Paulo Caldas suprime as passagens de deslocamento no modo como registra a jornada da adolescente Jéssica (a estreante Nash Laila), que sai do sertão rumo à cidade grande, seguindo depois para a Europa. Realçadas pela montagem de Vânia Debs, as elipses são empregadas nos dois momentos de transição da protagonista e também inseridas dentro de cada um dos três blocos do filme – o primeiro, ambientado em Deserto Feliz, localidade do sertão, o segundo, em Recife, e o terceiro, em Berlim. Exemplo: o espectador não só não “acompanha” Jéssica deixando o Brasil em direção à Alemanha como já a encontra em terra estrangeira dominando o idioma. Talvez o filme de Caldas seja sobre o tempo que não se vê passar, como assinala a cafetina interpretada por Zezé Motta.
O cineasta evita fornecer explicações ao público a respeito de Jéssica, que, violentada, começa a trabalhar como prostituta até conhecer um turista (Peter Ketnath) e dar uma guinada na vida. Investe em silêncios, imagens embaçadas e closes incômodos para abordar personagens que parecem não decodificar plenamente aquilo que sentem. A música triste, suave, emoldura o filme. Não é o único registro sonoro que chama atenção. Há uma espécie de partitura composta por sons domésticos inserida de maneira expressiva nas lacunas entre as poucas falas na parte ambientada em Deserto Feliz, em especial nas cenas de Jéssica com a mãe (Magdale Alves, ótima) e o padrasto (Servilio de Holanda).
Já no segundo ato, passado em Recife, sobressai um registro interpretativo espontâneo, encontrado em muitas produções brasileiras dos últimos anos, calcadas na construção de um naturalismo. Os trabalhos de Nash Laila e Hermila Guedes evidenciam este procedimento. As atrizes alcançam uma organicidade distante do banal e estabelecem uma contracena no presente imediato. Esta e outras opções fazem de Deserto Feliz um filme bastante curioso, sinalizando um percurso promissor para Paulo Caldas, depois dos resultados satisfatórios alcançados com Baile Perfumado (assinado, em parceria, com Lírio Ferreira) e O Rap do Pequeno Príncipe contra as Almas Sebosas .
# DESERTO FELIZ
Brasil, 2007
Direção: PAULO CALDAS
Roteiro: PAULO CALDAS, MARCELO GOMES, MANOELA DIAS, XICO SÁ
Produção: GERMANO COELHO FILHO
Fotografia: PAULO JACINTO DOS REIS
Música: ERASTO VASCONCELOS, FÁBIO TRUMMER
Montagem: VÂNIA DEBS
Direção de Arte: MOACYR GRAMACHO
Elenco: NASH LAILA, PETER KETNATH, MAGDALE ALVES, HERMILA GUEDES, JOÃO MIGUEL, ZEZÉ MOTTA
Duração: 88 minutos