Há diretores que gostam de filmar quase sempre na mesma cidade. É o caso notório de Woody Allen com Nova York. E também Robert Guédiguian com Marselha: foi lá, mais uma vez na sua cidade natal, que ele realizou seu filme mais recente, Marie-Jo e seus Dois Amores (Marie-Jo et Ses Deux Amours).
Se a locação foi a mesma de diversos filmes, o tema também já foi objeto de escolha de muitos outros diretores. A história de uma mulher com dois amores simultâneos já foi filmada inúmeras vezes, a começar, é claro, por Dona Flor e seus Dois Maridos, de Bruno Barreto. Mas , com a exceção do título, vão longe quaisquer semelhanças entre os dois filmes: um, comédia de sabor tropical; outro, drama com soturnas tintas européias.
O filme de Guédiguian acompanha a história de Marie, uma mulher aparentemente feliz e que ama o marido, Daniel, um mini-empresário tranqüilo, simples e generoso. Uma paixão fulminante por outro homem, o prático de porto Marco, acontece e não vem sozinha. Ao mesmo tempo que o novo amor traz um outro sentido à sua vida, traz também um grande tormento. Marie não consegue decidir entre o amor seguro por Daniel e a paixão por Marco . Acaba sendo levada pelas tramas do destino.
Além das locações , Guédiguian também procura trabalhar sempre com o mesmo elenco : Ariane Ascaride, (mulher do diretor e heroína de seus filmes) , Jean-Pierre Darroussin e Gérard Meylan são seus atores em trabalhos anteriores, caso do ótimo A Cidade está Tranqüila. Como muitos diretores do cinema francês mais recente, Guédiguian gosta de falar da vida de gente simples, abordando aqueles pequenos dramas do cotidiano que sempre tocam a platéia porque, em última análise, são dramas comuns à nossa volta.
Uma das táticas para obter o envolvimento do espectador na história é hábil. Nos quarenta minutos iniciais do filme, o diretor coloca o dilema amoroso triangular perpassado por canções populares que reforçam as cenas e o clima romântico, criando simpatia e a compaixão do público pelos três protagonistas. Na medida em que o impasse aumenta, vão desaparecendo as leves canções românticas de jazz para surgirem sisudos clássicos do século dezoito.
Marie-Jo e seus Dois Amores, na verdade, é um filme no qual os personagens vivem o dilema (quase sempre) insolúvel de ou proporcionar a felicidade alheia ou buscar a sua própria realização afetiva, uma duplicidade que traz gravada em seu código genético as contradições que geralmente são resolvidas de forma traumática.