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OS ARGENTINOS E NÓS

10.03.2010
Por Carlos Alberto Mattos
OS ARGENTINOS E NÓS

Uma das boas notícias da noite do Oscar foi a vitória inesperada de O Segredo dos seus Olhos na categoria de melhor filme em língua estrangeira. Surpresa não pela qualidade do filme, que é inequívoca, mas pelo franco favoritismo de A Fita Branca e O Profeta. Só sei que alguma coisa me alertava para uma possível façanha argentina, pois o coloquei em segundo lugar na bolsa de palpites que faço com amigos.



Nem os críticos argentinos que habitualmente torcem o nariz para os filmes de Juan José Campanella – los anticampanellistas – resistiram ao charme e à verve narrativa de O Segredo. A maneira envolvente como ele coloca vários gêneros para conversar e chega a níveis relativamente profundos nos aspectos humano e político, sem jamais perder o pulso da plateia, é realmente admirável. São duas histórias de amor paralelas, atravessadas por uma suspeita hitchcockiana, pelo humor (às vezes negro) e pela observação política que não emperra o fluxo do argumento central.



Campanella pode não ser o “auteur” que certos críticos exigem, mas deixa suas marcas bem claras. Seja no personagem cômico, sempre presente em seus filmes; seja na engenhosa combinação do doce e do amargo, da nostalgia portenha com a teimosia em busca da felicidade; ou ainda na presença iluminada do sutilíssimo Ricardo Darín, sem o qual não dá para imaginar o que seria do cinema de Campanella. O Segredo é um primor de ritmo e traz uma das cenas mais virtuosísticas do cinema recente, que é o plano-sequência do estádio de futebol, arrebatador como resumo do tema da paixão.



Eu imaginava que a Academia poderia se emocionar com tudo isso – e fazer vista grossa para o que mais me incomoda no filme, que é o bloco final. Ali a narrativa de Campanella fica didática, com aqueles horríveis “ecos” de lembrança, e inverossímil no desfecho do viúvo apaixonado.



De qualquer forma, é muito mais cinema do que tudo o que o Brasil colocou no páreo pelo Oscar este ano. A Folha de São Paulo fez uma matéria sobre isso na semana passada. Minhas declarações ali resumidas requerem um pouco mais de espaço.



De fato, acho que o cinema brasileiro de ficção está num impasse em relação ao mercado internacional. De um lado, temos filmes ambiciosos do ponto de vista autoral, chegados ao experimental, mas capazes de se comunicarem apenas com plateias mínimas, especialmente motivadas. De outro, estão os filmes ultracomerciais, pautados pelo gosto de um público acostumado com a televisão, e que não têm estatura para competir longe do front doméstico.



Não há muito entre esses dois extremos. Poucos são os realizadores que investem no caminho do meio, tentando conciliar invenção e comunicação, cor local e universalidade, ousadia e artesanato. Walter Salles, Fernando Meirelles, Karim Ainöuz, Murilo Salles e Walter Lima Jr. estão entre eles. Já Beto Brant é exemplo de um cineasta que trocou a via da universalidade (culminante em O Invasor) por exercícios mais radicais e de difícil circulação.



Não me venham falar de Tropa de Elite em Berlim. Aquele foi um evento misterioso, inexplicável, que não repercutiu muito além dos limites da própria Berlinale. O Oscar de Campanella, isso sim, tornou ainda mais evidente o fosso entre os cinemas de ficção brasileiro e argentino em matéria de alcance além-fronteiras. Nossa mania de autossuficiência talvez cochiche que não precisamos do mercado estrangeiro. Mas na hora de competir, sempre acabamos nos lamentando ou apontando “culpas”. A verdade é que nosso cinema participa apenas marginalmente da cena internacional. Talvez por uma simples razão: o que não é produzido para ser universal não pode ser vendido depois como tal.

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