Críticas


FESTIVAL DO RIO 2009: MOSTRA PANORAMA

De: VÁRIOS DIRETORES
Com: VÁRIOS INTERPRÉTES
01.10.2009
Por Críticos.com.br
MOSTRA PANORAMA - Festival do Rio 2009

ERÓTICA AVENTURA (À l’Aventure)



Direção: Jean-Claude Brisseau



por Carlos Alberto Mattos em 07/10/2009



Nem erótico nem aventureiro. Dos três “estudos da sexualidade feminina” de Jean-Claude Brisseau, esse é o primeiro a que tenho oportunidade de assistir. Pois já chega. O engodo é duplo. De um lado, a bonitinha e insatisfeita Sandrine, em seus encontros iniciáticos, serve de ouvido intermediário para uma sucessão de explanações retóricas sobre a física do universo e a necessidade de ir fundo nas experiências para superar a rotina da vida. De outro, Sandrine se dispõe a participar de sessões de busca do prazer que passam do sexo grupal ao sado-masoquismo, à hipnose e à elevação mística, nessa ordem.



Imagine tudo isso com atores, cenários e diálogos que mais parecem aqueles velhos filmes pornô em que as personagens conversavam “seriamente” antes de cair na safadeza. E aqui nem a safadeza tem integridade. O discurso de auto-ajuda encontra a exploração erótica soft. Salve-se quem puder.



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VINCERE



Direção: Marco Bellocchio



por Luiz Fernando Gallego em 07/10/2009



Não se pode acusar Marco Bellochio de ser um cineasta pouco original em suas abordagens de questões políticas contemporâneas. Desde A China está Próxima (ainda em1967), passando por Olhos na Boca (1982) até o mais recente Bom Dia, Noite (2003), seus filmes surpreendem pelos ângulos insólitos através dos quais tenta discutir impasses da esquerda (e não só) nas últimas cinco décadas. Em Diabo no Corpo mesclou outro tema que frequentemente lhe interessa, o sexo (como em O Processo do Desejo de 1990), acabando por obter mais sucesso pelo escândalo de uma cena fellatio explícito do que pelas questões políticas.



É neste tipo de digressão (e ambição?) que muitas vezes seus filmes perdem rumo, deixando de lado excelentes premissas para se transformarem em leques excessivamente abertos, plenos de desenvolvimentos idiossincrásicos, nem sempre os mais interessantes para a obra final. Se em A Hora da Religião (2002) os caminhos vicariantes não comprometiam tanto o resultado da diatribe em que um homem ateu era comunicado pelo Vaticano de que sua mãe - que ele conheceu muito bem - poderia ser considerada Santa da Igreja Católica, em Il Regista di Matrimoni (2006) ficou a impressão de que o filme não dava conta de todas as aspirações pretendidas.



Em Vincere, Bellocchio revê um ângulo menos conhecido da biografia de Benito Mussolini: seu envolvimento com Ida Dalser que teria sido sua amante quando ele já era casado com 4 filhos. Ela se dedicou integralmente a ele e a seus ideais, usando toda sua fortuna para a fundação de um jornal fascista.



Em Bom Dia, Noite Bellocchio reescreveu o desfecho do trágico seqüestro de Aldo Moro pelo grupo terrorista Brigadas Vermelhas como um sonho protraído de realização de desejo (de que a História tivesse sido diferente). Desta vez, ele investe mais na vida da mulher que amou o futuro aliado de Hitler do que na vida pública (e mesmo em outros aspectos pessoais) do homem público. As canalhices da vida privada de um ditador ganham destaque maior do que seu patético governo ditatorial, frequentemente visto sob o ângulo de uma “bufoneria” – quando de fato o fascismo italiano foi trágico, apenas com menor destaque em relação às atrocidades nazistas na Alemanha.



É bastante sugestivo que Bellocchio tenha querido aludir a outro “bufão”, atualmente no governo italiano, Berlusconi – cabendo lembrar que enquanto se ridicularizava a incultura dos militares brasileiros em piadas, um estado terrorista se espraiava, vencendo de modo violentíssimo os ideais humanistas associados ao socialismo, matando gente e travando o desenvolvimento brasileiro por décadas.



Bellocchio mostra o ridículo do Mussolini real em cinejornais de época que falam por si só em som&imagem - mas não havia muito do que se rir. O roteiro acaba centrando sua segunda metade (ou mais tempo) na tragédia de Ida e do filho que ela teria tido com “Il Duce”, mostrando o aprisionamento da mulher pela conivência do poder médico-psiquiátrico asilar pervertido para interesses particulares dos poderosos. E em conluio com a Igreja Católica, perfazendo um enorme interesse político para o homem que antes menosprezava a religião, mas agora se servia dela (com anuência dos poderes eclesiásticos, é claro) para se manter governante sobre uma população de forte tendência submissa às supostas “leis de Deus” - e da Igreja, é óbvio.



Os cinejornais e muitos outros fragmentos de filmes de época também perpassam a estrutura de Vincere, deixando a impressão que Bellocchio também queria falar muito de Cinema, tanto quanto de Mussolini, Berlusconi, Igreja, Religião - e de sexo (a atração do futuro ditador pela bela mulher na pele da lindíssima atriz Giovanna Mezogiorno é essencial na primeira metade do filme).



Com tantos caminhos abertos e um enfático privilégio dado ao drama pessoal de Ida e de seu filho, Vincere perde bastante fôlego na segunda metade, ficando como um belo esboço que carecia de um melhor direcionamento do roteiro (e de tantas idéias) para servir ao cineasta instigante que Bellocchio sempre é. Mas com exceção talvez de seu primeiro filme (De Punhos Cerrados, de 1965), o diretor sempre parece melhor do que a obra.



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A DOUTRINA DE CHOQUE (The Shock Doctrine)



Direção: Mat Whitecross e Michael Winterbottom



por Carlos Alberto Mattos em 06/10/2009



Segundo Naomi Klein, existe uma linha semivisível conectando velhas experiências com o comportamento humano em universidades americanas, as teorias neoliberais de Milton Friedman, os golpes contra Allende e Estela Perón, a decadência da Rússia pós-comunista, as guerras das Malvinas, do Iraque e contra o terror. É a teoria do “capitalismo de desastre” implementada pela direita anglo-americana, que fomenta ditaduras e conflitos para garantir a sobrevivência do capitalismo selvagem, apelidado de livre mercado.



O livro homônimo de Naomi é transposto para a tela por Mat Whitecross e Michael Winterbottom sob a forma de uma conferência ilustrada por caudaloso e dinâmico material de arquivo. A lógica desenvolvida soa convincente – e arrepiante, quando se vê a influência nefasta dos “Chicago boys” se estendendo pelos quatro cantos do planeta, da década de 1970 até um ano atrás.



Como arrazoado cinematográfico, o filme só tem um defeito: por mais impactantes que sejam as cenas de arquivo, dá pena tirar a câmera do rosto e da voz de Naomi. Uma mulher linda e inteligente como ela só pode estar com a razão.



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WHITE MATERIAL



Direção: Claire Denis



por Carlos Alberto Mattos em 05/10/2009



Mais um filme de Claire Denis, e aqui estou eu incapaz de apreender as virtudes tão decantadas por parte considerável da crítica nacional e internacional. Senti-me como a personagem de Isabelle Huppert, perdido numa nuvem de indeterminação, entre os fogos de uma guerra que não compreendo. A África de Denis é um lugar sem tempo nem espaço definidos. A família da francesa Maria é um emaranhado de relações obscuras e irrupções emocionais estapafúrdias. Sua obstinação em concluir uma colheita de café a coloca no centro de um conflito íntimo e político, do qual obtemos apenas indícios desordenados que bloqueiam qualquer identificação ou análise.



Restam o estilo rebuscado, a recusa esnobe da linearidade, a deliberada artificalidade de sempre, o mutismo solene, as poses afetadas. White Material ainda sofre de uma estranha alternância entre os piores maneirismos do filme-de-arte e momentos quase grotescos na caracterização dos africanos em luta. Tive vontade de, ao contrário de Maria, fugir no primeiro helicóptero.



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MARADONA (Maradona by Kusturica)



Direção: Emir Kusturica



por Carlos Alberto Mattos em 05/10/2009



Diego Maradona encontrou um retratista à altura em Emir Kusturica. Ambos são vaidosos, viris, fanfarrões, competentes no que fazem e lotados de ressentimento contra certos poderes constituídos. Maradona, contra a FIFA (suposta responsável pelas vitórias do Brasil em Copas), a Inglaterra (Malvinas) e a direita dos EUA; Kusturica, contra o Ocidente que se opôs à Sérvia na guerra da Bósnia. Os dois se identificam e dividem o tempo de tela. Kusturica flagra, sublinha e partilha o culto ao baixinho argentino, um misto de canonização e folclorização brega, algo difícil de definir. Diego é comparado a Fallstaf, Gilgamesh, Deus e os Sex Pistols, apenas para citar alguns. Ele próprio se define como um iluminado, só obscurecido pelo diabo da cocaína.



Não se trata de uma biografia, mas de um elogio indisciplinado, uma declaração de amor do cineasta ao jogador, uma insistente e afetada aproximação do mito Maradona à mitologia construída por Kusturica em seus filmes. Estamos no reino dos excessos e da bufonaria. Política, inclusive. Quem entrar nesse espírito vai sair bastante recompensado.



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AINDA A CAMINHAR (Aruitemo, aruitemo)



Direção: Hirokazu Koreeda



por Luiz Fernando Gallego em 04/10/2009



O tema da morte percorre vários filmes do cineasta Koreeda e não deixa de estar presente neste Ainda a Caminhar, onde uma família faz sua reunião anual no aniversário da morte do filho mais velho que morreu tentando salvar um adolescente de afogar-se. Um irmão e uma irmã enfrentam o fato dos pais estarem mais ligados no ausente do que nos vivos.



O diretor remonta a origem deste drama familiar (no entanto sem grandes lances dramáticos) à morte de seus pais ocorrida nos últimos anos e àquilo que ficou de ser dito entre eles. O personagem da mãe (interpretada extraordionariamente pela atriz Kirin Kiki) teria muito da mãe de Kore-Eda, segundo suas declarações.



Mas o cinéfilo não pode deixar de remeter a experiência de ver este filme ao clássico de Ozu Era uma vez em Tóquio (Tokio Monogatari, 1953, lançado em DVD como Contos de Tóquio): um dos maiores filmes da história do cinema que narra a visita de pais idosos aos filhos - em cujas vidas não há mais lugar para os pais.



Em Ainda a Caminhar, algo se inverte: os filhos adultos é que não encontram espaço na vida dos genitores aprisionados às suas implicâncias de casal antigo - e principalmente à memória idealizada do primogênito morto.



Outra morte também foi determinante na vida do filho (agora o mais velho) Ryota, casado com uma jovem viúva e consequentemente padrasto do filho que ela já tinha, um menino de dez anos. Este casamento é mal recebido pelos pais, sendo dito que "casar com uma divorciada seria melhor, pois esta, pelo menos teria escolhido deixar o marido anterior".



O filme se desenrola em torno de um dia mais ou menos prosaico desta família, guardando semelhanças com muitos filmes mais ou menos recentes que puderam ser vistos por aqui como Horas de Verão, de Olivier Assayas; O Segredo do Grão, de Abdel Kechiche; ou mesmo 35 Doses de Rum, de Claire Denis (exibido neste Festival do Rio 2009). Ao contrário deste último, Ainda a Caminhar investe mais diretamente nos pontos de ligação do enredo e no tônus afetivo, sem deixar de lado o que aparenta ser “banal” no relacionamento dos membros do grupo familiar, uma característica comum das outras obras citadas e de muitos filmes recentes que lidam com retratos de famílias.



Muitos diretores atuais foram proclamados como “herdeiros” de Yasujiro Ozu por utilizarem aspectos formais que mimetizariam o estilo do mestre minimalista Ozu. No entanto, poucos desses supostos epígonos atingiram o pathos discreto do grande Ozu tal como Kore-Eda conseguiu neste seu filme, ao mesmo tempo preservando sua personalidade autoral e sem incorrer em imitações superficiais de quem quer que seja.



Além de Kirin Kiki (a mãe), todo o elenco se mostra perfeitamente adequado aos personagens, embora seja ela quem tenha as melhores oportunidades, tal como quando diz que “não ter alguém para odiar seria muito pior”. Ainda a Caminhar pode ser considerado desde já um dos grandes momentos deste Festival 2009.



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AQUÁRIO (Fish Tank)



Direção: Andrea Arnold.



por Luiz Fernando Gallego em 03/10/2009



O segundo longa da diretora Andrea Arnold conta com uma revelação: Katie Jarvis (17 de idade) no papel de ‘Mia’ – que tem 15 anos, encontra-se sem colégio (expulsa da escola), não tem amigos, ambiciona ser dançarina popular (nem sabe bem como nem onde), capaz de armar barracos a todo instante. Sua mãe parece ter uns 30 anos, no máximo. O tratamento entre elas vai de “piranha” e “vadia” para baixo. Uma irmã mais nova completa a família desajustada de subúrbios pobres de Essex, Reino Unido.



A mãe (Kierston Wareing, de Mundo Livre, filme recente de Ken Loach) arruma um novo namorado que é boa-pinta e boa-praça, atencioso com as meninas - um papel dificílimo, muito bem defendido por Michael Fassbender (que também está em Bastardos Inglórios, o Tarantino mais recente).



Segundo filme, segundo prêmio do juri em Cannes (em 2006, com Red Road), revelando acuidade psicológica no desenvolvimento dos dois personagens centrais, especialmente no que diz respeito à cabeça de uma adolescente mais desajustada do que já seria nesta faixa etária.



Há cenas de sensualidade ultrajante – e outras com certo grau de expectativa (“suspense”) sobre as atitudes desesperadas de ‘Mia’.



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UMA BARRAGEM CONTRA O PACÍFICO (Un Barrage Contre le Pacifique)



Direção: Rithy Panh



por Carlos Alberto Mattos em 02/10/2009



Tão próximo de suas origens, mas tão distante de seu melhor cinema, o cambojano Rithy Panh dá aqui sua contribuição aos novelões da Indochina colonial à francesa. Passado em 1931, quando Paris dava as cartas nos arrozais do Camboja, o filme transpõe um romance de Marguerite Duras sobre conflito de terras e de amores, perdas econômicas e dilemas morais.



Na tela não vamos encontrar nem a poética seca de Duras, nem o gume afiado do Panh documentarista (S-21¸Os Artistas do Teatro Queimado, O Papel Não Pode Embrulhar a Brasa). Em vez disso, temos um pequeno espetáculo tradicional com personagens de comportamento incongruente, diálogos reiterativos e ambientação de minissérie de TV. Um anel caro, mas defeituoso, é apenas o mais recorrente dos muitos símbolos espalhados por uma narrativa melodramática e fria, que nem Isabelle Huppert é capaz de eletrizar.



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POLITIST, ADJECTIV



Direção: Corneliu Porumboiu



por Carlos Alberto Mattos em 02/10/2009



Nem tudo que vem da Romênia é ouro. Nem mesmo de quem já fez A Leste de Bucareste. O segundo filme de Corneliu Porumboiu é um conto moral sobre a consciência. Para o jovem policial Cristi, encarregado de investigar o tráfico de haxixe entre colegiais, consciência é ética individual. Para seus superiores, é compromisso com o estado. Preso nessa teia, ele vai compreender que ainda falta muito para a Romênia se integrar ao espírito da União Europeia.



O argumento é bom e o estilo do diretor pode lembrar palidamente Kieslowski ou Bresson. Mas a insistência em mostrar que a vida é feita de coisas insignificantes leva o filme a um marasmo exasperante. Tudo responde a um naturalismo esgarçado em tempos mortos, minúcias de cotidiano sem elipse e cenas longas que pretendem – e conseguem – mergulhar o espectador na inércia do lugar e dos personagens. Repetindo situações em que se debate o sentido das palavras, o filme se arrasta como – isso sim – uma discussão sobre o sexo dos anjos.



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BARBA AZUL (Barbe Bleue)



Direção: Catherine Breillat



Por Leonardo Luiz Ferreira em 29/9/2009



Breillat se apropria da fábula Barba Azul, de Charles Perrault, para realizar mais uma jornada de autodescoberta através da perspectiva feminina. Portanto, o que importa em sua encenação não é a direção de arte e os inúmeros e pesarosos diálogos que costumam brotar em dramas de época, mas sim o rito de passagem de uma menina: da ingenuidade dos primeiros anos à descoberta de um mundo obscuro de vísceras e sangue. Nesse sentido, é bastante significativa a sequência em que ela observa a decapitação de um pato que é preparado para a refeição. É a partir das rupturas físicas ou mentais que a personagem se constrói diante do espectador.



A diretora divide a narrativa entre dois tempos que se cruzam e se alimentam entre si. De um lado, a fábula clássica do Barba Azul em que a rigidez da composição dos quadros nunca esteve tão bela em sua obra, e em diversos momentos remete à Eugène Green (Le Monde Vivant) e aos filmes de época de Eric Rohmer. Em paralelo, duas meninas leem a história no tempo presente e com uma leitura distinta daquela apresentada no conto: entre a vida e a ficção há sempre uma tênue diferença, mas Catherine quer mesmo reforçar que sua moral é bem diferente do universo infanto-juvenil, que tanto abunda na literatura e em outros filmes. O seu cinema é o de restos, de brechas que percorrem o inconsciente humano. E não há mesmo como ficar indiferente.



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SINGULARIDADES DE UMA RAPARIGA LOURA (idem)



Direção: Manoel de Oliveira



por Dinara G. Machado Guimarães em 29/09/2009



Não há nada de novo no amor, mas existe o novo no que o simbólico da palavra nele pode significar. É a impressão que fica da adaptação literária de Manoel de Oliveira, Singularidades de uma rapariga loura, baseado no livro de cunho realista de Eça de Queiroz, publicado em 1874, ou mesmo na leitura do poema de Fernando Pessoa através da voz de Luís Miguel Cintra, antigo parceiro do diretor.



Inicia o filme com o passado no presente. Ele lhe dá um tempo novo e mesmo. Desenvolve a idéia central de que se conta a um desconhecido, coisas vividas que não se contaria a um amigo ou à própria esposa durante a viagem de trem de Lisboa ao Algarve com as paisagens locais através da janela. Acaba abruptamente com a ilusão de Macário [Ricardo Trépa] pela bela rapariga loura Luísa [Catarina Wallenstein] e de suas tentativas de fazer fortuna visando casar com ela, para, ao final, descobrir que sua musa é uma ladra.



O filme seduz pela sensibilidade no desentranhar da palavra que sublinha a expressividade da imagem. Pela riqueza sugestiva dos olhares na teia dos diálogos, fiéis ao livro. Pela poeticidade dos planos de pormenor do gesto, do rosto de Luísa com seu encantador leque chinês, aparentemente pura e recatada. Pela perturbadora simplicidade dramática sem tantos fados melancólicos. Pela imobilidade da câmara atraindo o voyeurismo do espectador. Mas também pela ironia leve que conduz mais à reflexão do que à indignação, como faz com a estatueta do fundador do Círculo Eça de Queiroz, Ministro da Informação do governo Salazar.



Tocando no ponto irrecusável da paixão, tema sempre recorrente, da alegria e das tristezas que não têm fim, dá um ponto final. Talvez sintetize aí que sua obra de diretor de cinema mais velho em atividade no mundo, corresponda ao olhar que continua lhe impulsionando.



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AMÁLIA (Amália)



Direção: Carlos Coelho da Silva



por Luiz Fernando Gallego em 29/09/2009



Assim como Piaf copiava o formato de cinebiografias do cinema norteamericano (por exemplo,Ray), Amália parece copiar Piaf. Restam os excessos com menos dramaturgia e sem Marion Cotillard. Não é que Sandra Barata Belo não mereça consideração, seja por sua beleza e alguma semelhança com a cantora que interpreta, seja por sua presença cênica; mas o roteiro é tão ruim, os diálogos chegam a ser tão constrangedores e a narrativa cinematográfica tão antiquada e mal costurada, que nem a Cotillard conseguiria o destaque que mereceu no filme sobre sua conterrânea.



As vidas dessas cantoras passionais já costuma ser tão melodramática que as versões ficcionais enfáticas acabam se parecendo com antigos dramalhões sobre artistas inventadas pelo cinema mexicano ou espanhol de pior extração, apenas para servir de veículos lacrimosos para Sarita Montiel ou Libertad Lamarque. Só que Amália não emociona nem os fãs das interpretações derramadas da portuguesa. A sinceridade de transbordamento com que ela (assim como Piaf - e por aqui Dalva de Oliveira) marcava seu canto não se reproduz em meio a clichês artificiosos, piores do que de séries de TV (ainda que a voz seja da própria Amália Rodigues nas canções). Não é álibi o fato de o filme ser possivelmente condensação de uma minissérie dessas. Sob qualquer formato, o que se vê é indefensável, com aquelas cenas de ênfase nos rostos embevecidos dos figurantes como público nos concertos. Melhor escutar os discos da grande fadista.



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HACHIKO: A DOG´S STORY



Direção: Lasse Hallstrom



por Maria Silvia Camargo em 28/09/2009



Quem tiver saudades dos anos suecos deste diretor, em que ele se tornou conhecido pelos impressionantes Minha Vida de Cachorro (1985) e Gilbert Grape (1994), não pode ver este filme. Hachiko está mais na linha do adocicado Chocolate (2000) e é uma produção americana com Richard Gere no papel principal. A história é real e incrível, do ponto de vista humano e canino. Hachiko foi um cachorro da raça Akita, que, encontrado na rua por um professor universitário em Tóquio, forma com ele profundos laços. Tanto assim que, depois de criar o hábito de levar e buscar o professor na estação do metrô de Shibuya todos os dias, Hachiko continua a fazê-lo nove anos após a morte de seu dono. Hoje essa estação tem uma estátua de bronze em homenagem à fidelidade do cachorro.



Com sua profunda sensibilidade para histórias assim, Hallstrom transpõe tudo para a estação de trens de uma pequena cidade dos EUA, mas nada que comprometa o vínculo que a câmera faz com o professor (Gere) e seu cachorro. Tirando isto, o resto é supérfulo: a vida íntima do professor ou suas relações com o mal-humorado chefe da estação (feito por Jason Alexander, o George, do seriado Friends). Richard Gere é suficientemente convincente como o amigo do especial Hachiko – mas nada que valha uma indicação ao Oscar, como aconteceu com Juliette Binoche pelo seu papel como a cozinheira de Chocolate. No mais, preparem os lenços: o cachorro Hachiko é de uma sinceridade comovente. O Oscar deveria ser dele!



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DOZE JURADOS E UMA SENTENÇA (12 Razgnevannyh Muzhchin)



Direção: Nikita Mikhalkov



por Marcelo Janot em 28/9/2009



O veterano cineasta Nikita Mikhalkov adapta para a Rússia dos dias de hoje o clássico Doze Homens e Uma Sentença, de Sidney Lumet, 50 anos depois do original. E é bem sucedido. São eficientes as soluções cênicas encontradas para dinamizar os 153 minutos de duração de um filme que se passa quase o tempo inteiro no ginásio de uma escola decadente de Moscou. E o excelente elenco em muito contribui pra isso. Tirando a desnecessária e óbvia metáfora com um passarinho no final, acompanhada de uma mensagem redundante, o filme justifica sua longa duração.



Na nova ordem democrática russa, é nesse tribunal improvisado na escola que se reúne o júri popular composto por 12 cidadãos pertencentes a diferentes extratos sociais e culturais do país. Enquanto eles deliberam sobre a culpa ou a inocência de um jovem checheno acusado de assassinar o padrasto, que é oficial do exército russo, suas histórias individuais vêm à tona. O que eles contam, a forma como se relacionam entre si, o ambiente que os cerca e o dilema que assombra o veredito final revelam uma Rússia decadente e assombrada por sua herança política.



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MARCHING BAND



Direção: Claude Miller



por Carlos Alberto Mattos em 28/09/2009



As bandas de música universitárias, uma instituição americana, são usinas de carisma, ritmo e energia. No estado sulista de Virginia, predominantemente afro-americano, essas qualidades ficam ainda mais vibrantes. Ali estava um dos celeiros de votos para Obama nas últimas eleições. O francês Claude Miller percebeu o momento adequado para documentar as marching bands e flagrar essa inédita mobilização do eleitorado jovem. O filme acompanha duas bandas nos dois meses que antecederam as eleições. Há charme de sobra nas intervenções, muitas delas performáticas, dos jovens músicos e seus professores.



Senti falta de um aprofundamento no espírito das bandas em si, já que o foco de interesse são as expectativas políticas e o fervor da torcida por Obama. O material colhido ilustra bem o teor de racialização do momento, sem desmerecer os demais motivos que levaram Obama à vitória. Essa concentração de atenções no processo eleitoral faz a urgência e também a limitação de Marching Band.



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RICKY



Direção: François Ozon



por Carlos Alberto Mattos em 28/09/2009



François Ozon literalmente deu asas à imaginação nessa variante disparatada de suas habituais histórias de família. Após um início hipernaturalista, passamos para o domínio da comédia bizarra quando a mãe dá à luz um bebê acintosamente “especial”. O espectador não sabe bem como se colocar diante do misto de humor, fantasia, suspense e mau-gosto com que o assunto é tratado. Ainda por cima, persistem até o fim as dúvidas sobre a perspectiva mental de toda a história: seria tudo uma elaboração da mãe grávida ou da irmã colocada em segundo ou mesmo terceiro plano?



Ozon brinca com as ambiguidades e com a nossa disposição para encarar o absurdo. Talvez por trabalhar fora do seu elemento, ele não dá mostras da elegância de estilo que costuma cativar seus fãs. De resto, deixou um problema para quem quer comentar o filme sem estragar a descoberta dos que ainda vão assisti-lo.



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ABRAÇOS PARTIDOS (Abrazos Rotos)



Direção: Pedro Almodóvar



por Luiz Fernando Gallego em 27/09/2009



As referências cinematográficas abundam no mais recente filme de Pedro Almodóvar: o “nome de guerra” de uma “bela da tarde” seria ‘Severina’ (como a do filme de Buñuel); a ‘Lena’ vivida por Penélope Cruz faz uma sessão de fotos com cabelo, maquiagem e expressões faciais que mimetizam Audrey Hepburn na época de Sabrina ou de Bonequinha de Luxo e Infâmia; como em outros filmes de Almodóvar, há alusão aos melodramas de Douglas Sirk, sendo que Viagem à Itália, de Rossellini, é citado explicitamente. O cinéfilo atento e aplicado pode encontrar muito mais referências, embora a recriação mais feliz (e nem tão óbvia) seja de uma pintura de Magritte em que os amantes se beijam com os rostos cobertos por panos (aqui, lençóis). (No filme de Agnès Varda, As Praias de Agnès, também presente neste Festival ‘2009, a diretora “encenou” o mesmo quadro: de início tal e qual na tela original, mas logo mostrando, abaixo dos rostos velados, os corpos despidos, sem lençol, com direito à exposição de um pênis ereto. Varda está ousando aos 80 anos e Almodóvar, menos, aos 60 ?)



Uma resenha estrangeira da época em que este filme foi exibido em Cannes (sem nenhuma premiação) denunciou que quem esperava encontrar carne e sangue em Abraços Partidos, encontrará apenas celulóide – o que não deixa de ser uma senhora decepção em comparação ao que Almodóvar nos acostumou. Mas, infelizmente, mesmo que o cineasta tenha querido mudar de tom, o resultado final é um tanto anêmico.



O personagem central é um roteirista madurão que usa pseudônimo (como a escritora de A Flor de meu Segredo). Tendo ficado cego, faz contraponto à possibilidade de outros conseguirem fazer leitura labial para filmagens sem som. Este recurso é utilizado pelo produtor de um filme-dentro-do-filme que quer saber o que sua amante (‘Lena’) fala sobre ele nos intervalos das tomadas. Ele usa seu filho para um suposto making of que, de fato, é uma forma de espionagem; e recorre a uma especialista em leitura labial que, quando é mostrada, faz a platéia rir. Também pode ser muito engraçada a sinopse de um roteiro com vampiros em bancos de sangue, sinopse apenas falada por um ajudante do roteirista cego, aliás, uma digressão sem inserção no enredo. Fala-se muito em filmes de Almodóvar - que geralmente apresentam requinte visual na narrativa. Aqui, o recurso à informação verbal pesa bem mais. E pesa.



Assim também a repetição do recurso de apresentar sua história em flashbacks, com idas e vindas no tempo. Essa estrutura formal funcionava à perfeição no roteiro de Fale com Ela, e menos satisfatoriamente em Má Educação. Desta vez, parece estar se tornando um hábito vicioso de Almodóvar: não há um equilíbrio harmônico entre as cenas cômicas e as dramáticas - e nem mesmo as “revelações” (como havia em Volver e em outros filmes do autor) representam reviravoltas tão impactantes. Mesmo o que parecia um recuo do tema da pedofilia para o gênero “noir” em Má Educação era mais satisfatório e mais ousado do que acontece em Abraços Partidos.



O risco de que Bergman se auto-acusou (fazer “filmes de Bergman”) e no qual Fellini caiu (fazendo “filmes de Fellini”) parece estar ameaçando o mais famoso cineasta espanhol da atualidade: repetição das mesmas estruturas formais de roteiro, com ou sem pertinência em relação ao tema e à história que se quer narrar, além de excesso de citações e auto-citações, denunciando uma certa autoindulgência com um momento menos inspirado.



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A TODO VOLUME (It Might Get Loud)



Direção: Dennis Guggenheim



por Carlos Alberto Mattos em 27/09/2009



Para os fâs de rock e os aficcionados da guitarra, pode ser um manjar dos deuses. Para os demais, pode ser uma pequena decepção. Em seu primeiro filme depois de Uma Verdade Inconveniente, Dennis Guggenheim encarou um material diametralmente distinto. Reuniu o “acústico” Jack White (The White Stripes), o tecno-humanista The Edge (U2) e o “poeta” Jimmy Page (Led Zeppelin) num encontro para troca de memórias e riffs.



Eles revisitam lugares e momentos decisivos de suas respectivas carreiras e dão pistas do talento que os fez gênios das cordas pop. Mas a narrativa que intercala suas participações resulta confusa e, no fim das contas, um tanto vazia. Há um excesso de tecnicalidades sobre delays, speed ups, sustain e outros bichos, enquanto a música chega aos pedaços. Um atrativo à parte, para quem curte a construção de documentários, é a edição das falas e dos trechos musicais, fazendo de tudo um só tecido sonoro. Esse pensamento integrado é o que faz falta em muitos docs do gênero.



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A CASA NUCINGEN (La Maison Nucingen)



Direção: Raoul Ruiz



por Carlos Alberto Mattos em 27/09/2009



Jogos cerebrais, paradoxos temporais, vidas duplicadas, enigmas idiomáticos e geográficos – várias obsessões de Raoul Ruiz estão presentes nessa comédia de casa mal-assombrada. Passada no Chile, sugere um retorno do diretor (radicado na França) aos fantasmas de sua terra natal. A história credita oficialmente Balzac, cujo romance-título trata das artimanhas de um banqueiro, mas parece inspirada principalmente em Henry James. O protagonista, aliás, leva o nome do irmão de Henry, William James.



Ruiz não é do tipo que precisa de um contraponto natural para revelar o sobrenatural. Tudo nessa espectral mansão da Patagônia (o “Fim do Mundo”) é non-sense brincalhão, incluindo fantasmas, esqueletos, mortos-vivos e gente vertendo sangue alheio. Com uma dramaturgia capenga e uma fotografia pouco eficaz para o gênero, o filme caminha como um sonâmbulo do inverossímil para o tolo. A tendência é que a plateia reaja com galhofa – o que não faz jus à carreira do grande Ruiz, mas sim a este capítulo bem esquisito.



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24 CITY



Direção: Jia Zhang-Ke



por Carlos Alberto Mattos em 26/09/2009



Como no belíssimo Em Busca da Vida, neste filme Jia Zhang-Ke examina em com lupa humana as grandes transformações correntes na China. A fábrica “420” de Chengdu está sendo demolida para dar lugar a um complexo de prédios modernos. Diante da câmera, velhos operários falam e cantam sobre sua relação emocional com o trabalho, traço típico do modo de vida comunista. A “420” é símbolo de uma mentalidade que vai ficando para trás. Zhang-Ke opera num campo difuso entre a nostalgia e a ironia, confrontando os veteranos com os jovens descendentes, já desligados do sonho industrial.



Mais intrigante ainda é o recurso a atores para interpretarem os depoimentos mais longos, narrativos – e provavelmente inventados. Joan Chen, por exemplo, faz uma operária que costumava ser fisicamente comparada a... Joan Chen. Zhao Tao vive uma jovem comerciante que aspira instalar os pais num dos prédios novos de 24 City. Esse jogo de cena, mais os interlúdios musicais e a espantosa beleza das imagens em HD, dão ao filme um caráter híbrido, mutante, instabilizador.



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JULIE & JULIA



Direção: Nora Ephron



por Daniel Schenker Wajnberg em 26/09/2009



Nora Ephron recuperou o charme das comédias românticas através do fio invisível que conecta Julia Child e Julie Powell, mulheres inseridas em épocas e contextos diferentes. A primeira transita pela Paris de 1949, numa propriedade elegante e vê o marido ser confrontado pelo macarthismo; a segunda mora na paranóica Nova York de 2002, num apartamento simples no Queens e trabalha ao lado do grande espaço vazio deixado pelo atentado às Torres Gêmeas. Mas elas têm um ponto em comum: descobrem no aprimoramento do ato de cozinhar um sentido para suas vidas.



Meryl Streep e Amy Adams se reencontram, ainda que em planos separados, nesse Julie & Julia depois da boa adaptação cinematográfica de Dúvida , a cargo do próprio John Patrick Shanley. Streep joga todas as suas fichas na composição (voz, principalmente), enquanto Adams trilha com mais discrição o caminho do naturalismo. O resultado é satisfatório, valorizado pelo contraste de atmosferas propiciado pela direção de arte.



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A FÍSICA DA ÁGUA (La Fisica dell’Acqua)



Direção: Felice Farina



por Daniel Schenker Wajnberg em 26/09/2009



Não haveria nada de propriamente interessante num filme de realização rotineira como A Física da Água , de Felice Farina, não fossem os evidentes pontos de ligação com Hamlet , de William Shakespeare. Alessandro, garoto de sete anos, é o pequeno Hamlet da história, que perdeu o pai e acompanha desconfiado a crescente aproximação entre a mãe, Giulia (para não dizer Gertrudes), e o tio, Claudio (!).



À medida que a projeção avança, Alessandro recobra a memória. Como seria de se esperar, fatos vêm à tona justificando sua implicância com o tio. Farina não propõe nenhuma leitura mais consistente da peça de Shakespeare. Diante da falta de maiores atrativos, talvez o espectador se surpreenda com a escolha de uma casa tão pouco aconchegante para servir de locação principal.



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DOCE PERFUME (Tatarak)



Direção: Andrzej Wajda



por Carlos Alberto Mattos em 26/09/2009



Um Andrzej Wajda inesperado: peça de câmara em vez dos épicos históricos e políticos que caracterizam sua obra. Um filme adiado no passado em função da doença de Edward Klosinski, marido da atriz Krystyna Janda e diretor de fotografia de vários filmes de Wajda. Após a morte de Edward, o filme enfim se realiza, mas como uma narrativa em espelho. Krystyna se divide em duas. Como ela mesma, relembra os últimos momentos do marido em monólogos dolorosos. Como a ficccional Martha, vive uma mulher com doença terminal e em luto pela perda dos filhos num acidente.



O espectro da morte se desdobra, alimentando a ficção como a realidade. O filme rompe diversas vezes o espelho, numa experiência metalinguística que denota jovialidade por parte do veterano diretor. O clima é intenso e de melancólica beleza, assim como as paisagens do recanto polonês onde se passa a ação.



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AS PRAIAS DE AGNÈS (Les Plages d´Agnès)



por Dinara G. Machado Guimarães em 25.09.2009



Agnès Varda, em seus documentários, tem sido uma catadora dos “inutensílios” - como nomeia nosso poeta Manoel de Barros. Desta vez, no astucioso autodocumentário As Praias de Agnès, sai à cata dos restos, dos vestígios de sua própria existência de artista independente. Mistura recordações entre metáforas, simbolismos, exposição de fotos as mais familiares, mas que uma vez registradas na inércia cinematográfica, tornam os conhecidos, estranhos. Compõe, nas mais reveladoras visualidades, encobrimentos. Faz citações em caleidoscópio, visuais e musicais, de suas técnicas estéticas, usando a fotografia, enxertos de seus filmes, instalações, dispositivos, quadros vivos, trucagens, bricolagens, bricabraques. “Toda memória é em desordem, toda sensação difícil de captar”, diz ela, revelando-se convencida de que memória é invenção.



Dos acasos da memória, dos improvisos, resulta a montagem caracterizada pelo salto, sem transição, das imagens as mais heterogêneas, na forma da colagem surrealista. A montagem da pulsão em psicanálise, articulada gramaticalmente em um se fazer ver [olhar], é como a montagem preferida pela artista. Uma montagem soberana, em relação à sintagmática do tipo narrativo submetido aos efeitos de causalidade e de continuidade. Ela corresponde à sua fantasia. Imaginário a todo vapor. Colagens que não são brincadeiras. Surpreendente. Outras praias.



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ACONTECEU EM WOODSTOCK (Taking Woodstock)



Direção: Ang Lee



por Luiz Fernando Gallego em 24/09/2009



Sempre camaleônico, Ang Lee deixou para trás os vaqueiros homossexuais de Brokeback Mountain para filmar um melodrama chinês de época e de espionagem, ainda em cartaz no Rio (Desejo, Perigo), ambos premiados em Veneza (2005 e 2007, respectivamente). Este Aconteceu em Woodstock não teve o mesmo destaque em Cannes este ano, mas poderá agradar a boa parte do público que queira diversão e alguma nostalgia do tipo "Já temos um passado, meu amor... como dois quadradões". Afinal, o que se vê é uma comédia de situações com os tipos esperados de hippies, de gente que defende as tradições e tinha medo dos hippies, de jovens descolados e de jovens caretas - como o personagem central, aprisionado aos pais judeus, especialmente à caricata mãe judia, interpretada inicialmente com graça por Imelda Staunton; mas a personagem cai no exagero que chega a lembrar cenas de chanchadas... e a atriz naufraga junto.



Claro que o espírito da coisa é mostrar aqueles “3 dias de Música e Paz” como libertadores e é o rapaz bom-moço quem carrega o evento, já rejeitado por outras duas localidades, para a região onde os pais administram (?) um motel falido (e o resto é História).



Mas a historinha da "liberação" do moço reprimido, escolhida para retratar como Woodstock acabou acontecendo, é um tanto convencional demais para resumir o espírito original do fenômeno que Woodstock simbolizou e/ou desenvolveu por algum tempo.



Também já é bem sabido que por trás daquela “espontaneidade” toda houve um empreendimento comercial tipicamente americano, oportuno/oportunista que o filme não esconde, mas que parece ter dominado o roteiro, menos afeito aos shows propriamente ditos (que nem são vistos), ainda que reproduza o clima geral do que foi “a nação Woodstock” dentro da “filosofia” (?) paz&amor.



Perdemos aquela “ingenuidade” há muito tempo, mas não era preciso fazer do filme algo tão convencional e careta como qualquer outro exemplar “libertário” (ou pseudo-libertário) de filmes conformistas americanos.



Na verdade, fica a impressão que o diretor se limitou a conduzir o roteiro como qualquer outro funcionário aplicado de Hollywood faria. Se Ang Lee já surpreendeu até em adaptação de romance vitoriano (Razão e Sensibilidade), desta vez parece que lhe faltou a vivência da época para fazer o filme decolar - em que pese a reconstituição dos engarrafamentos monstruosos, das cenas de lama devido à chuva que quase estragou tudo e do anedótico da época, especialmente no que diz respeito ao grupo teatral “de vanguarda”, lembrando o que foi o “teatro de agressão” que também tivemos no Brasil nas experiências do Grupo Oficina e outros daquele período Uma piada involuntária para cinéfilos cariocas é que o grupo do filme estaria apresentando uma versão moderna de “Três Irmãs” de Tchekov. Qualquer semelhança com a peça escolhida para o grupo retratado em Moscou, de Eduardo Coutinho, foi mesmo mera coincidência.



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JERICÓ (Jerichow)



Direção: Christian Petzold



por Leonardo Luiz Ferreira em 24/09/2009



O cineasta Christian Petzold está inserido em um grupo que forma uma nova geração de realizadores alemães, que têm o objetivo de renovar a cinematografia do país – que vive de êxitos do passado, como o trio dos anos 70 formado por Wim Wenders, Werner Herzog e Rainer Weiner Fassbinder. Mas a relevância das novas produções está muito distante dos anos dourados do cinema alemão. E a obra de Petzold não foge à regra: um cinema limitado e sem nenhum caráter realmente autoral.



Jericó é mais uma adaptação para a novela de James M. Cain chamada O Destino Bate à sua Porta, que já foi levada às telas, entre outros, por Luchino Visconti em Obsessão. E, com certeza, o livro recebe agora a sua pior transposição.



A proposta de Petzold é estruturar a sua dramaturgia através da frieza dos personagens alemães com a vivacidade de um comerciante turco. O que se vê na tela é um drama dos mais banais e que recebe uma direção equivocada por sua escolha na contenção de todos os elementos: interpretação, planos fechados e desenho de som. Mas o que mais prejudica Jericó é a total ineficácia do realizador no trabalho com os atores, que não conseguem transmitir nenhum sentimento. Não há como acreditar em uma paixão incontrolável que nasce do acaso, como está tão bem delineada no texto de Cain, quando os personagens são apenas meros esboços e que nunca recebem contornos psicológicos e dramáticos.



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35 DOSES DE RUM (35 Rhums)



Direção: Claire Denis.



por Luiz Fernando Gallego em 21/09/2009



A narrativa visual é elegante, a câmera está sempre bem posicionada, as interpretações dos atores é natural (sem “naturalismo rede globo”) e seus personagens são quase todos verossímeis em seus contextos sociais e na psicologia de cada um (pode-se questionar o tipo que tem um gato de estimação - e o aposentado sem família que não escapa do clichê).



Mas o filme lembra uma questão que Franz Kafka lançou sobre o Cinema: o escritor logo se mostrou mais preocupado com o que não via do que com o que era mostrado na tela. O que ele acharia de filmes como este que vão se detendo (e por vezes de modo bem longo) em cenas do dia-a-dia que “situam” os personagens mas que pouco (ou nenhum) significado dramático trazem para a evolução do enredo que já é intencionalmente tênue? Por outro lado, “pula-se” vários acontecimentos através de grandes elipses que não nos pareceram tão pertinentes para a dramaturgia e para a sequência dos fatos na vida daquele grupo de pessoas.



Um exemplo do primeiro caso é a cena de aula onde o professor critica um suposto pedantismo da personagem feminina principal: fica até a impressão de que tal cena foi colocada para aludir a questões econômicas entre o primeiro mundo e os países endividados, tal a pequena relação com o que seria nuclear no que é narrado. Do mesmo modo, a tomada em que se vê piquetes em uma greve universitária, ou o personagem que fala da ameaça do término do curso de antropologia e esta mesma ameaça podem deixar a impressão de gratuidade, já que não recebem nenhum desenvolvimento próprio e nem se inserem nos demais acontecimentos cotidianos daquelas vidas. Por outro lado, surgem na tela episódios como uma viagem do pai com a filha e o desfecho que chegam a parecer crípticos.



Com estrutura narrativa semelhante (a grosso modo), outro filme francês, relativamente recente, O Segredo do Grão, foi muito mais bem sucedido na mescla de sequências “banais” com outras mais “dramáticas”.



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BAD LIEUTENANT: PORT OF CALL NEW ORLEANS



Direção: Werner Herzog



por Luiz Fernando Gallego em 21/09/2009



Muitas vezes desconcertante, nem sempre satisfatório: mas o que interessa, acima de tudo, em Bad Lieutenant: Port of Call New Orleans é a demonstração de que Werner Herzog permanece inquieto e é capaz de arriscar.



Por vezes, a plateia ri, mas quase nada tem mesmo muita graça na trajetória do policial que depois de receber uma medalha por heroísmo mergulha em analgésicos, cocaína, crack e o que mais aparecer pela frente. Os tipos que o cercam são bizarros (como ele vai ficando), embora plausíveis, seja como criminosos, marginalizados... ou policiais. O elenco está afiado e colabora bastante para dar estofo a tais personagens, cabendo destacar Nicolas Cage - que vem de uma série de fracassos artísticos e comerciais.



Pode chegar a ser cansativa a repetição de determinadas situações (a metragem é um pouquinho mais longa do que o necessário), assim como os tiques, caretas e postura do personagem na composição de Cage; mas há o que se aproveitar, se for aceita a chave de humor negro, ironia e grotesco nonsense do modo como o “mau tenente” do título original combate o crime (ou se associa a ele para curtir seus baratos - ou seu inferno).



Pode não ser o melhor de Herzog, mas reencontramos alguma coisa de sua ousadia no tema e atração por personagens desviantes. Goste-se ou não do filme (formalmente, um tanto “americanizado” e convencional), há que apreciar a tentativa de fugir ao lugar-comum, quase regra no cinemão ianque.



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500 DIAS COM ELA ( [500] Days of Summer)



Direção: Marc Webb



por Luiz Fernando Gallego em 23/09/2009



Percebe-se o esforço de 500 Dias com Ela no sentido de ser uma “comédia romântica” que que fugir um pouco de clichês do gênero (cada vez mais esgotado, surrado, previsível e sem graça). A seu favor, uma certa originalidade no desenvolvimento do enredo (desde que não incomode o espectador que quer mais do mesmo) e a mudança de tempos na sequência narrativa, coisa que há muito não incomoda as plateias mais preguiçosas.



De quebra, algumas pinceladas sobre uma queixa de parte do universo masculino atual: as mulheres estão cada vez mais adotando padrões de comportamento sexual que era típico de homens. Ou seja, a relativa novidade do roteiro é que a moça (‘Summer’ é o nome dela para dar no duplo sentido do título original) não faz questão de namorar, não cobra compromisso do rapaz, apenas vai “ficando” numa boa. Ela é “O” cara! – como diz um amigo de ‘Tom’ - que, no sentido inverso, é um romântico que está com os quatro pneus arriados por ela. E que se angustia o tempo todo com o des-compromisso de ‘Summer’ em relação a ele(s dois).



O diretor é estreante e vai levando o filme de modo simpático, mantendo o ritmo e o interesse com boa ajuda de Joseph Gordon-Levitt no papel de ‘Tom’. Já Zooey Deschanel exagera na expresão facial com um sorriso permanente, o que acaba deixando sua personagem mais do que indiferente às coisas do amor, e sim com um ar um tantinho apatetada, o que não era para ser. Foi medo da moça ficar antipática que fez com que a direção aceitasse a cara de "smile" da atriz?



Algumas cenas bobocas (tentativa de gozação de filmes europeus, gritos de palavras “inconvenientes” em publico) atrapalham um pouco e entregam as limitações da mentalidade norteamericana quando se quer "muderna".

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