Da caudalosa e ruidosa produção recente em torno do espólio de Glauber Rocha, Diário de Sintra é uma exceção refrescante. Em vez de ordenar suas memórias em função de um documentário informativo ou laudatório, Paula Gaitán lhes deu asas para voar livremente. Ao contrário do que sugere o título, não temos uma cronologia, mas um fluxo de associações poéticas, um diário do inconsciente que recorda.
Paula, companheira de Glauber nos seus últimos anos, conviveu com ele e os pequenos Ava e Eryk na bucólica cidade portuguesa (“um belo lugar para morrer”, como disse Glauber a Patrick Bauchau) durante a enfermidade que o vitimaria em 1981. As filmagens domésticas em Super 8 daquele período ressurgem em meio às imagens de uma revisita à Sintra atual. Imagens sobre imagens, vozes sobre vozes – tudo no filme são ecos, vibrações da lembrança que vez por outra se condensam na forma de pequenas performances plásticas, bem de acordo com o estilo da autora.
As fotos de Glauber são expostas aos elementos da natureza, como parte de instalações panteístas que atraem as correntes de memória. São também entregues a portugueses que se lembram ou que nunca ouviram falar de Glauber Rocha. Flutuam na indefinição porque não estão ali como um fim, mas como o princípio de uma busca. “Caminhos que levam a Sintra ou talvez a lugar nenhum”, diz a certo momento a voz de Paula.
A ausência de um destino certo, apesar de Sintra, é o segredo da beleza desse doc experimental. Belos são os silêncios que se opõem à verborragia comumente associada a Glauber, a delicadeza de uma estrutura feita inteiramente de fragmentos, a edição desesperada e muda que quer traduzir a agonia do cineasta perto do final. Não sabemos como Paula lavou e esfregou suas recordações intimamente, mas dividimos com ela esse bonito momento em que as botou para corar ao sol suave de Sintra.
DIÁRIO DE SINTRA
Brasil, 2007
Direção e roteiro: PAULA GAITÁN
Fotografia: PAULA GAITÁN, PEDRO URANO
Montagem: DANIEL PAIVA, PAULA GAITÁN
Música: EDSON SECCO
Duração: 89 minutos
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