Críticas


OS FAMOSOS E OS DUENDES DA MORTE

De: ESMIR FILHO
Com: HENRIQUE LARRÉ, ISMAEL CANEPPELE, TUANE EGGERS, SAMUEL REGINATTO
06.04.2010
Por Nelson Hoineff
15 ANOS ESTA NOITE

Não é necessário, mas é bom que Os Famosos e os Duendes da Morte seja visto dentro de um contexto. Emblematicamente, o filme estreou no Rio no mesmo dia que Chico Xavier. Quando o vi, no domingo, às 21:45h, havia duas pessoas na sala. Naquele momento, Chico estava contabilizando 600 mil espectadores.



Não falo de público, mas de modelos. Falo de diferentes maneiras de se olhar para o cinema. Talvez possamos dividir o cinema brasileiro, hoje, em quatro grupos de realizadores. No primeiro estão os ruins, sobre os quais não vale a pena falar. No segundo estão bons diretores, cineastas extremamente talentosos como Cacá Diegues, Antonio Carlos da Fontoura, Fabio Barreto, Sandra Werneck, Daniel Filho, que filmam de maneira clássica e eficiente. Num terceiro grupo, pode-se localizar os cineastas mais jovens ou com maior experiência no campo publicitário, artistas que filmam tão bem quanto os anteriores, mas com uma relação distinta com a parafernália, centrada na agilidade, que aponta para produtos mais ricos do ponto de vista técnico e fluentes do ponto de vista narrativo. Grandes realizadores como Walter Salles, Andrucha Waddington, Cláudio Torres, Fernando Meirelles. Há um quarto grupo, tentado a experimentar. Lá, neste momento, só enxergo o jovem Esmir Filho. Acho que podemos começar por aí.



Os Famosos e os Duendes da Morte tem muito do experimentalismo formal dos anos 60 e 70, da construção de um cinema percepcionista que vem de Brakhage, Snow, Frampton e Deren. A tela é sem dúvida uma forte limitação para as sensações que podem ser extraídas da imagem. Um cinema voltado para a expressão - que absolutamente não nos é estranho, porque numa boa medida ele nasce e se ampara em Bressane, Sganzerla ou Tonacci, por exemplo.



Seria tão atrevido quanto absurdo insinuar que Esmir avança sobre estes incríveis apóstolos da expressão, mas também seria injusto fingir que a este belo painel ele não agrega vetores importantes. Por um lado, promovendo o caos resultante da mistura deliberada de estilos. Por outro, aplicando soluções lineares inspiradas pelo romance de Ismael Caneppele, que adapta.



É enigmático que o mergulho formal não perca de vista a riqueza dos personagens. Como um diretor de 28 anos consegue fazer isso, não tenho idéia – da mesma forma pela qual nunca vou saber como Glauber filmou Deus e o Diabo ou como Welles fez Cidadão Kane. A todos faltava, para dizer o mínimo, o repertório cinematográfico que a idade não era capaz de lhes dar. Se existe algum tipo de intermediação que transcenda a necessidade desse repertório, é coisa que só Chico Xavier pode explicar.



Num patamar, Os Famosos e os Duendes da Morte fala sobre os conflitos de valores entre um adolescente e o vilarejo da serra gaúcha em que ele vive. O inusitado aqui é que tanto um quanto outro são reais. Reais, não – verdadeiros. O real vai ser guardado em outros patamares, como a blogosfera onde o jovem estudante (Henrique Larré) se relaciona com o mundo e que estabelece – ou não – um diferencial geracional. O adolescente gosta de Dylan e seu nickname na Internet é Mr. Tambourine Man. Vai e não vai à festa caipira de sua comunidade, porque não sabe se está ou não na festa, se está ou não na comunidade. E. para seu desespero, a realidade virtual só está num computador.



Não vejo jovens com questões existenciais tão concretas desde Paranoid Park, e antes de Van Sant não me lembro de ter visto com tanta clareza. O garoto vive com a mãe, que prepara a casa para ser avó e, às oito, vê a sua novela, não importa o que o filho estivesse procurando antes na televisão, por oito, claro, é a hora da novela. Se todas as seqüências do filme são impecáveis, há uma quase metalingüística, em que o garoto não vê a novela, porque oito não é a hora da novela. A sutil rejeição da medíocre teledramaturgia é expressa sem a ajuda de uma palavra, uma expressão.



Numa seqüência, lá está o protagonista fumando um baseado com seu melhor amigo. Já vi pessoas ficando chapadas, no cinema e fora dele, mas nunca me ocorreu que fosse possível revelar isso em quatro dimensões. O que me intriga é que Esmir nunca viu Além da Imaginação – de onde então pode ter saído isso?



Seu filme fala sobre seres humanos. É verdade que O Segredo dos seus Olhos também fala (ainda que sejam seres humanos mais velhos) mas tal façanha é estatisticamente improvável no nosso idioma – menos talvez no dialeto dos colonos teutônicos, que para quem não é da aldeia é difícil identificar. Mas olhamos para seres humanos – jovens porém seres humanos – e não os vemos agindo como uranianos e muito menos se limitando a ser parte da paisagem. São pessoas com dúvidas, angustias, desesperos. O alimento da nossa vida não pode ser definido apenas como o medo da bandidagem descer o morro.



Vamos para a ponte de onde as pessoas se atiram para a morte, vamos atrás de Dylan, vamos para onde existir um caminho qualquer. Malle demonstrava a inexistência de atalhos, mas, outra vez: onde é que Esmir viu Le Feu Follet (30 Anos esta Noite)?



Os Famosos e os Duendes da Morte é um dos mais importantes filmes brasileiros lançados este ano, um dos poucos, pelo menos, que estará sendo visto dentro de cem anos. É generoso, de parte do autor, que sejamos convidados a participar de seus experimentos formais. Ele poderia ter nos contado apenas a história de um jovem que, entre suas prioridades, não tem a de torcer a favor ou contra o Dourado. Poderia simplesmente filmar e dizer: - gente existe. Mas, em vez disso, exercita a liberdade criativa que o cinema oferece.



Os Famosos e os Duendes da Morte é belo, é forte e instigante e renovador. Encontra a dignidade até de uma ameba e nos faz sentir vivos ao perceber que há seres vivos entre nós. Será atacado por seu formalismo, impiedosamente talvez pelos que não tem dúvidas que tudo o que é essencial no homem está prontinho ali para nos ser entregue pela novela das oito. Deve ser bom quando o essencial cabe num prato não pequeno. Mas, infelizmente, a vida não é bem assim.



# OS FAMOSOS E OS DUENDES DA MORTE (Idem)

Brasil/França, 2007

Direção: ESMIR FILHO

Roteiro: Esmir Filho e Ismael Caneppele, baseado no livro de Ismael Caneppele

Fotografia: Mauro Pinheiro Jr.

Edição: Caroline Leone

Música: Nelo Johann

Elenco: Henrique Larré , Ismael Caneppele , Tuane Eggers , Samuel Reginatto , Áurea Baptista

Duração: 95 minutos

Site oficial:





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