Críticas


DÚVIDA

De: JOHN PATRICK SHANLEY
Com: MERYL STREEP, PHILIP SEYMOUR HOFFMAN, AMY ADAMS, VIOLA DAVIS
06.02.2009
Por Daniel Schenker
O DESAFIO DA CENA FINAL

A suspeita de que um padre teria avançado bem mais que o permitido na relação com um aluno numa escola do Bronx durante a década de 60 é o mote utilizado pelo dramaturgo John Patrick Shanley para lançar uma reflexão sobre a eventual intransigência das certezas. Não por acaso, o filme começa com uma pergunta lançada pelo padre Brendan Flynn no início de um sermão: “o que vocês fazem quando não têm certeza?”



A freira Aloysius Beauvier, protagonista da história de Shanley (que também se encarregou de capitanear essa adaptação para a tela), transforma a desconfiança em certeza. Não é uma vilã. Independentemente de estar ou não certa, não age por maldade, mas movida por um misto de convicção e antipatia por Flynn. Por estas razões, diante de possíveis indícios, não hesita em acusar o padre de ter molestado Donald Miller, único aluno negro da escola. E oculta, inclusive de si mesma, dúvidas sobre o caso. Pelo menos, até a cena final.



No último minuto, John Patrick Shanley destaca uma transição de Beauvier que pode causar estranhamento no espectador. Não existe, porém, falha dramatúrgica. O autor/diretor evidencia uma faceta diferente da protagonista e o faz de modo abrupto, mas não inverossímil. Para dar credibilidade a esta curva dramática é necessário que a atriz encarregada de interpretar a personagem encontre um registro vocal diverso para com ele exprimir o assombro e sintetizar a vulnerabilidade de uma figura que vinha se mostrando implacável durante todo o tempo.



Cherry Jones, responsável por excepcional interpretação na montagem novaiorquina, venceu o desafio; Meryl Streep, não. A cena final é, com certeza, seu momento menos satisfatório em Dúvida , na medida em que dá vazão a uma desnecessariamente derramada reação emocional. Durante a projeção há boas passagens com Streep, como aquela em que Beauvier ouve, pela primeira vez, da irmã James o relato sobre a suspeita do vínculo entre Flynn e Miller. Entretanto, a atriz poderia ter optado por uma maior economia de recursos. Não era necessário, por exemplo, passar boa parte das cenas de olhos inchados. Seja como for, o rendimento geral do elenco merece aplausos. Philip Seymour Hoffman, Amy Adams e Viola Davis, todos bastante seguros, estabelecem contracenas contundentes com Meryl Streep.



O fato de os quatro intérpretes terem sido indicados ao Oscar fez com que Dúvida passasse a ser visto como um filme em que a qualidade do elenco se sobrepõe à do texto. Um diagnóstico injusto com John Patrick Shanley, que, apesar de não ter acumulado muita experiência no cinema (louvado como roteirista de Feitiço da Lua , reprovado como diretor de Joe contra o Vulcão ), conseguiu preservar nessa transposição o valor dramatúrgico de sua obra, que ganhou, em São Paulo, montagem assinada por Bruno Barreto, inédita nos palcos cariocas.



# DÚVIDA (DOUBT)

EUA, 2008

Direção e Roteiro: JOHN PATRICK SHANLEY

Fotografia: ROGER DEAKINS

Montagem: DANE COLLIER e DYLAN TICHENOR

Elenco: MERYL STREEP, PHILIP SEYMOUR HOFFMAN, AMY ADAMS, VIOLA DAVIS

Duração: 104 minutos

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