Foi preciso viajar até Santa Maria da Feira, uma cidadezinha a meia hora de distância do Porto, em Portugal, onde acontece todo o ano o simpático Festival de Cinema Luso-Brasileiro, para que eu conseguisse assistir a um dos documentários brasileiros mais elogiados dos últimos anos: Samba Riachão, dirigido pelo novato Jorge Alfredo. O filme dividiu o prêmio de melhor filme do Festival de Brasília de 2001 com nada menos do que Lavoura Arcaica, de Luiz Fernando Carvalho. Para o júri popular, foi o melhor sozinho.
Isso foi no Festival de Brasília de 2001. Desde então, o cinema nacional viu o gênero documentário sair do gueto, com o sucesso de Janela da Alma e a expectativa em torno de filmes como Edifício Master e Ônibus 174. E porque diabos Samba Riachão continua inédito no circuito comercial? A resposta é dada em Portugal, pelo próprio diretor Jorge Alfredo. Com seu jeito baiano de ser, ele diz que simplesmente não foi procurado por ninguém disposto a adquirir os direitos de exibição do filme, e que por ser um novato na área de cinema (sua praia é a música), se sente meio perdido.
Samba Riachão se utiliza de um personagem singular na história da Música Popular Brasileira, o sambista Clementino Rodrigues, o Riachão (autor de Vá Morar Com o Diabo e Cada Macaco no Seu Galho), para contar a história do próprio samba, com depoimentos valiosos de Caetano Veloso, Tom Zé, e especialmente Dorival Caymmi. O diretor e roteirista Jorge Alfredo consegue equacionar bem a mistura entre o retrato do personagem, as referências históricas e os momentos puramente musicais. Difícil dizer o que é mais prazeroso de assistir.
Possuidor de uma energia contagiante aos 80 anos, sempre impecável com sua roupa elegante de malandro baiano, cheio de anéis, colares e toalhinha no pescoço, Riachão parece ter construído para si um personagem que se exibe através do sorriso permanente. Em um momento de rara sensibilidade, Jorge Alfredo consegue fazer Riachão revelar a persona sofrida que se esconde por detrás dos óculos escuros, quando este espontaneamente pega o retrato da mãe e começa a falar sobre ela, canta uma música e chora. Depois pede desculpas.
Injustificável e lamentável que Jorge Alfredo não tenha sido procurado por ninguém disposto a lançar seu filme, e que Samba Riachão não tenha encontrado espaço no circuito comercial. Na semana em que fui para Portugal, o Espaço Unibanco de Cinema, no Rio, tradicional reduto de filmes com perfil não-hollywoodiano, estranhamente exibia Casamento Grego, de Joel Zwick. Por pura obrigação profissional, fui assistir. Se não é o pior filme do ano, certamente é um dos piores. Sua principal credencial: ter custado US$ 5 milhões e ter faturado mais de US$ 215 milhões, só nos Estados Unidos.
Casamento Grego é um retrato de extremo mau gosto da comunidade grega nos Estados Unidos, (mal) escrito por uma grega, mal interpretado (o que é aquele galã, meu Deus), mal dirigido, piegas e cheio de clichês. Dirão alguns que se pretende propositadamente uma caricatura, mas cinematograficamente não há muitos indícios disso. Uma comparação com outro filme de temática semelhante, Casamento à Indiana, dá bem uma idéia da diferença entre o produto honesto e a picaretagem feita pra faturar às custas da falta de cultura do americano médio.
O que é assombroso é que um filme destes atinja mais de um milhão de espectadores no Brasil, o que só vem comprovar o quanto somos consumidores adestrados e colonizados do lixo americano. Se até o Espaço Unibanco abriu as pernas...
CARTA ENVIADA POR MARCELO MENDES, DIRETOR DE PROGRAMAÇÃO DO ESPAÇO UNIBANCO DO RIO, NO DIA 23.12.2002:
Prezado Janot,
Como Diretor de Programação do Espaço Unibanco do Rio, me sinto na obrigação de comentar seu artigo sobre "Samba Riachão" e "Casamento Grego".
Bem, em primeiro lugar, gostaria de lembrar que tanto "Janela da Alma" quanto "Edifício Master" só encontraram o caminho do sucesso porque existe um Circuito Estação pronto para receber obras como estas. Gostaria de lembrar também que só nosso circuito vem exibindo todos os documentários nacionais lançados e, na maioria das vezes, com exclusividade.
"Samba Riachão" só não chegou ao nosso circuito porque o filme ainda não tem um distribuidor. Ou se tem, este não está fazendo o seu trabalho. Você, como jornalista que é da área, e não é de hoje, sabe bem que não existe isso de um cinema procurar diretamente um produtor ou diretor. Ainda mais um circuito como o Estação que lança todo mês um documentário (as vezes dois).
Também acho o "Casamento Grego" um dos piores do ano. Mas poderia falar de uns dez que eu também acho muito ruins, mas que conseguiram excelentes críticas e muito espaço nos jornais diários. Também posso falar de muitas obras maravilhosas que não vem recebendo tratamento digno da imprensa diária. Diante desse fato, o quê fazer?
Só vocês (críticos) poderiam nos ajudar a mudar esse quadro. Acho que nós do Estação não precisamos mais provar o que pretendemos após quase 18 anos de trabalho.
Um abraço e Feliz Natal.
Marcelo Mendes
RESPOSTA DE MARCELO JANOT:
Caro Marcelo Mendes, o objetivo do artigo foi justamente o de tentar ajudar a mudar esse quadro, chamando a atenção do público, exibidores e distribuidores para um belo filme como "Samba Riachão". E sabemos que o Estação, como exibidor e distribuidor, sempre foi e será nosso mais importante aliado nessa cruzada pela qualidade nas telas.
grande abraço e Feliz Natal
Marcelo Janot