Não pense nem por um segundo que você vai resistir ao charme do Wilson Simonal de Simonal - Ninguém sabe o duro que dei, documentário de Claudio Manoel, Micael Langer e Calvito Leal. O filme encontra o cantor no auge do sucesso, maestro de multidões, inventor da “pilantragem” (aquele jeito malandro de cantar), e envereda pelo maior drama de sua vida: a acusação de que ele seria informante do DOPS e alcaguete de colegas. Recuperando a via crucis do intérprete, dando voz a amigos, colegas, familiares e parceiros, o documentário embarca na enorme interrogação que assombrou Simonal, e se transformou no flagelo que deu cabo de sua vida: afinal, ele era, ou não, um traíra?
É muito provável que você deixe a sala cantarolando as músicas do filme, e que não resista o impulso de entrar numa loja, e comprar uma coletânea do tipo “o melhor de” do Simonal. Basicamente, isso vai te acontecer por algumas razões.
Primeiro, pelo inegável carisma. Simonal se sentia absolutamente à vontade no papel de Wilson Simonal. Descobrir os limites que separam o artista do cidadão Wilson Simonal de Castro é algo fora de questão no filme. Nem ele sabia, e provavelmente foi esse o maior problema. Entre o cantor dono de três mercedes, que chegou a fazer mais de 300 shows por ano, e o filho da ex-empregada da crítica de teatro Barbara Heliodora, que pulava o muro pra pegar quentinha feita pela mãe, Simonal optou por capitalizar a imagem do malandro cheio de bossa, do lobo mau que, entre risinhos e olhares de esguelha, levava as platéias ao delírio. Só no alho e óleo, sem champignon, como ele dizia.
Segundo, pela qualidade do material de arquivo, que, entre outras coisas, deixa entrever um momento fascinante da televisão brasileira. Era a época dos grandes festivais de música, transmitidos pelas TVs Tupi, Excelsior e Globo; de programas como O Fino da Bossa e Show em Simonal, na Record. No pacote de técnicas que aportou nas emissoras na década de 1960, veio o videotape e, com ele, os programas não apenas começaram a ser gravados antes de serem exibidos, mas também editados e montados. Uma nova linguagem, que explorava movimentos de câmera, ângulos inusitados, planos abertos e closes, começou a surgir. Grande parte do mito de Simonal foi forjado na cumplicidade que se estabeleceu entre o cantor e a câmera; desde o início, ele sacou que se domesticasse aquele “olho”, ganharia os corações e mentes por trás. Para além disso, tente não se deixar seduzir por uma televisão que sabia filmar estádios, ginásios e auditórios; intérpretes, bandas e palcos, com o dedo no pulso do espectador, transmitindo toda a emoção e o calor dos shows. Aliás, por onde andam estes cameramen?
O documentário compra (e vende) a idéia de que, por trás das acusações e dos dedos apontados, existe muito mais do que sonha nossa vã filosofia, e que não há provas de que o intérprete de Nem vem que não tem e Sá Marina, que cantou com Sarah Vaughan em inglês (sem saber falar sequer uma palavra do idioma! tudo na decoreba), tenha de fato cometido todos os crimes que lhe são imputados.
Não precisava. Bastava acreditar na força das imagens do próprio Simonal, seja cantando, seja peregrinando de programa em programa, se defendendo. Para o bem, e para o mal, essa é a grande virtude, e o grande perigo, contido nas imagens.
SIMONAL – NINGUÉM SABE O DURO QUE DEI
Brasil, 2008
Direção: CLAUDIO MANOEL, MICAEL LANGER E CALVITO LEAL
Direção de arte:EDUARDO SOUZA E RODRIGO LIMA
Produção:MANFREDO G. BARRETO E RODRIGO LETIER
Fotografia:GUSTAVO HADBA
Montagem:PEDRO DURAN E KAREN AKERMAN
Trilha sonora original:BERNA CEPPAS
Duração:86 minutos
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