Críticas


SALVE GERAL

De: SERGIO REZENDE
Com: ANDRÉA BELTRÃO, DENISE WEINBERG, LEE THALOR
02.10.2009
Por Luiz Fernando Gallego
´TROPA DE ELITE-2´

Salve Geral parece ter sido realizado para, em seu clímax, mostrar cenas de revolta dos presos, inspiradas em episódio real acontecido em São Paulo no ano de 2006. E é nestes trechos que o filme deixa clara a intenção de reproduzir algumas características de filmes de gênero “policial” (quase sempre norteamericanos) com propósito de “denúncia” sobre o concubinato entre o crime organizado e os responsáveis (?) pela segurança pública. Para atender ao gênero não falta uma perseguição de automóveis.



O problema é que a preocupação com estes momentos próximos ao desfecho parece ter deixado em plano muito secundário a dramaturgia, o desenvolvimento do roteiro, a verossimilhança mínima na curva dramática de personagens centrais - como o de Andréa Beltrão – assim como na construção dos diálogos, muitas vezes constrangedores, quando não “explicativos/informativos” daquilo que a narrativa cinematográfica não dá conta, mas investe em detalhar verbalmente - como se os antecedentes dos personagens (a mãe e o filho centrais; a ´Ruiva´ e o ‘H.D.’) fossem essenciais para o espectador compreender direitinho quem são e o que se passou com eles no contexto social onde se inserem.



Para exemplificar, podemos falar da abertura do filme: os créditos se passam sobre uma mudança onde se destacam as imagens de um piano sendo descido por cordas externas a um prédio, ao som de uma peça emocionalmente sedutora de Dvorak (e que será reutilizada inúmeras vezes ao longo do filme, pobre Dvorak); em seguida, planos aéreos para regiões mais afastadas do centro da cidade. Os primeiros diálogos entre ‘Lúcia’ e seu filho enfatizam que perderam status sócio-econômico, mudaram de bairro mais confortável para a periferia, detalhando que o pai morreu, a empresa faliu, etc etc etc. O rapaz deixa claro sua incapacidade de tolerar tais perdas e nem lembra que é o domingo considerado “dia das mães”.



Uma certa pressa nos diálogos tim-tim-por-tim-tim caracteriza - de modo enfático/tautológico - o que já se podia perceber. Mas o filme parece não acreditar em suas imagens e muito menos na capacidade do espectador acompanhar e participar da díade som/imagem inerente ao cinema. O maior “cuidado visual” fica no uso já abusivo de fotografia granulada, cacoete comum para filmes de ficção que pretendem um “clima realista/documental”.



O rapaz vai se envolver em atitudes irresponsáveis, graves, e acaba preso. Caso houvesse uma boa evolução do ponto de partida, o inferno dos presídios e a descida aos infernos de uma mãe tentando ajudar seu filho seriam um gancho dramático satisfatório para que no dia das mães (olha a coincidência!) do ano seguinte eles entrassemde de roldão na revolta de presos que paralisou a cidade em ações criminosas caóticas e descerebradas.



Sem tantas ambições genéricas, o recente Leonera de Pablo Trapero (Argentina, 2008) nem mesmo esclarecia o que teria acontecido à personagem que ia presa, preferindo enfatizar um corte transversal em sua trajetória de vida, com algumas alusões ao seu passado e possíveis motivos pelos quais se deixara envolver em (ou cometer) um crime. O debate sobre a vida de mulheres presas com filhos pequenos não era moralista nem apontava soluções, mas o filme também não se identificava com nenhum abandono de valores éticos. E este aspecto é o mais questionável em Salve Geral.



Há diálogos de ‘Lúcia’ com sua irmã (mais abonada): em um deles, a irmã pergunta se ela anda ganhando dinheiro ilegalmente (e anda), mas em outro é como se ela se defendesse ao mudar o foco acusando a irmã de algo como não conhecer o que seria o outro lado (negro) de nossa sociedade, as prisões e os presos: “nem todos são iguais”, diz ela e a irmã acentua que não está aludindo ao sobrinho – que matou uma moça irresponsavelmente, ainda que “sem intenção” – ele queria atirar em outra pessoa... Sem-noção perde.



E Lúcia também está “na defensiva” porque vinha mantendo envolvimento sexual com um preso “importante”, mas a personagem e a atriz (habitualmente competente, mas aqui sem chances razoáveis para se destacar em um elenco quase todo em interpretações amadoras) não conseguem convencer. Claro que o chamado “amor bandido” existe. Mas “como” o filme mostra a “virada” de ‘Lúcia’ é que é muito insatisfatório, tanto no início como no final do envolvimento. Às vezes o roteiro parece querer “explicar” demais os episódios, mas muitas vezes queima etapas e desenvolve muito mal o enredo.



O pior acaba sendo o amoralismo geral que o filme talvez tenha pretendido denunciar. Quando ‘Lúcia’ pergunta a uma advogada (Denise Weinberg, em patética interpretação caricata de vilã de carteirinha) que na verdade “comanda”, do lado de fora, grupos do crime organizado dentro das cadeias (no filme o grupo criminoso é chamado de “Partido”, será uma alusão aos nossos partidos políticos?) se o que está fazendo é ilegal, a outra responde que não fará “nada que não se faça no Brasil todos os dias”.



Com ênfase na “vida como ela é”, roteiro e filme seguem a trajetória da personagem ao ir transgredindo as fronteiras da ética mais elementar, o que acaba fazendo de Salve Geral o verdadeiro “tropa de elite-2”: por ambigüidade (preferimos crer que advinda de incompetência) seu recado geral acaba sendo: “Em Roma, como os romanos! Danou-se tudo? Então vamos aderir à ilegalidade geral”. Pretendendo uma suposta denúncia sobre a falência de valores morais no Brasil, praticamente convoca ao abandono de qualquer ética: salve-se quem puder e de qualquer jeito, legal ou ilegal.



# SALVE GERAL

Brasil, 2009

Direção: SERGIO REZENDE

Roteiro: SERGIO REZENDE e PATRICIA ANDRADE

Fotografia: ULI BURTIN

Edição: MARCELO MORAES

Música: MIGUEL BRIAMONTE

Elenco: ANDRÉA BELTRÃO, DENISE WEINBERG, LEE THALOR, EUCIR DE SOUZA.

Duração: 119 minutos

Site oficial: http://www.sonypictures.com.br/Sony/HotSites/Br/salvegeral/





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