Um estereótipo de homem selvagem é apresentado em poucos planos: um rapaz alto, gordo e feio se encaminha para o trabalho ao som de heavy metal. Ele segue sua rotina como vigia de um supermercado e quando parece que vai grunhir ou esbravejar, na verdade, se revela um ser silencioso e atento aos detalhes. É dessa falsa impressão na estruturação do personagem principal, Jara, que o cineasta Adrián Biniez inicia seu conto de amor, o filme Gigante. A partir de uma superfície em que nem tudo o que se vê é a realidade, a obra passa de uma reflexão sobre a vigilância e o controle para se estabelecer como uma crônica das dificuldades de relacionamentos interpessoais. Só que para essa transição sutil realmente acontecer na tela, o filme precisaria de um diretor que fabricasse ou, até mesmo, forjasse um olhar a respeito daquele universo, e não simplesmente se apoiasse na facilidade de uma roupagem minimalista e naïf, que é exatamente o que acontece na película uruguaia.
O elemento de maior importância para um longa com as características de Gigante é o tempo. Já que o retrato de um vigia deve transparecer solidão, os tempos mortos passam a ser a essência da ação em busca de transferir ao espectador uma sensação de desconforto. Mas Biniez se limita a colocar planos curtos de Jara em frente à tela do circuito interno do mercado sem que se desenvolva tanto uma relação claustrofóbica com o espaço nem com a passagem temporal. O realizador está mais preocupado em criar simpatia e complacência do espectador com seu personagem em um formato domesticado de encenação: parte-se da rejeição de Jara pela aparência para a admiração por seus valores, como proteger uma faxineira, que rouba o mercado, e cuidar de seu sobrinho. Para determinado fim, o diretor não precisava gastar planos em que busca registrar a monotonia do trabalho e a identidade de seu personagem em constante desacordo com a própria imagem.
A narrativa parece se prender a pequenos detalhes em uma apropriação falsa do microuniverso de um vigia. Mas, na verdade, a todo tempo se refere ao tema maior do amor como válvula de escape de um mundo árido. A premissa de Gigante não parte de um lugar específico, como o retrato de um Uruguai urbano, para conferir consistência ao todo. Biniez apenas deseja cativar a plateia usando artifícios comuns, que estão longe de soarem originais dentro do cinema contemporâneo. Nesse ponto, há como referência direta O Guardião, de Rodrigo Moreno, que longe de ser bem-sucedido em sua proposta, ao menos, visa uma dramaturgia em que o binômio espaço-tempo jamais seja deixado de lado; um primo um pouco mais distante em uma conexão entre o cinema de Jim Jarmusch, e sua utilização de silêncio e estranhamento; e o subtema de vigiar e punir como questão moral e de conduta, que está presente em Marcas da Vida, de Andrea Arnold. Elementos esses que nas mãos de Adrián soam insípidos, como em tantos outros diretores, como Moreno e Arnold, que buscam um estilo por intermédio de outras fontes e não conseguem converter em imagens aquilo que projetam.
Gigante seria apenas inofensivo caso seu realizador não frisasse com tamanho afinco o seu propósito de tornar mais palatável uma história e um personagem aparentemente avessos à simpatia. À espera de atingir esse objetivo, Biniez torna dócil o que se insinua espinhoso e adequado a realidade persecutória de câmeras por todos os lados a observar e julgar. O reflexo da imagem de Jara no espelho ou na televisão desligada não representa nada; é apenas mero adorno em uma narrativa com um plano final tão irritante quanto a sua obviedade de visão cinematográfica.
# GIGANTE
Alemanha/Argentina/Espanha/Uruguai, 2009.
Direção e roteiro:
Produção e montagem: FERNANDO EPSTEIN
Fotografia: ARAUCO HERNANDÉZ HOLZ
Direção de Arte: ALEJANDRO CASTIGLIONI
Elenco: HORACIO CAMANDULE, LEONOR SVARCAS, FERNANDO ALONSO, DIEGO ARTUCIO, FABIANA CHARLO e ARIEL CALDARELLI
Duração: 84 minutos