HISTÓRIAS DE AMOR DURAM APENAS 90 MINUTOS
Direção: Paulo Halm
Por Daniel Schenker Wajnberg em 07/10/2009
Através de Zeca (Caio Blat), aspirante a escritor, fã de Rubem Fonseca e apaixonado por Julia (Maria Ribeiro), que conheceu durante uma sessão de Shoah , de Claude Lanzmann, Paulo Halm questiona, em Histórias de Amor duram apenas 90 Minutos , a possibilidade do artista de alcançar um mínimo grau de distanciamento para produzir.
“Toda a vez que começo a escrever acabo falando sobre mim. É o único assunto que verdadeiramente me interessa”, confessa Zeca, que, além da crise criativa, mergulha num turbilhão afetivo ao se envolver com duas mulheres, Julia e Carol (Luz Cipriota). Em outros momentos, Zeca parece se incomodar justamente com uma espécie de descolamento: “eu falo, ajo, penso como se fosse um personagem”, constata. No entanto, apesar da discussão que, porventura, possa suscitar e do bom trabalho de Caio Blat, o filme bate na tela de modo um tanto inconsistente.
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À MARGEM DO LIXO
Direção: Evaldo Mocarzel
por Carlos Alberto Mattos em 06/10/2009
No terceiro tomo de sua tetralogia da margem, Evaldo Mocarzel filmou catadores de lixo de São Paulo, todos dotados de consciência de classe e organizados em movimento. Os catadores aparecem eventualmente narrando suas próprias imagens num estúdio (à Jean Rouch), enunciando suas ideias políticas ou empenhados no seu movimentado dia-a-dia. Este doc não tem a mesma força dos dois primeiros (À Margem da Imagem e À Margem do Concreto), talvez por serem frutos de uma fase de transição na carreira de Mocarzel.
As cenas de trabalho na rua, gravadas principalmente pelo diretor de fotografia Gustavo Hadba, são ricas em angulações e detalhamento da ação dos catadores, evidenciando um forte desejo de experimentação por parte do diretor. O filme é pontuado por três seqüências magistrais que mostram o processo de reciclagem de papel, plástico PET e alumínio. Evaldo inspirou-se em Dziga Vertov e na escola soviética para propor uma edição baseada em estrofes matemáticas de fotogramas. São pequenos ensaios de puro ritmo, cor e movimento, que me lembraram também o curta O Canto do Estireno, de Alain Resnais (1958).
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CARO FRANCIS
Direção: Nelson Hoineff
por Carlos Alberto Mattos em 05/10/2009
Não é preciso ser um admirador de Paulo Francis para gostar de Caro Francis, o documentário de Nelson Hoineff sobre um de seus maiores amigos durante 19 anos. Eu mesmo rejeitava o elitismo que parecia atravessar a personalidade inteira do jornalista – da política à cultura, do humor à baixa estima que destilava pelas coisas brasileiras. Francis era republicano, antipopular, racista, sexista, talvez um tanto misantropo – ou seja, tudo o que pessoalmente abomino. No entanto, apreciei este perfil traçado com honestidade pelos seus próprios amigos e ex-colegas de trabalho.
Não há no filme a presença de qualquer desafeto explícito. Os depoimentos mais agudos contra Francis vêm do ex-ombudsman da Folha de São Paulo, Caio Túlio Costa, e do ex-presidente da Petrobras, Joel Rennó, com os quais ele teve conflitos graves e são duramente atacados por um correligionário de ideologia semelhante e língua igualmente solta como Diogo Mainardi.
Mas a veia polemista e meio clownesca de Francis aflora mesmo nas lembranças dos que o admiravam e com ele conviveram ativamente. Isso faz do doc um passeio delicioso pelo reino da opinião desabrida, muitas vezes irresponsável, do autor do Diário da Corte. O filme é quase um rap de frases feitas e citações jocosas do próprio Francis, mais as tentativas dos amigos de definir o seu caráter ciclotímico e o brilho grosso de sua retórica. A maior ironia, porém, é ver Paulo Maluf elogiar sua sinceridade.
As histórias se acumulam num raro insight pelos bastidores do alto jornalismo brasileiro. Como crítico de teatro, Francis foi tão acerbo que suscitou reações extremadas (o filme não menciona o soco de Adolfo Celi nem a cuspida de Paulo Autran por causa de um artigo agressivo contra Tonia Carrero). Foi demitido de um jornal de Pernambuco e saiu da Folha de São Paulo por pressões de leitores. Seus colegas de Pasquim, TV Globo, Manhattan Connection e outros veículos levantam episódios impagáveis, que provocam riso e perplexidade.
O melhor de tudo é que Nelson Hoineff dispôs de um material de arquivo preciso para ilustrar cada um desses momentos, mostrando muitas vezes a frase ou a palavra exata que detonou cada episódio. Uma série de take-outs complementam a construção de um personagem realmente singular na televisão brasileira.
Não faltam observações sobre o relativo fracasso de Francis na literatura, nem a respeito de suas idiossincrasias pessoais. O consumo de álcool, drogas, Wagner e Doris Day também é passado em revista, assim como sua paixão pelos gatos. O clímax melodramático do filme, aliás, não é a morte do personagem, em meio ao stress de um processo movido pela Petrobras e a displicência de seu médico pessoal, mas a leitura de uma carta de sua mulher, Sonia Nolasco, a Nelson, relatando a doença da gata Alzira.
Pode não ter sido essa a intenção, mas para mim soou como mais uma fina ironia num filme que tenta entender em profundidade o temperamento de seu personagem. E sabe se utilizar do viés individual para descortinar as relações intensas, mas espinhosas, entre grandes egos do meio jornalístico.
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OS INQUILINOS (OS INCOMODADOS QUE SE MUDEM)
Direção: Sergio Bianchi
Por Daniel Schenker Wajnberg em 05/10/2009
Sergio Bianchi se distancia do contundente tom panfletário de Cronicamente Inviável e Quanto vale ou é por Quilo? . Também não enveredou pela experimentação pulsante de Romance. Em tom menor, retrata, em Os Inquilinos (Os Incomodados que se Mudem) a via-crúcis de uma família a partir do momento em que bandidos se mudam para a casa ao lado e passam a cometer uma série de abusos, como o de promover festas barulhentas todas as noites.
Bianchi mostra como uma situação externa abala as relações pessoais e destaca as transformações decorrentes da passagem do tempo, como observa o personagem de Umberto Magnani, obrigado a conviver com os bandidos: “de repente, tudo ficou estranho. Fazer o que? Tudo mudou. Nada volta. A vida é o que é”. A partir de um ótimo roteiro, o cineasta mantém a tensão, auxiliado pelo bom elenco, capitaneado por um ótimo Marat Descartes.
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SONHOS ROUBADOS
Direção: Sandra Werneck
Por Daniel Schenker Wajnberg em 05/10/2009
Em Sonhos Roubados , filme realizado a partir do livro As Meninas da Esquina , de Eliane Trindade, Sandra Werneck entrecruza as trajetórias de Jessica, Sabrina e Daiane, jovens moradoras da periferia. A dificuldade de ser mãe adolescente, o assédio sexual do tio, o namoro com um bandido e a opção pela prostituição como saída econômica não são enfocados como tragédias. Talvez este seja o maior diferencial desse trabalho, diretamente conectado com a produção anterior de Sandra – o documentário Meninas .
A diretora extraiu interpretações bastante espontâneas do elenco principal (Nanda Costa, Kika Farias e Amanda Diniz) e coadjuvante (destaque para Marieta Severo e Silvio Guindane). Apenas uma cena destoa da organicidade do todo: aquela em que as meninas conversam sobre a falta que sentem de suas mães. Uma restrição que não ameaça o bom resultado alcançado.
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HERBERT DE PERTO
Direção: Roberto Berliner e Pedro Bronz
por Carlos Alberto Mattos em 04/10/2009
O acidente de ultraleve que quase matou Herbert Viana e custou a vida de sua mulher, Lucy Needham, é a espinha dorsal de Herbert de Perto. Isso confere ao filme um caráter um tanto sentimental. A história de Herbert e da Paralamas do Sucesso é contada como uma história de superação da tragédia e da impossibilidade. Superação do silêncio. Retomada da fé na capacidade de conquista que parece mover a vida de Herbert, piloto de banda e de aviões.
Roberto Berliner e Pedro Bronz narram com precisão e cuidado as fases mais difíceis, como o desastre, a lenta recuperação e a retomada da carreira. É o acidente que reparte os tempos da narrativa entre um antes e um depois inexoráveis. Antes: a leveza, a irreverência, a arrogância juvenil. Depois: a dor, a reflexão, a maturidade. As músicas estão lá, para quem gosta. Mas o tom predominante é o de uma aventura humana que, tristemente, se tornou exemplar.
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HOTEL ATLÂNTICO
Direção: Suzana Amaral
Por Daniel Schenker Wajnberg em 1/10/2009
Depois de transportar para a tela obras de Clarice Lispector ( A hora da estrela ) e Autran Dourado (Uma vida em segredo ), Suzana Amaral segue na trilha literária em Hotel Atlântico , versão cinematográfica do romance homônimo de João Gilberto Noll. Nesse seu novo filme, a diretora acumula acertos: na condução segura, na proposta estética (valorização de variações de cinza na fotografia de Jacob Solitrenick) e no satisfatório rendimento do elenco.
O espectador acompanha a viagem sem rumo de um ator desempregado (boa interpretação de Julio Andrade), que se vê envolvido numa série de circunstâncias sem que uma explicação seja fornecida. O instante em que o protagonista se depara com o mar na viagem junto com o enfermeiro (João Miguel) se traduz numa chave de acesso a Hotel Atlântico . “O mar é cada vez de um jeito. Você até vê o fim, mas não tem fim, não acaba nunca”, diz o ator. Trata-se de uma fala que informa bastante sobre o filme de Suzana Amaral, que não conta uma história com começo e fim claramente delimitados.
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ANTES QUE O MUNDO ACABE
Direção: Ana Luiza Azevedo
Por Daniel Schenker Wajnberg em 28/09/2009
A originalidade não é o mérito principal de Antes que o Mundo Acabe , primeiro longa-metragem de Ana Luiza Azevedo que conquistou prêmios na última edição do Festival de Paulínia. O registro das transformações no relacionamento de três adolescentes numa cidade do interior gaúcho já foi visto em outras produções. Entretanto, a sensação de deja vu é superada pela considerável dose de sinceridade que a diretora injeta no filme.
Como Jorge Durán e Jorge Furtado, Ana Luiza Azevedo (do sentimental e eficiente curta-metragem Dona Cristina perdeu a Memória ) revela habilidade para abordar a juventude. Seu protagonista é Daniel, de 15 anos, que começa a atravessar um período de turbulência nos vínculos com a namorada e o melhor amigo e a receber cartas do pai biológico. Um pai que nunca conheceu, mas que começa a montar na sua cabeça, com auxílio da correspondência de cartas e fotos. Em destaque, a direção de arte de Fiapo Barth, que, ao investir em cores intensas e luminosas, torna mais solar esse simpático Antes que o Mundo Acabe .