Críticas


MEMÓRIA PARA USO DIÁRIO

De: BETH FORMAGGINI
27.12.2008
Por Carlos Alberto Mattos
PUXAR PELA MEMÓRIA

Memória para Uso Diário nasceu como um institucional do Grupo Tortura Nunca Mais, do Rio de Janeiro, e assim percorreu o circuito não comercial. A versão que agora chega aos cinemas, com 80 minutos, se não perdeu inteiramente o aspecto original, ganhou ressonância maior como balanço de um período. Não o período da ditadura, evocado com impacto e ironia na abertura do filme. Mas esses 23 anos em que um grupo de ex-militantes e parentes de vítimas da tortura lutaram contra o esquecimento e a inaceitável condição de “desaparecidos”.



O doc se estrutura como uma espécie de jogo da memória. As peças vão sendo apresentadas e recobertas desde o início para ressurgirem mais adiante. É como se o espectador fosse convidado a montar o filme em sua memória. O recurso, se por um lado pode gerar dispersão, por outro desafia o público a se mover naquele mosaico de histórias que vão sendo exumadas pelos entrevistados. Poucas, aliás, são as entrevistas de fato. A diretora e roteirista Beth Formaggini optou por reunir duplas que se ajudam mutuamente a lembrar. Com isso, o filme recupera a própria essência do trabalho do GTNM: lembrar, puxar pela memória – sua e dos outros –, fixar nomes, dados e recordações que afastem as nuvens do esquecimento.



Numa das melhores cenas do filme, um grupo de ativistas chega a uma rua de subúrbio chamada Marcos Nonato Fonseca. A placa está tão enferrujada que não se pode ler o nome. Os moradores não têm idéia de quem foi Marcos. Uma das visitantes, bastante emocionada, pede a uma moradora que traga uma conta de luz, qualquer coisa onde o nome de Marcos, seu filho, apareça claramente. O papel é então exibido com doloroso orgulho para a câmera, como um conforto mínimo e simbólico.



Memória para Uso Diário tem o mérito adicional de reunir um ótimo material de arquivo, sobretudo reportagens de TV (algumas inéditas até então) sobre a descoberta de valas clandestinas e ossadas de desaparecidos, a abertura de arquivos etc. Na edição, esse material é valorizado pelo uso impactante da tela negra em conjunto com as sonoridades do bruxo Aurélio Dias.



O filme enfoca ainda uma atualização do trabalho do Tortura Nunca Mais no apoio a parentes de vítimas da polícia em favelas. Se a pertinência humanitária dessa atuação é indiscutível, o mesmo não se pode dizer de um discurso que faz paralelos entre o combate a traficantes de hoje e a repressão a militantes políticos de ontem. Nem considera que muitas vítimas do tráfico perecem pelas mãos de traficantes rivais. É quando as razões se perdem no proselitismo.



Mas isso é uma posição de membros do GTNM. Ao filme de Beth coube veiculá-la e, assim, trazê-la à discussão.



Visite o DocBlog do crítico.



MEMÓRIA PARA USO DIÁRIO

Brasil, 2007

Direção e roteiro: BETH FORMAGGINI

Fotografia: CLEISSON VIDAL, TIAGO SCORZA

Edição: MÁRCIA MEDEIROS, LITZA GODOY

Música: AURÉLIO DIAS

Duração: 94 minutos

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