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VENTOS DA LIBERDADE

26.06.2009
Por Luiz Fernando Gallego
TEOREMA POLÍTICO

Em Ventos da Liberdade, Ken Loach retoma o formato que já utilizara em seu filme de 1995, Terra e Liberdade, trocando a Guerra Civil espanhola dos anos 1930 pela guerrilha irlandesa contra o domínio inglês na década anterior. Tudo é construído a partir de um roteiro sólido, com clara intenção didática de demonstrar um pouco do que terá sido o imperialismo e colonialismo da Inglaterra na manipulação dos movimentos de revolta populares dos territórios que dominava.



Mas o filme não se restringe à caracterização de um império-vilão: outro eixo apresentado, e ainda mais importante, é a discussão dos processos revolucionários, seus métodos e seu principal calcanhar de Aquiles: sua continuidade quando a ruptura com uma velha ordem, depois de bem sucedida em seus primeiros passos, precisa se transformar em nova organização governamental. É então que surgem as aparentemente inevitáveis dissidências dentro dos grupos humanos e não apenas entre grupamentos. Antes, o inimigo comum unia todos; depois, surgem divergências em aspectos mais pontuais na passagem das teorias ideais para o delicado terreno da prática. Não era à toa que o velho Freud dizia que governar era uma das profissões “impossíveis”: mais do que conflitos “externos”, os conflitos subjetivos e intersubjetivos podem minar “por dentro” o que não foi solapado por forças “de fora”.



A tese do filme não é, portanto, simplista ou limitada a ser contra um imperialismo colonizador. Nem exala qualquer ranço proselitista: se por um lado, não há dúvidas sobre o pensamento do cineasta (e Ken Loach vem se mantendo sempre fiel ao seu ideário “de esquerda” mesmo em seus filmes mais “intimistas”), ele se serve, como de hábito, de eficiente tratamento ficcional de conflitos interpessoais dramáticos. Reutiliza com competência o antigo recurso de retratar um evento histórico real a partir de um núcleo de personagens emblemáticos para o recorte que pretende oferecer sobre o painel mais amplo da História que, aqui, é bem mais do que mero pano de fundo (embora não passe disso em tantas produções menos engajadas e que apenas usam cenários históricos para contar historietas românticas).



A divisão de uma nação, no caso, é vista a partir do cisma entre irmãos, os personagens centrais muito bem interpretados, com destaque para Cillian Murphy (mas não só). Se o filme pode ser visto como um bem desenvolvido teorema sobre o que se queria demonstrar, também oferece ao espectador farta gratificação estética com ajuda da mesma equipe que já trabalhou com Loach em Terra e Liberdade: a fotografia (magnífica) de Barry Ackroyd, a música de George Fenton e a edição de Jonathan Morris, que colaboram para a construção do clima pretendido, a um só tempo “distanciado” e emocionado - assim como para a beleza do filme que chega ao corte da cena final em uma tomada de grande plano que traduz o pathos trágico de sua dupla linhagem, coletiva e individual.



# VENTOS DA LIBERDADE (THE WIND THAT SHAKES THE BARLEY)

Inglaterra, Espanha, Alemanha, Itália, França, Irlanda, 2006

Direção: KEN LOACH

Roteiro: PAUL LAVERTY

Fotografia: BARRY ACKROYD

Montagem: JONATHAN MORRIS

Música: GEORGE FENTON

Elenco: CILLIAN MURPHY, PADRAIC DELANEY, LIAM CUNNIGHAM, GERARD KEARNEY, WILLIAM RUANE.

Duração: 127 minutos

Site oficial: www.thewindthatshakesthebarley.co.uk

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