Críticas


ANJOS E DEMONIOS

De: RON HOWARD
Com: TOM HANKS, EWAN McGREGOR, AYELET ZURER, STELLAN SKARGARD, ARMIM MUELLER STAHL
23.05.2009
Por Nelson Hoineff
DOUTRINAS E MATERIAIS EXPLOSIVOS

Se as cenas de ação fossem retiradas, Anjos e Demônios seria uma insólita sucessão de aulas sobre cristianismo, física e assuntos gerais, onde verdades e mentiras são contadas no mesmo tom. O filme de Ron Howard é assim um permanente glossário sobre a razão dos conflitos que os intercalam. Todo mundo leciona para todo mundo. O simbologista para a engenheira física, a engenheira física para o simbologista, o sacerdote para a polícia, a polícia para o sacerdote e até o Camerlengo para os cardeais – isso em pleno conclave para a eleição do novo Papa. Essa é a melhor forma encontrada pelos roteiristas para explicar ao espectador o que está acontecendo no tocante à fabricação da anti-matéria, das cisões do Cristianismo, dos históricos conflitos entre a Igreja Católica e Galileu - entre outros cientistas -, da origem dos Illuminati, e de sua luta contra a Igreja. O que germina de uma base como essa não pode ser muito promissor.



Anjos e Demônios pertence a uma categoria de filmes que se propõe a instruir cuidadosamente o espectador sobre o seu enredo, os seus códigos, as suas razões. É possível que nem sempre estejamos dispostos a esse tipo de exercício pedagógico. Tais filmes, no entanto, comportam-se como séries de televisão: fazem-se passar por primários, para instruir espectadores primários - e só então percebe-se que são primários mesmo.

É claro que Anjos seria mais tedioso se o Vaticano não fosse uma das mais perfeitas materializações do que Kracauer tratava como “objeto cinemático”. Tudo o que ele contém parece feito para uma câmera: a Basilica de São Pedro, a Capela Sistina, os corredores, a biblioteca, os arquivos. Poucas instituições na Terra carregam tanta beleza, mistério e conhecimento. Se o Vaticano não existisse, o cinema teria que inventá-lo.



Mas o Vaticano existe e Dan Brown escreve sobre o que de mais cinemático existe nele: fantásticas sociedades secretas, ultra-conservadoras, carregadas de conspirações e perigos, e que se abrigam sob códigos que remontam há séculos; para não falar da imbatível ritualística do Vaticano, encantadora em suas encenações, figurinos e representações.



O fato de o que Brown escreve não ser remotamente plausível não tem grande importância. Um homem vestido de morcego voando sobre uma grande cidade também não é muito plausível. Mas ele tem sido o agente para que se fale sobre o ser humano. Brown reza pela cartilha de um grande construtor de thrillers – as aparências enganam e o que é deixa de ser a cada 15 minutos. E, no entanto, sob uma embalagem tão boa nota-se no recheio um grande desperdício. O extraordinário em Anjos e Demônios – assim como em O Código Da Vinci – é que não se fala uma palavra conseqüente sobre o homem, mesmo tendo como cenário o Vaticano e como motivo as divergências do ser humano sobre sua fé.



No caso particular deste filme é difícil entender por que os criminosos deixam tantas pistas, já que seu objetivo é destruir a organização da Igreja Católica e não testar os conhecimentos do professor Robert Langdon. É bem verdade que, do ponto de vista de Brown, quem quer testar esses conhecimentos é a platéia. Langdom é uma espécie de equilibrista, de participante de programas de perguntas e respostas para o qual todos torcem. Conhece a fundo os símbolos dos Illuminati – e de toda a Igreja – e os utiliza como ferramentas para o exercício de uma intuição fora do comum – que, para desespero de seus camaradas, só é reconhecida um segundo depois de que os crimes que procura evitar tenham sido cometidos.



Langdon é, afinal de contas, a única pessoa no filme em que se pode confiar. Todos os outros são suspeitos de conspirar a favor dos fanáticos. Eles envenenaram o Papa e seqüestraram os quatro principais candidatos à sua sucessão, que prometem matar com requintes de crueldade, um por hora, até as 11 da noite. Uma hora depois de matarem o último Cardeal, vão deixar explodir a anti-matéria que roubaram, o que fará com que Roma, ou pelo menos o Vaticano, desapareça do mapa. Não é pouca coisa.



Se não fosse público o fato de que Howard não pôde filmar no Vaticano, eu não teria dúvidas de que toda essa parte do filme foi feita em locações. As reconstituições de Basílica de São Pedro, da Capela Sistina, do Museu do Vaticano estão entre as mais impressionantes que Hollywood foi capaz de produzir nos últimos tempos. Tais valores de produção se equiparam à trama e vão muito além do roteiro que a envolve. Para quem tem a disposição de freqüentar as aulas que o filme impõe, Anjos e Demônios é um thriller fascinante. Se no lugar de Langdon estivesse James Bond, seria certamente extraordinário.



#ANJOS E DEMONIOS(Angels and Demons)

EUA, 2009

Direção: Ron Howard

Roteiro: David Koepp e Akiva Goldsman, baseado na novela de Dan Brown.

Fotografia: Salvatore Totino

Edição: Daniel P. Hanley e Mike Hill

Música: Hans Zimmer

Figurino: Daniel Orlandi

Desenho de Produção: Allan Cameron

Direção de Arte: Alex Cameron, Luke Freeborn, Marc Homes, Giles Masters e Dawn Swiderski

Efeitos Especiais: CIS Vancouver / The Senate Visual Effects / Plowman Craven & Associates / Moving Picture Company

Elenco: TOM HANKS, EWAN McGREGOR, AYELET ZURER, STELLAN SKARGARD, ARMIM MUELLER STAHL, PIERFRANCESCO FAVINO.

Duração: 138 minutos.

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