Críticas


FESTIVAL DO RIO 2008: A MULHER SEM CABEÇA

De: LUCRECIA MARTEL
Com: MARIA ONETTO, CLAUDIA CANTRO, INÉS EFRÓN
09.10.2008
Por Daniel Schenker
FLAGRANTE DO DESCOMPASSO

A crise no diálogo transparece em A Mulher sem Cabeça . Os personagens do novo filme de Lucrecia Martel lançam perguntas, não ouvem respostas e quase não se dão conta da falta de interação. O descompasso é ainda mais sublinhando em relação à Verônica, que passa a funcionar em freqüência diversa de todos que a rodeiam, desestabilizada a partir do momento em que protagoniza um atropelamento.



A ausência de interação no diálogo está ligada a uma falta de sincronia temporal. Em certa medida, os personagens passam a impressão de pertencerem a esferas de tempo diferentes. Uma impressão de estranhamento percorre o filme. Alguém assiste a um vídeo de casamento e se depara com a imagem de uma pessoa que julgava estar morta. Verônica também não é reconhecida. “Essa não parece a sua voz”, dizem, em dado instante.



O estado alterado, recortado do cotidiano, de Verônica é contrastado com as falas circunstanciais proferidas por figuras idem. A importância do que é dito em A Mulher sem Cabeça reside justamente na falta de importância. Imagens embaçadas, deformadas pela barreira de espelhos, nas quais os próprios personagens prestam pouca atenção, são reunidas por Martel.



Interferências mais que constantes inviabilizam a privacidade. Mergulhada numa espécie de torpor – e, ao mesmo tempo, à beira de um transbordamento emocional –, Verônica afirma que matou alguém no meio de uma loja. A utilização de espaços fechados e a valorização do som ambiente potencializam a sensação de claustrofobia e a crise paranóica da personagem.



Parte da força do filme está concentrada na interpretação minuciosa de Maria Onetto, valendo destacar toda a seqüência de construção da hesitação da personagem diante do atropelamento. É como se a atriz reforçasse uma das principais qualidades do cinema de Lucrecia Martel, conforme comprovado em O Pântano e Menina Santa : a capacidade de materializar na tela o impalpável.



# A MULHER SEM CABEÇA

Argentina/Espanha, 2008

Direção: LUCRECIA MARTEL

Elenco: MARIA ONETTO, CLAUDIA CANTRO, INÉS EFRÓN

Duração: 87 minutos

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