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PERFIL E ENTREVISTA COM GUY MADDIN

09.09.2009
Por Leonardo Luiz Ferreira
PERFIL E ENTREVISTA COM GUY MADDIN

O cineasta canadense Guy Maddin é praticamente um desconhecido para o cinéfilo brasileiro, pois nenhum de seus filmes entrou em cartaz ou foi lançado em DVD por aqui. A única amostra de seu trabalho aconteceu na Mostra de São Paulo, em 2004, com uma pequena retrospectiva de seus longas. Neste ano, a lacuna foi preenchida através de uma mostra completa (No Crepúsculo de Winnipeg: O Cinema de Guy Maddin), com curadoria de Arndt Röskens e Tatiana Leite, de sua filmografia no Centro Cultural Banco do Brasil nos núcleos do Rio de Janeiro (18 a 30 de agosto) e São Paulo (9 a 20 de setembro).



Maddin estudou economia na Universidade de Winnipeg, a sua cidade natal, e trabalhou como caixa de banco e pintor de casas antes de ficar fascinado com o cinema. Por intermédio do contato com filmes experimentais, ele percebeu que era possível criar artisticamente sem gastar tanto dinheiro ou ter um estudo apurado a respeito de arte. É dessa vontade em realizar, mesmo sem saber os princípios básicos do cinema, que ele investe tudo na carreira de cineasta. E assim como tantos outros profissionais da área, Guy começa com filmes amadores rodados em todos os formatos, vídeo, 8 e 16mm – uma proposta que mantém ao longo de sua carreira.



A sua estética pessoal provoca estranhamento nos espectadores que conhecem seu trabalho pela primeira vez: os longas estão envoltos em uma atmosfera onírica, que mescla fantasia de contos de fadas com filtros de cores e sequências em preto e branco. Para essa composição pictórica e estrutural, o diretor retira a maioria de suas referências do cinema mudo.



É um cinema bastante pessoal repleto de ironia e situações nonsense. Tudo isso gera o afastamento ou adesão por parte do espectador. Mas essa é realmente a proposta do realizador, que aos poucos vem galgando espaço dentro do circuito cinematográfico e de festivais, como o prêmio de melhor produção canadense no Festival de Toronto, com My Winnipeg (2007).



Como começou seu interesse por cinema?

Guy Maddin:Quando cheguei a fase adulta da minha vida eu descobri que queria me expressar artisticamente de alguma forma. Eu não sei exatamente explicar o porquê. Talvez apenas para impressionar mulheres, e estou consciente ao admitir isso. Quando um homem é jovem tudo que diz a seu respeito, como trabalho, carisma e interesse sexual, está tudo enrolado em uma grande bola, uma força de energia que faz você seguir adiante sem que questione o que está acontecendo. Eu sabia apenas que queria me expressar. Eu primeiro quis ser escritor, já que não tinha nenhuma habilidade com artes plásticas, e sabia também que não podia atuar no palco – até tentei algumas vezes, mas com resultados catastróficos e hilários! O problema era que sendo um bom juiz de escrita eu sabia que nunca seria um bom escritor. Na melhor hipótese seria um escritor medíocre, e a mediocridade não é sexy. Então, descobri um grupo de cineastas na minha cidade natal. Eles não eram apurados tecnicamente, mas com essa vontade primitiva de fazer, eles ainda conseguiam realizar coisas excitantes. Eu penso em como meus quadros e desenhos favoritos são muito primitivos, normalmente feitos por jovens, e meu estilo de música favorito foi feito pelos Ramones, Sex Pistols e um monte de bandas de garagem. Então, por que eu não poderia fazer um filme primitivo? Passei a assistir alguns experimentos cinematográficos canônicos, entre eles os primeiros e notáveis trabalhos de Luis Buñuel e algumas coisas de George Kuchar, e fiquei impressionado. Ganhei 5 mil dólares de uma doce tia minha e comprei uma câmera, algumas luzes e um monte de película, e comecei a filmar imediatamente!



Quando decidiu dirigir filmes?

Guy Maddin:Isto foi em 1982, quando eu tinha 26 anos. Claro que eu não sabia que aquilo que estava fazendo não ficaria pronto em algumas semanas e a experiência acabou levando três anos. Eu não tinha ideia de todos os passos envolvidos, e ainda gastei todo o meu dinheiro rápido demais e tive que esperar meses para pequenas filmagens do meu primeiro projeto. Eu o finalizei e fiz diversos erros ridículos durante o percurso, mas eu fui esperto o suficiente para manter os equívocos e incorporá-los para transformá-los em meu estilo pessoal. Os erros e a minha vontade em abraçá-los definiram o meu estilo. Eu não imaginava que teria um estilo, porém eu consegui. É muito similar, se você pensar a respeito, com o trabalho de arte das crianças. É muito desajeitado e entusiasmante, algumas vezes indiferente, e sempre engajado com aquilo que está passando pela minha cabeça no momento.



Como funciona a sua metodologia de trabalho?

Guy Maddin:Eu gostaria de escrever todo dia, especialmente em meu diário, mas eu quase nunca escrevo. Só faço isso quando realmente preciso. Eu só quero apenas que o filme seja terminado. Tento não permanecer fora do processo, e gosto bastante de filmar, mas a razão para filmar é para ter um filme. Eu odeio ler scripts. Acho-os muito áridos, e não convidativos, então tento escrevê-los como histórias curtas para aqueles designados a lê-los consigam ficar acordados. Entretanto, isso cria problemas para vários departamentos. Numa vez um assistente de produção saiu para alugar diversos animais para filmar uma sequência na qual eu descrevia como ambientada durante uma tempestade em que choviam gatos e cachorros. Ele literalmente queria jogar gatos e cachorros na direção dos atores. Agora escrevo o roteiro e tento tratá-lo com mais sabedoria pensando nos meus colaboradores, como uma forma para que todos os departamentos de produção possam me apoiar de maneira mais eficiente. Então, eu nunca leio realmente o roteiro. Nunca podia suspeitar que teria boa memória, porém nunca leio o script novamente. Eu apenas apareço no set de filmagem e começo a filmar o documento de memória. É claro que ajuda que uma parte de minha história de vida esteja em cada roteiro, então posso apenas meramente filmar de memória do meu próprio passado e não necessariamente do script.



Você escolha a estética baseado no roteiro ou começa o filme através de imagens?

Guy Maddin:Algumas vezes a aparência e a atmosfera do projeto vêm antes – isso é o que prefiro -, e em outros momentos a história vem primeiro. Idealmente os elementos-chave (história e estética) se desenvolvem simultaneamente e eles nutrem um ao outro. Mas o ideal raramente acontece.



O que representa a era do cinema mudo para você, já que ela exerce grande influência sobre seu trabalho?

Guy Maddin:Quando um filme mudo atinge o seu ápice, ele me lembra os grandes contos de fadas, como os melhores trabalhos de Hans Christian Anderson, os irmãos Grimm e talvez ópera, Shakespeare e todas as lendas do mundo englobadas em uma só. Pelo fato dos atores permanecerem mudos esta forma os aproxima do balé, e também os coloca na direção de uma obra de arte comprometida e não apenas um mero entretenimento. Eu vejo filmes mudos como uma prece para que os cineastas considerem a si mesmos como artistas que têm a opção de manter os atores calados, como os pintores têm a opção de usar qualquer tamanho de pincel ou tela, ou a escolha de não usar pincéis.



Como você escolhe o conceito visual de um filme? E como funciona a parceria com o diretor de fotografia?

Guy Maddin:Algumas vezes eu sou o fotógrafo, então a parceria se estabelece de forma fácil. Quando eu contrato um diretor de fotografia é porque eu preciso de longas e específicas cenas com uma atmosfera na qual não estou confiante que posso atingir. Sei trabalhar em espaços pequenos, porém necessito de ajuda em lugares maiores, então simplesmente mostro ao cara, e nesses últimos tempos tem sido Ben Kasulke, com quem adoro trabalhar, alguns filmes ou pinturas que atingiram os efeitos que busco ter no filme, e, então, ele me dá isso com luzes.



Quais são as suas referências em cinema, pintura e literatura?

Guy Maddin:Tento não mencionar referências; não vejo ponto nisso. Eu não quero que os espectadores sintam que eles precisam conhecer as minhas referências. Eu simplesmente roubo de outros filmes, livros, fotografias e, até mesmo, de letras de músicas. Ou seja, de tudo! E é por isso que algumas coisas parecem familiares. Mas as coisas que roubo são sempre colocadas em um novo contexto para que o “roubo” não seja nunca suspeito. Espectadores são apenas deixados com um sentimento de que os filmes se referem a alguma coisa. Mas eles não se referem.



O seu estilo é bem diferente dos cineastas canadenses (Denys Arcand e David Cronenberg) mais renomados no mundo. Fale um pouco sobre os temas e qual é a inspiração para o seu trabalho?

Guy Maddin:Bem, como o Brasil, o Canadá é um país imenso. Eu venho de Winnipeg, que fica a duas horas de avião de qualquer grande comunidade cinematográfica do país. Apesar de ter visto toda a filmografia de Cronenberg e Arcand, eu nunca fiz parte de seu meio. Eu me desenvolvi em meu próprio ecossistema, como um ornitorrinco da Nova Zelândia, bem distante de outros fatores evolucionários. Meus temas são sempre relacionados a mim, preocupações sobre memória e perda, e meus mitos da infância. Estou sempre tentando descobrir o que aconteceu na história da minha família. Muitas coisas estranhas e encantadas aconteceram comigo na minha infância que dá para preencher 40 filmes.



Fale um pouco sobre o cinema canadense como um todo: bilheteria, indústria e cineastas.

Guy Maddin:Canadenses tendem a não confiar em diretores canadenses, então a bilheteria para nós é miserável. Mas, em contrapartida, nos permitiram fazer o que quisermos, e normalmente não nos preocupamos com a bilheteria. É um lugar maravilhoso para se fazer filmes, e os filmes parecem ter aceitação em outros países, mesmo quando são pouco vistos por aqui.



O seu cinema é formado por uma mistura de estilos, gêneros e formatos. A linha de seu trabalho é pautada pela experimentação. Como você define a sua carreira? E o que é cinema para você?

Guy Maddin: Minha definição de trabalho, ao menos daquilo que venho tentando fazer, tem evoluído ou se tornou mais clara para mim com o passar dos anos. Eu penso que estou tentando fazer as minhas experiências específicas da forma mais universal possível. E também de uma forma acessível para os outros, enquanto mantenho alto os níveis de mistério nos quais eu me relaciono todos os dias da vida. Também gosto de mexer e entreter os espectadores, desde que recentemente decidi ser supostamente um showman assim como um cineasta. Eu não posso definir o cinema. Isso é um grande mistério para mim bem como tudo do mundo real ou espiritual. E gosto disso.



Site Oficial da retrospectiva: www.mostraguymaddin.com.br







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