos

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