Críticas


MATARAM A IRMÃ DOROTHY

De: DANIEL JUNGE
Com: DAVID DTANG, SISTER BECKY SPIRES, FELICIO PONTES, SISTER DOROTHY STANG e narração de WAGNER MOURA (a original era de MARTIN SHEEN).
22.04.2009
Por Nelson Hoineff
OS TRÊS MILAGRES DA IRMÃ DOROTHY

Texto escrito durante o FESTIVAL DO RIO 2008



São sinuosos os caminhos que podem ser percorridos por um documentário investigativo. Eles são facilmente manipuláveis, em níveis que podem ser medidos por um fator que podemos chamar de ´Fator Michael Moore´. Eles podem também seguir teses que não se completam, pistas que ficam inconclusas; tornam-se então não mais do que pobres retalhos capazes de denunciar tanto as limitações da pesquisa quanto as imperfeições do enunciado. Partes de um todo que nunca se revelará. Os programas “investigativos” que vemos toda semana na televisão levam tal coisa ao paroxismo. Induzem à crença de que todo fosso narrativo pode ser coberto com dois acordes banais pedindo tensão. É ali que a intenção – se alguma havia – se perde no limbo. Poucos são, na verdade, os casos em que uma investigação dessa natureza resulta proveitosa a partir do que se pretendeu. Destes casos, Mataram a Irmã Dorothy é um dos mais notáveis dos últimos anos.



O caso a que o filme se refere freqüentou a primeira página dos jornais por muito tempo.

Envolve o assassinato de uma religiosa norte-americana naturalizada brasileira de 72 anos e o contexto de disputa pela utilização de terras em que isso acontecia. O cenário é a Amazônia. Os protagonistas principais são fazendeiros que desmatam a floresta para criar pasto, os madeireiros que promovem devastações ilegais e grupos organizados, como o liderado pela Irmã Dorothy, que lutam pela preservação da região.



É neste cenário tão conhecido, de onde pouca informação nova parece ter chance de brotar, que Mataram a Irmã Dorothy promove o seu primeiro milagre. Tudo nele é novo, ainda que todos os fatos sejam sabidos. Isso acontece em grande parte porque as informações que tínhamos eram incompletas. Mas também pela obstinação do filme em contextualizá-las, em lançar para o espectador um perfil da disputa de terras na Amazônia bem mais completo (e sobretudo bem mais próximo) do que era conhecido até então.



O segundo milagre está nas ferramentas encontradas para promover a investigação que leva a esse manancial informativo. Sua câmera é onipresente. Está nos lugares onde não poderia estar, onde equipe alguma estaria. Isso não é fruto do acaso porque não acontece uma, mas inúmeras vezes. Dentro do carro em que advogados inescrupulosos tramam a tortura da evidência; junto com o preso que acabou de ser torturado; nos dois lados de conversas telefônicas repletas de confidencialidade; nos julgamentos e nas tramas para que eles não ocorram. Por toda parte está a câmera de Mataram a Irmã Dorothy. De de forma tão recorrente até, que parece impossível que o que nos está sendo exibindo não seja fruto de uma grande fraude.



E no entanto, por mais que se procure, o nível ´Michael Moore´ de Mataram Irmã Dorothy permanece estacionado no zero. It’s all true. Como uma equipe consegue colocar suas câmeras e seus microfones em todas as partes, inclusive diante de personagens sobre os quais o filme é abertamente questionador, é coisa difícil de entender.



O terceiro milagre ocorre na descoberta dos personagens e nas avenidas que o filme abre para acompanhá-los. Descrevê-los seria fastidioso para o leitor. Mas basta que nos fixemos em um apenas, no advogado de defesa do fazendeiro acusado de encomendar a morte de Dorothy, para que tal perplexidade seja entendida. Tanto fisicamente quanto nas artimanhas que utiliza para seguir a lei e burlar a justiça, ele é a expressão do demônio. Nenhum produtor o aceitaria como personagem num filme de ficção porque um personagem assim seria caricatural demais. Tal gente, no mundo real, não existe... e no entanto, ele está ali. Falando de frente para a câmera, junto com seus asseclas, criando teorias extraordinarias que associam a atividade preservacionista de Irmã Dorothy à invasão do Iraque por tropas americanas, preconizando a grande ameaça que ali acontece à soberania brasileira.



As artimanhas utilizadas para tomar posse de terras que seriam do Estado. A devastação impiedosa de imensas riquezas naturais. O circo que se arma entre autoridades públicas, grandes criminosos e criminosos menores usados como boi de piranha. O aprisionamento do Estado pelas gangues que controlam a terra na Amazônia. O medo explícito do Estado. Tudo está presente em Mataram Irmã Dorothy – não através de teorias e suposições, mas por meio da simples fixação da realidade e uma interferência mínima sobre ela. Eis aí um documentário surpreendentemente completo. Eis aí um documentário incrivelmente assustador.



# MATARAM A IRMÃ DOROTHY (THEY KILLED SISTER DOROTHY)

EUA, 2008

Direção: DANIEL JUNGE

Elenco:DAVID DTANG, SISTER BECKY SPIRES, FELICIO PONTES, SISTER DOROTHY STANG e narração original de MARTIN SHEEN. Cópia no Brasil com narração de WAGNER MOURA.

Duração: 94 minutos

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