Críticas


AGENDA, A

De: LAURENT CANTET
Com: AURÉLIEN RECOING, KARIN VIARD, SERGE LIVROZET
12.11.2002
Por Carlos Alberto Mattos
A MARGEM

Cineasta dedicado ao tema do trabalho (e a falta dele) no falso paraíso da União Européia, o francês Laurent Cantet consagrou-se internacionalmente com A Agenda, vencedor de um Leão especial no Festival de Veneza. Sua virtude não está apenas na fidelidade a um assunto crucial para a análise da vida contemporânea, mas na capacidade de transformá-lo em matéria de uma poderosa dramaturgia.



A Agenda explica-se sobretudo pelo seu título original, L’Emploi du Temps (o emprego do tempo). A princípio, a história do consultor Vincent é um drama familiar. Ele esconde da família que foi demitido da empresa onde trabalhava e envolve-se numa ciranda de mentiras para simular uma mera troca de empregos, para melhor. Mas, à medida que a trama evolui, percebemos que o sufoco doméstico é apenas uma das variantes de um pesadelo pessoal e intransferível. Ao ver-se desempregado e sem segurança para tentar uma nova vida, Vincent vê-se jogado num mundo de alienação, num planeta à parte. O que fazer do tempo torna-se tão problemático quanto ocultar sua real situação.



A vida organiza-se em função do trabalho. O resto é a margem, a exclusão. Vincent vagueia como um fantasma entre escritórios alheios, lobbies de hotéis, estradas perdidas. Torna-se uma não-pessoa. Ao contrário da parábola bíblica, em que o homem, expulso do paraíso, é condenado a ganhar a vida com o próprio suor, ele é excluído justamente por não ter uma vaga no sistema de produção. Resta-lhe optar entre a contravenção e a loucura. Caminha um pouco no sentido de ambas, dividindo a cena com outros desocupados, alguns deles capazes de ser felizes mesmo assim. Mas Vincent não consegue jogar nesse time. Não foi treinado para esse jogo. Sua disposição para a mentira é contrabalançada por um grande sentimento de culpa e uma boa dose de inércia. Resultado: vai viver o inferno dentro da equilibrada e gélida Suíça.



A Agenda é um filme angustiante. Ao suspense psicológico do beco-sem-saída familiar soma-se o estudo perfeito de um homem à deriva. Mesmo sem ativar mecanismos de simpatia ou identificação com seu personagem central, Cantet constrói, pausada e seguramente, uma atmosfera carregada de ricos dilemas humanos. Arrasta o espectador para uma viagem onde é possível sentir o peso de cada decisão errada, a condenação contida em cada passo em falso. Não dá para pensar numa melhor radiografia das paranóias da sociedade corporativa em tempos de ocupação permanente e racionalização total.





# A AGENDA (L’EMPLOI DU TEMPS)

França, 2001

Direção: LAURENT CANTET

Roteiro: LAURENT CANTET e ROBIN CAMPILLO

Produção: MICHAEL KATZ, YVON CRENN

Fotografia: PIERRE MILON

Montagem: ROBIN CAMPILLO

Elenco: AURÉLIEN RECOING, KARIN VIARD, SERGE LIVROZET

Duração: 133 min.

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