Costumo brincar com Roberto Berliner dizendo que ele é o documentarista dos artistas “especiais”. Só com as ceguinhas de Campina Grande ele fez três filmes. Ainda por lançar, tem Herbert de Perto, co-dirigido por Pedro Bronz, em que perfila Herbert Vianna antes e depois do acidente que o deixou paraplégico. Em produção, tem um docudrama sobre a Dra. Nise da Silveira e seus artistas do inconsciente. Agora chega às telas Pindorama, a Verdadeira História dos Sete Anões, mais uma amostra de sua sensibilidade para lidar com o diferente.
Há quem vire a cara para A Pessoa é para o que Nasce por conta das liberdades de Berliner no trato com as ceguinhas, explorando os limites de uma estética do feio e até expondo no filme a paixão de uma das personagens pelo diretor. Para esses, Pindorama pode ajudar a compreender melhor como Berliner vê seus personagens especiais.
O que falta a seus filmes é a paternalização disfarçada de ética. Falta a dissimulação da diferença pelo discurso do igualitarismo proselitista. Berliner filma cegos como cegos e anões como anões. Claro, são todos artistas e, como tal, carregam na alma o grão da vaidade. Berliner investe nessa parceria. Seus filmes são encontros de artistas. Ele serve ao desejo de auto-exposição de seus personagens, mas nem disfarça a condição especial deles, nem os torna indignos do nosso olhar.
Pindorama foi primeiro um média-metragem premiado no edital Documenta Brasil Minc/SBT. Berliner descobriu o circo há cinco anos, enquanto fazia um clipe no interior de Pernambuco. Com Leo Crivellare e o multi-artista da vanguarda pernambucana Lula Queiroga, decidiu filmar o cotidiano e as apresentações dessa trupe incomum, formada por oito irmãos, sendo sete anões, e seus cônjuges. Antes mesmo das câmeras serem acionadas, Lula Queiroga compôs as gostosas canções que pontuam o doc.
No filme, somos apresentados a cada um dos “pequenos” e presenciamos o funcionamento do circo, sua hierarquia, a divisão de funções dentro e fora do picadeiro, as relações de afeto e conflito entre eles e com os “grandes”. Tudo é graça, humor e aparente franqueza, mesmo quando o assunto são as rivalidades internas ou as limitações da baixa estatura.
A fotografia primorosa de Jacques Cheuiche, Beto Martins e Ricardo Castro Lima (os dois últimos de Recife) ressalta as tonalidades fortes desse espaço de exceção dentro da geografia sertaneja. E a edição de Leonardo Domingues reorganiza livremente os tempos, gerando momentos antológicos. Um deles é o relato polifônico de um caso amoroso com a deliciosa participação do próprio menino resultante – anão, naturalmente.
Os inevitáveis ecos fellinianos estão não apenas no objeto do filme – o circo, os anões, o misto de humor e ternura –, mas também na descrição de um espaço marcado pela afetividade. A procura do detalhe revelador, do ângulo expressivo, da luz sugestiva, da narrativa climática, tudo isso é riqueza da linguagem documental, que não depende necessariamente do espontâneo e da “imagem possível”. Pindorama é, antes de tudo, bom cinema, bom videoclipe, bom documentário.
O resto é piedade, preconceito ou exageros de correção política.
Visite o DocBlog do crítico.
PINDORAMA: A VERDADEIRA HISTÓRIA DOS SETE ANÕES
Brasil, 2008
Direção e roteiro: ROBERTO BERLINER, LEO CRIVELLARE, LULA QUEIROGA
Fotografia: JACQUES CHEUICHE, BETO MARTINS, RICARDO CASTRO LIMA
Edição: LEONARDO DOMINGUES
Música: LULA QUEIROGA
Duração: 75 minutos
Site oficial: clique aqui