RiP: UM MANIFESTO REMIXADO (RiP: A Remix Manifesto)
Direção: Brett Gaylor
por Carlos Alberto Mattos em 30/09/2009
O Brasil ganha um destaque suntuoso nesse filme, como exemplo de cultura de compartilhamento elevada à categoria de projeto de estado. Mais realce que o Gil, o funk e os Pontos de Cultura brasileiros, só mesmo o super-sampleador Girl Talk, ídolo do diretor e web-ativista Brett Gaylor. Usando e abusando da estética do mashup (criação a partir de fragmentos de obras alheias), Gaylor constrói seu manifesto contra a noção de propriedade intelectual.
O eixo da oposição remixadores x grandes corporações deixa de lado um elemento raramente ouvido nesse tipo de argumentação: os artistas. Sim, pois nem todo mundo é Gil ou Radiohead, que andaram estimulando o livre download e reciclagem de suas criações. OK, não há por que esperar equilíbrio de um panfleto em que várias argumentações soam claramente manipulativas. Esse doc está longe de esgotar as muitas questões em torno do direito autoral de músicas e imagens. Mas, como bom material para discussão, cumpre seu objetivo principal.
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TEATRO DE GUERRA (Theatre of War)
Direção: John Walter
por Carlos Alberto Mattos em 28/09/2009
O doc de John Walter pode frustrar e/ou surpreender. Frustra quem espera um making of da montagem nova-iorquina de Mãe Coragem em 2006. É pouco e truncado o que vemos do processo. O trabalho do cenotécnico, por exemplo, é apresentado pelo ângulo marxista da mais-valia do trabalho no capitalismo. E Meryl Streep não ocupa mais de 20% do tempo de tela. OK, que fantásticos 20%! Meryl atua e canta como o maior animal cênico de nossa era.
Mas o filme surpreende ao usar a atriz como gancho para um manifesto em prol do teatro épico brechtiano, misto de engajamento e distanciamento. Brecht, não Meryl, é o grande personagem. A análise que sua filha faz do depoimento do pai diante da tribuna macarthista é um primor de revelação audiovisual. Os paralelos entre a primeira montagem da peça, em 1949, e a de NY em plena guerra do Iraque procuram atualizar a relação entre arte e política, num tom mais de conferência acadêmica que de flagrante documental. Também nisso, o filme pode decepcionar ou causar admiração. Depende do que cada um espera.
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NOLLYWOOD BABILÔNIA
(Nollywood Babylon)
Direção: Ben Addelman e Samir Mallal
por Carlos Alberto Mattos em 25/09/2009
Os números de Nollywood são vertiginosos: 2500 filmes por ano, 80 milhões de espectadores, que chegam a ver até três filmes por dia. O cineasta Lancelot Imasuen aparece rodando seu 157º longa, duas semanas antes de começar o 158º. Estamos na terceira maior indústria cinematográfica do mundo, segundo este doc de Ben Addelman e Samir Mallal que a apresentou ao mundo.
O filme passa em revista, ainda que em fast forward, a história do cinema nigeriano desde a época da colonização até a febre atual, sustentada por comerciantes de produtos eletrônicos e uma exótica aliança com líderes evangélicos. Milhares de filmes, quase nenhum cinema. Tudo circula pelas casas e lojas, num circo populista que se vale das aspirações de enriquecimento e das crenças da massa em poderes de bruxaria.
Nollywood é um sistema macabro, profundamente enraizado na cultura do país. Esse rápido panorama, se não esquadrinha todos os cantos, pelo menos levanta a ponta da cortina sobre um fenômeno sociológico.
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A CHINA CONTINUA DISTANTE
(La Chine Est Encore Loin)
Direção: Malek Ben Smail
por Carlos Alberto Mattos em 25/09/2009
Só a citação final do Profeta Maomé vai esclarecer plenamente o título do filme. Mas não é preciso decifrá-lo para compreender o propósito do diretor Malek Ben Smail. Na pequena cidade onde, em 1954, a morte de dois professores detonou a revolta pela independência da Argélia, ele documenta pacientemente as mentalidades dos habitantes em busca de sinais do que significa, hoje, essa independência. Obtém não só testemunhos históricos importantes, mas sobretudo contradições e complexidades no trato com a cultura e a identidade nacionais.
Tudo se assemelha ao vocabulário dos filmes de ficção: a pesquisa de imagens elaboradas, as alternâncias de tempos, repetições, esboços de narrativa em continuidade, traços de uma realidade cuidadosamente encenada. Numa sala de aula, Smail faz milagres de captação espontânea à moda de Entre os Muros da Escola, flagrando inocência e apatia. Entre os mais velhos, encontra ambições ainda colonizadas e até uma certa nostalgia dos “milagres” operados pelos franceses. Um filme raro, que se desdobra com calma beleza em seus 120 minutos.
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TETO DE VIDRO (The Glass House)
Direção: Hamid Rahmanian
por Carlos Alberto Mattos em 24/09/2009
As imagens de uma Teerã pujante e moderna contrastam dramaticamente com as histórias recolhidas por Hamid Rahmanian num centro privado de assistência a meninas desajustadas. Em estilo cinema-direto (ou seja, com depoimentos dissimulados em conversas e offs), o filme mostra casos de depressão, carências, envolvimento com drogas, violência familiar e relações conturbadas sob o manto dos “casamentos temporários”. No contraponto, duas jovens se aventuram na gravação clandestina de um CD de hip hop.
Como de praxe, mais um doc iraniano descortina o inferno das mulheres à margem da sociedade afluente. A bela fundadora e diretora do Centro Omid e Mehr não se furta ao papel de “mãe” e ídolo de suas protegidas. A câmera de Rahmanian flagra, não sem certa dose de intrusão, o jeito de ser dessas jovens solitárias e nem sempre recuperáveis num passe de mágica.