Críticas


TOSCA

De: BENOÎT JACQUOT
Com: ANGELA GHEORGHIU, ROBERTO ALAGNA, RUGGERO RAIMONDI, DAVID CANGELOSI
29.12.2002
Por Daniel Schenker
PLANOS DE CRIAÇÃO

Filmes ligados a uma manifestação artística diversa da cinematográfica costumam sofrer com o preconceito prévio de serem supostamente destinados apenas a um público-alvo específico. De fato, um trabalho como, por exemplo, Tio Vanya em Nova York , tende a conquistar espectadores mais conectados com a atividade teatral. No entanto, é importantíssimo verificar como Louis Malle atesta a atualidade de Tchekhov através de recursos próprios do cinema. Tosca , dirigido por Benoît Jacquot e exibido dentro da seleção oficial do Festival de Veneza de 2002, pode não atingir o mesmo grau de excelência mas ultrapassa, em muito, o estágio do mero registro – no caso, da ópera de Giacomo Puccini.



Mesmo que não totalmente autoral, a câmera de Jacquot abre possibilidades de entrada para os espectadores ao “funcionar” em três planos diversos. Em primeiro lugar há a filmagem da ópera propriamente dita, reproduzida num palco enorme que permite a visualização das vastas locações da obra de Puccini (uma forma de assumir o caráter teatral sem abrir mão de um certo realismo). Os constantes closes nos rostos dos atores/cantores quebram com eventuais riscos de distanciamento entre obra e platéia, evocando, ainda que numa perspectiva longínqua, o feito de Carla Camuratti em La Serva Padrona .



Depois, Benoît Jacquot flagra imagens granuladas e extremamente coloridas, que, como assume o próprio cineasta, são “citações dos lugares reais da ‘Tosca’, filmados em Roma, num formato amador, com uma câmera que mexe muito”. De qualquer modo, este formato amador traz à tona uma certa imprecisão do olhar, própria de quem enxerga não imagens concretas e sim aquelas resultantes de um momento em que se está submetido a uma “influência sensorial”. Tosca busca proporcionar ao espectador a oportunidade de passar por uma determinada experiência abstrata – numa ponte possível com outro filme brasileiro, o sensível Tônica Dominante , de Lina Chamie, que tinha como objetivo provocar a sensação musical através do cinema. Na terceira esfera de criação, Jacquot mostra, em preto-e-branco, imagens da gravação em estúdio, sublinhando menos uma feitura distante do calor da cena e mais a colocação visceral do artista no seu trabalho, a necessidade de estar se comunicando daquela maneira específica com o mundo.



Este nível de adesão, em algum ponto, toca na ferocidade de Tosca , que, como qualquer obra dotada de influência trágica, conta com personagens que potencializam seus sentimentos na contramão de qualquer meio-tom. Personagens que revelam instintos primitivos sem que, para tanto, suspendam a consciência acerca do que se passa. Ela está lá e Benoît Jacquot aproveita para exprimir o movimento do pensamento em falas em off. Parece bastante evidente o processo minucioso com os integrantes do elenco, que sustentam suas vozes (principalmente Angela Gheorghiu) tanto nos instantes em que não cantam quanto naqueles que precedem uma determinada manifestação verbal.



# TOSCA

Inglaterra/Itália/França/Alemanha, 2001

Direção: Benoît Jacquot

Roteiro: Giuseppe Giacosa e Luigi Illica (libretto) e Victorien Sardou

Produção: Daniel Toscan du Plantier

Fotografia: Romain Winding

Montagem: Luc Barnier

Cenários: Joël Lavrut

Figurinos: Christian Gasc

Elenco: Angela Gheorghiu, Roberto Alagna, Ruggero Raimondi e David Cangelosi.

Duração: 117 minutos

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