Críticas


NO MEU LUGAR

De: EDUARDO VALENTE
Com: DEDINA BERNARDELLI, RAPHAEL SIL, MÁRCIO VITO, LUCIANA BEZERRA
16.11.2009
Por Patricia Rebello
ELOGIO A <i>DEUS EX MACHINA</i>

Na edição de junho deste ano, a revista Bravo! publicou uma matéria sobre a nova geração de realizadores do cinema brasileiro. Jovens com pouco mais de 20 anos, adeptos de produções de baixo orçamento, afeitos ao experimentalismo da linguagem e ao esquema de produção coletivo. Para além disso, eles investem fundo na produção de reflexão teórica e análise crítica, e estão interessados em colocar em debate diferentes cinematografias (nacionais e estrangeiras, experimentais e comerciais). Deles, pode-se dizer que são francamente inspirados na nouvelle vague francesa da década de 1960: o percurso, as práticas, as buscas, tudo é muito semelhante. Mas, como quando o milagre é muito grande, até o santo desconfia, não se trata aqui de fazer marola, nem de reeditar a onda francesa. E No Meu Lugar, de Eduardo Valente, um dos jovens dessa nova geração, é a prova do potencial dessa turma. E, de certa forma, um discurso sobre aquilo que eles buscam através do cinema.



No Meu Lugar conta três histórias diferentes, em três tempos diferentes, de pessoas diferentes, que em determinado momento da vida, se atropelam. O acontecimento central (que não está no centro) é o assassinato do marido de Elisa (Dedina Bernardelli). Cinco anos depois, casada com Fernando (Licurgo Spinola), ela retorna com seus dois filhos para esvaziar a antiga casa, onde morou com o ex-marido. Nessa casa, também trabalhou Sandra (Luciana Bezerra), que entre sacolas de plástico e caronas de bicicleta, começou a namorar o entregador de compras, Beto (Raphael Sil). É ao tentar negociar com Beto enquanto ele apontava uma arma para a cabeça do marido de Elisa, que o policial Zé Maria (Márcio Vito) acabou suspenso de suas atividades, e atravessou dias e dias tentando reconstruir os cacos de sua auto-estima junto à filha e os amigos.



Mas nada disso acontece necessariamente nessa ordem. Aliás, nada acontece necessariamente pra criar uma idéia de ordem. Porque se faz algum sentido pensar em um sentido para os acontecimentos da vida, da nossa, como dos personagens do filme, ele está na desordem dos encontros que desencontram as vidas, ou que as colocam em fricção, em penetração, justapostas, ou ante, ou pré-postas. E para dar conta deste caos, destas múltiplas histórias divididas em conjuntos de situações interrelacionadas, só duas entidades: Deus, que, já se sabe, escreve por linhas tortas; e o cinema, que tem a capacidade mágica de escrever por montagens paralelas, cruzadas, entrechocadas, contínuas e descontínuas.



Uma das maneiras de criar ‘consciência fílmica’ para um acontecimento é redimensionar em escala audiovisual as ressonâncias dos estados de coisas, que podem ser tanto a causa como a consequência do evento. Em No Meu Lugar, a estrutura do filme-mosaico dá lugar à construção de ‘núcleos de sensorialidade’: o futuro é uma casa empoeirada, é um lugar escuro, de cores frias, cheio de brigas e tensões, iluminado e assombrado por velas e fantasmas. Já no passado há luz, há alegria, esperança, há sons, música, risos; ele é claro e repleto de promessas. O filme coloca estes dois tempos em contato, e os recria como discurso. Aliás, essa é a chave de compreensão de No Meu Lugar: se ater menos a uma percepção linear do texto, que ao diálogo que se forja entre os dois tempos e as três histórias.



A serviço deste jogo de luz e escuridão, um grupo de atores que se destaca pela expressividade que imprimem ao próprio corpo. Os atores do núcleo do passado irradiam beleza e calor, preenchem a tela com sua sensualidade e juventude. Diferente de uma percepção mais apropriada à perspectiva cartesiana, o passado do filme se estabelece entre um pretérito perfeito (quando tudo era bom) e um futuro do pretérito (quando o que virá será melhor). Já os atores do nucleo do futuro convivem com a incerteza, o medo e a angústia. O pretérito é imperfeito, e o futuro... é aquele do presente. Eduardo Valente opta por uma recusa do texto melodramático e aposta na presentificação total dos corpos. A história destes personagens é contada por seus próprios corpos, a experiência da perda, do desejo, do medo, da coragem, da dor está impressa na maneira como falam, como se movimentam, como olham, nos pequenos gestos e atitudes. A narrativa é eliptica, e se concentra naquilo que se acredita essencial mostrar e, como disse certa vez François Truffaut sobre essa opção de direção, que se julga poder dominar.



NO MEU LUGAR

BRASIL, 2009

Direção: EDUARDO VALENTE

Roteiro: EDUARDO VALENTE e FELIPE BRAGANÇA

Fotografia: MAURO PINHEIRO

Produção: PIMENTA JR.

Produção executiva: WALTER SALLES, MAURICIO ANDRADE RAMOS, LUIS GALVÃO TELES

Duração: 113 minutos

Elenco: DEDINA BERNARDELLI, RAPHAEL SIL, MÁRCIO VITO, LUCIANA BEZERRA, LICURGO SPINOLA.

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