Críticas


SEPARAÇÕES

De: DOMINGOS OLIVEIRA
Com: DOMINGOS OLIVEIRA, PRISCILLA ROZENBAUM, RICARDO KOSOVSKI, FABIO JUNQUEIRA
02.01.2003
Por Carlos Alberto Mattos
TODOS OS CASAIS DO MUNDO

Domingos Oliveira é fã de um certo cinema americano, banal na aparência mas profundo na maneira como ensaia filosofia sem fazer pose. O Woody Allen dos anos 1970-80 ocupa lugar de honra nesse panteão. Mas não seria impróprio apontar, na obra cinematográfica de Domingos, a aclimatação brasileira de uma linha que nasce na Nouvelle Vague (Truffaut, naturalmente) e chega à comédia romântica contemporânea.



Sorte nossa que, desde Amores, ele voltou a namorar as câmeras, ainda que com materiais de “segunda mão”, ou seja, adaptando seus próprios sucessos teatrais. Acontece que o material de “segunda mão” de Domingos é tão melhor que a maioria das tentativas do cinema brasileiro de trabalhar com o cotidiano amoroso e as paranóias da vida urbana, que seus filmes brilham como diamantes no carvão. Separações atinge um nível de perspicácia, fluência narrativa e voltagem poética que se equipara ao clássico Todas as Mulheres do Mundo, sua obra-prima de 1967.



Se naquela memorável ode a Leila Diniz estava contido um estudo esperto das fantasias de conquista, numa encruzilhada – típica dos anos 1960 – entre a sede de liberdade e a acomodação aos confortos burgueses, o universo de Separações é o da sobrevivência a dois num estilo de vida já definido e imune à contestação. A referência mais imediata é a vida de artistas da Zona Sul carioca, retratada com uma espontaneidade cativante, mas o pensamento romântico que daí emerge é capaz de divertir e comover urbanóides de qualquer latitude.



O tempo passou sobre Domingos Oliveira, assim como passou sobre todo o cinema brasileiro. Mas o autor continua fiel a algumas perguntas essenciais: O que é o amor? O que é a liberdade no amor? Será o amor uma asfixia que amamos? Dá para ser elegante na dor? Tudo isso vem a propósito de uma acidentada experiência de ruptura conjugal entre Cabral (Domingos) e Glorinha (Priscilla Rozembaum), em torno da qual gravitam outras histórias que pontuam os dilemas de todo casal. Ao final do processo, Cabral chega a uma conclusão aparentemente simplória, mas de redonda maturidade: “A liberdade não é seguir impulsos, mas escolhas”.



Domingos e Priscilla interpretam seus personagens com deliciosos matizes autobiográficos. O roteiro articula a espontaneidade importada da vivência e da repetição teatral com um texto polivalente, que passa do naturalismo ao poema, às cartas e à retórica enunciatória sem qualquer cerimônia. Pode-se acusar Domingos de uma certa autocomplacência ao reservar para si as melhores falas, as conclusões mais cintilantes. Mas não faz mal. Ouvi-lo com sua dicção veloz e engrolada, naquele físico que corporifica a própria fragilidade do coração, independente de qualquer coisa, é um acepipe para o espírito. Afinal, ele domina como poucos esse pequeno grande mundo das indecisões afetivas, das possibilidades do acaso e do culto doentio ao ser amado.



#SEPARAÇÕES

Brasil, 2002

Direção: Domingos Oliveira

Roteiro: Domingos Oliveira e Priscilla Rozenbaum

Fotografia: Paulo Violeta

Direção de arte e figurino: Ronald Teixeira

Montagem: Natara Ney, José Rubens

Som Direto: Sílvio da Rin, Paulo Costa

Produção: Clélia Bessa, Luiz Leitão

Elenco: Domingos Oliveira, Priscilla Rozenbaum, Ricardo Kosovski, Fabio Junqueira, Maria Ribeiro, Nandda Rocha.

Duração:116 min.

Voltar
Compartilhe
Deixe seu comentário