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CRÍTICOS – CINEASTAS – CRÍTICOS

16.11.2009
Por Carlos Alberto Mattos
CRÍTICOS - CINEASTAS - CRÍTICOS

No Meu Lugar é um filme que se define melhor pelo que não quer ser. Não quer ser filme de gênero, nem filme de arte. Não quer ser sociológico, nem político. Não quer ser um filme “representado”, nem experimental, nem linear. Não quer ser óbvio, mas também não quer ser obscuro. É um filme empenhado em fugir de fórmulas e definições. Para isso, cada inflexão dos atores e cada movimento de câmera parece obedecer a uma rigorosa consciência sobre construção do plano e efeito da montagem.



O resultado é a hegemonia do cálculo em detrimento do pathos. Um filme anódino no seu esforço para escapar a qualquer armadilha. Um filme onde até as qualidades parecem conspirar contra: o rigor vira rigidez, a contenção vira frieza, a desdramatização vira esvaziamento.



O fato de seu diretor, Eduardo Valente, ser um dos fundadores das revistas eletrônicas Contracampo e Cinética não transforma necessariamente o filme num manifesto audiovisual da chamada “nova crítica”, da qual ele é um dos expoentes. Mas, inevitavelmente, suscita uma indagação: será esse cinema autopoliciado o que almejam os críticos dessa geração?



Ainda não vi alguns rebentos dessa passagem da crítica ao filme. Na verdade, diversos praticantes da “nova crítica” combinam ações de reflexão com pesquisa, ensino e realização. Felipe Bragança (co-roteirista de No Meu Lugar) fez com Marina Meliande o longa A Fuga da Mulher Gorila, depois de três curtas e vários roteiros. Cléber Eduardo e Ilana Feldman dirigiram os curtas Almas Passantes e Rosa e Benjamim. Luís Alberto Rocha Melo tem no currículo sete docs sobre cinema brasileiro. Daniel Caetano dividiu com uma penca de outros nomes a direção do doc O Mundo de um Filme, sobre a realização de O Padre e a Moça, de Joaquim Pedro de Andrade, e o fic Conceição – Autor Bom é Autor Morto, outro candidato a manifesto de um pensamento crítico levado para a película.



Ainda se pode citar os exemplos de dois antigos críticos de O Fluminense: Flávio Cândido (A Terceira Morte de Joaquim Bolívar) e Evaldo Mocarzel, que de jornalista passou ao mais prolífico documentarista do Brasil atual.



Vivemos um momento rico em matéria de trânsitos entre crítica e prática cinematográfica. Alguns nomes já têm certa tradição, como Nelson Hoineff (Alô Alô Teresinha, Caro Francis), Leon Cakoff (Bem-Vindo a São Paulo, Volte Sempre Abbas!) e Kleber Mendonça Filho (o longa Crítico, além de vários curtas premiados). Outros se expõem pela primeira vez com o crédito de direção. Amir Labaki está estreando no longa com o doc 27 Cenas sobre Jorgen Leth. Até eu me aventurei na direção do programa Jurandyr Noronha: Tesouros Quase Perdidos, para o Canal Brasil.



Não sei quantos, como eu, passaram à realização como mera contingência, fazendo mais uma extensão do trabalho de pesquisa e curadoria do que a abertura de uma nova frente na carreira. De qualquer forma, é hora de observar o que se passa no meio. Haverá algo daquele espírito de continuidade que caracterizava esses trânsitos à época da Nouvelle Vague e do Cinema Novo? Os filmes dizem o mesmo que os textos desses autores, ou são expressões desconectadas? O que move os críticos na direção da câmera além das maiores facilidades de produção hoje em dia?



Na contramão desse fluxo, vale citar a recente atividade de Eduardo Escorel como crítico da revista piauí. Não é o mesmo tipo de crônica e reflexões gerais empreendidas eventualmente por Arnaldo Jabor e Cacá Diegues, por exemplo. Nem tampouco os ensaios que o próprio Escorel reuniu no livro Adivinhadores de Água. Na piauí, o austero realizador tem dado asas a uma veia crítica pontual e aguda, procurando interferir no momento mesmo em que os filmes estão sendo lançados. Seu “fogo amigo” contra Moscou repercutiu como uma bomba. Na última edição, ele investe contra as entrevistas como “panaceia do documentário brasileiro”, mesmo tendo ele próprio baseado em entrevistas o seu último filme, O Tempo e o Lugar.



Críticos e cineastas, enfim, podem estar fazendo um novo capítulo na história da cultura cinematográfica no Brasil. Ou apenas uma grande confusão de lugares.

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