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NINGUÉM QUER EMBARCAR NESSE ÔNIBUS

18.11.2002
Por Marcelo Janot
NINGUÉM QUER EMBARCAR NESSE ÔNIBUS

O crítico Carlos Alberto Mattos já escreveu, aqui no site, que assistir ao documentário Ônibus 174, de José Padilha, é um “dever cívico que se impõe a todo cidadão interessado em ser algo mais que um passivo consumidor de telejornais”. Ele tem toda a razão. Duro é constatar que, cerca de um mês após o lançamento do filme, apenas pouco mais do que 10 mil pessoas tenham pagado ingresso para ver Ônibus 174, mesmo com toda sua boa repercussão na imprensa e com os prêmios que obteve no Festival do Rio BR 2002.



No momento em que Cidade de Deus está chegando aos 3 milhões de espectadores, desbancando a diversão infantil alienante Xuxa e Os Duendes do posto de maior bilheteria do recente cinema nacional, seria de se esperar que o sucesso do filme de Fernando Meirelles despertasse no público pelo menos a curiosidade por uma fita como Ônibus 174, uma vez que ambos guardam forte parentesco na temática social. O fato de ser um documentário também não é desculpa para que o filme tenha sido visto por míseros 0,03 % do público de Cidade de Deus – basta lembrarmos que Janela da Alma ultrapassou os 100 mil espectadores.



O que mais chama a atenção é a passividade de quem se recusa a ver o filme, contrastando com um momento político brasileiro em que o discurso social ganha mais peso do que nunca, e esse discurso se reflete na produção cultural com bastante intensidade. O mais comum, ao perguntar a alguém se já assistiu a Ônibus 174, é ouvir como resposta: “não quero ver não, já fiquei muito deprimido(a) ao acompanhar esse caso ao vivo pela TV”.



E olha que quem diz isso não é nem o público de cinema-pipoca – já ouvi tal desculpa de todo tipo de gente, incluindo intelectuais, freqüentadores do circuito de arte, militantes do PT e até mesmo críticos de cinema! Ninguém parece querer cumprir com seu dever de cidadão buscando uma obra que lhes trará farto material para reflexão das causas das desigualdades sociais que se esfregam na nossa cara a cada esquina. Aqueles que declaram ser suficiente o que viram passivamente na TV ano passado certamente são os mesmos que, quando vêem meninos de rua fazendo malabarismo com bolas de tênis no sinal fechado, se limitam a abrir dois dedos da janela do carro para jogar uma moedinha pela fresta.



Em sua coluna semanal na mídia impressa, Arnaldo Jabor enalteceu as qualidades de Ônibus 174 e conclamou todos os seus leitores a assisti-lo. Parece que não funcionou. Melhor seria se ele usasse de sua influência para sugerir à Rede Globo, que lhe paga salário, que exibisse o documentário em rede nacional. Exibindo um produto de mais bom gosto e menos violência que o programa Linha Direta e mais dinâmico e realista que qualquer Globo Repórter, a audiência certamente seria grande e um belo serviço social seria prestado.



Enquanto isso, no Rio de Janeiro, Ônibus 174 continua em cartaz nas minúsculas salas do Estação Botafogo 2 e do Instituto Moreira Salles. Por enquanto...



Leia a crítica de Carlos Alberto Mattos

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