Selton Mello tangencia determinados clichês, mas escapa deles, em Feliz Natal , seu primeiro longa-metragem como diretor. O mais evidente reside na já esperada ironia presente no título. De fato, ao contrário de uma amistosa comemoração, o filme registra vínculos arruinados entre parentes que há muito não se suportam. O cineasta, porém, voa acima do lugar-comum do avesso natalino ao expressar o que deseja através de procedimentos cinematográficos.
A fotografia de Lula Carvalho valoriza o close em personagens descontrolados, catárticos. São imagens embaçadas, difíceis de reter, que trazem à tona percepções alteradas do mundo. Já o som se constitui como partitura ameaçadora, como prenúncio de tragédia, no decorrer da projeção.
Feliz Natal também destaca de maneira pouco convencional a carga de não-dito que atravessa as relações entre os personagens. Entretanto, o não-dito não é um elemento “simplesmente” lançado pelo diretor com o intuito calculado de levar o espectador a entrar em sintonia com uma camada “sutil” de percepção. Selton Mello anuncia de maneira explícita o não-dito, a exemplo da breve passagem em que Theo pergunta ao irmão se queria falar alguma coisa. Caio responde que sim, sem, porém, esclarecer o que gostaria de dizer. Afinal, o que parece estar em questão não é mais aquilo que não foi dito, mas o tempo que passou.
O núcleo familiar, em Feliz Natal , surge irremediavelmente condenado. Os personagens dialogam sem interagir, como se estivessem monologando. A atmosfera melhora quando Caio reencontra a família substituta, composta por amigos. Seja como for, Selton Mello descortina um painel desolador, que, apesar de remeter de modo um pouco excessivo ao excelente O Pântano , de Lucrecia Martel, cresce com o bom desempenho do elenco, principalmente Paulo Guarnieri, em registro contido.
# FELIZ NATAL
Brasil, 2008
Direção e Edição: SELTON MELLO
Roteiro: SELTON MELLO, MARCELO VINDICATTO
Produção: VANIA CATANI
Fotografia: LULA CARVALHO
Direção de Arte: RENATA PINHEIRO
Elenco: LEONARDO MEDEIROS, DARLENE GLÓRIA, LUCIO MAURO, PAULO GUARNIERI, GRAZIELLA MORETTO
Duração: 100 minutos