Chega de ursinhos carinhosos, monstrinhos comoventes e fadinhas inofensivas. Finalmente, a estante de DVDs de animação ganhou um exemplar de gente grande. O segundo volume da coletânea O Melhor de Anima Mundi já está nas boas casas do ramo. O primeiro, em VHS, saiu alguns anos atrás. Este agora beneficia-se da qualidade de imagem e som digitais, fazendo maior justiça ao impacto dessas pequenas obras-primas animadas.
São 10 curtas, com durações que variam entre 3 e 15 minutos. Alguns mereceram os maiores prêmios internacionais da animação mundial. Equivalem a uma antologia de recentes edições do Festival Internacional de Animação, selecionada pela mesma turma que serve as delícias do Anima Mundi. E viabilizada pelo mesmo patrocinador, a Petrobras.
No pacote, o único filme brasileiro é Espantalho, de Alê Abreu, eleito o melhor nacional do Anima Mundi 1998. É talvez o mais melancólico de todos, com sua história de uma menina que namora um espantalho. É também o que tem os traços mais disneyanos da coletânea. Sua maior qualidade está na sutileza com que mescla a animação tradicional com fotos reais em benefício de uma poética interiorana.
No DVD há espaço para muitos gêneros e técnicas de animação. O magistral Media, por exemplo, é uma feroz parábola tcheca sobre a violência virtual da comunicação de massa. Um homenzinho tenta escapar do massacre de informação que atinge seu cérebro em forma de bolas de jornal amassado. Quando parece sair vitorioso e imune, é apenas a mídia que assumiu outra cara, com a limpeza dos computadores. Também tcheco, e também tratando de resistência, Repete mostra três casais que sonham em subverter os padrões de sua rotina.
A animação adulta é um terreno fértil para metáforas políticas e comentários sociais. Tome-se o exemplo do americano The Art of Survival, onde um camaleão falha em aprender as lições de camuflagem e é expulso da escola. Sua vaidade é maior que o instinto de sobrevivência. Mas um capricho do destino vai transformá-lo numa estrela, invertendo ironicamente o sentido da fábula da cigarra e da formiga. Já o russo Gagarin carrega uma mensagem contrária: uma lagarta ansiosa por se transformar em borboleta antes do tempo vai passar por uma experiência traumatizante.
Na coletânea há aqueles que se destacam pelo estilo. Como o anglo-holandês T.R.A.N.S.I.T., uma história de amor e crime passada nos anos 20, através de diversos países. A trama é complicada a ponto de se tornar ininteligível, mas ninguém resistirá ao charme do trabalho, todo inspirado na estética das antigas etiquetas de malas de viagem. É um trabalho coletivo, onde o episódio de cada país é desenhado por um artista, com estilo diferente. O holandês Father and Daughter, vencedor do Oscar da categoria em 2001, tem um enredo emocionante sobre o ciclo do tempo, simbolizado nas rodas de uma bicicleta. Mas acaba ficando mesmo na memória por seu traço delicado e lírico, combinado com uma pista sonora altamente evocativa.
O alemão Ring of Fire é um curioso western surrealista de conotações eróticas, só prejudicado pela metragem excessiva (15 minutos). Já o francês Au Bout du Monde, com a metade daquela duração, encanta na medida certa, explorando a vida de uma família cujas mais simples ações repercutem dramaticamente na vida de todos. Por uma simples razão: sua casa, localizada no vértice de uma colina, tomba para os dois lados conforme o peso dos moradores.
Mas é um filmete de pouco mais de três minutos que corre o “risco” de ser o xodó dos espectadores, principalmente dos cinéfilos. Ao som de “More”, Busby vale-se unicamente de mãos para reeditar as mirabolantes coreografias de Busby Berkeley. Um feito relativamente simples de computação gráfica, mas que revela todo o potencial de uma ótima idéia.
A única ausência a registrar no DVD é a de um exemplar de animação de massinha (ou 3D), tão popular atualmente. Bom motivo para se esperar, o quanto antes, o terceiro volume de O Melhor de Anima Mundi.