Críticas


VIAJO PORQUE PRECISO, VOLTO PORQUE TE AMO

De: MARCELO GOMES e KARIM AÏNOUZ
Com: (VOZ) IRANDHIR SANTOS
07.05.2010
Por Carlos Alberto Mattos
UM FILME GRATUITO

Viajo Porque Preciso, Volto Porque te Amo é um filme gratuito. Quero convocar aqui toda a ambivalência desse termo. Gratuito no que significa de infundado, vadio e arbitrário, mas também de espontâneo, despojado e generoso.



A gratuidade começa pela distância entre origem e destino do material que se vê na tela. A maior parte das imagens e sons foi colhida em 1996, a partir de um edital do Itaúcultural, com vistas a um documentário poético de 26 minutos sobre a convivência do moderno e do arcaico no sertão nordestino. Assim foi feito Sertão de Acrílico Azul Piscina. Treze anos mais tarde, Karim Aïnouz e Marcelo Gomes decidiram retomar o material, incluindo muitas cenas não utilizadas no média-metragem, e criar um percurso de road movie ficcional. Surgiu, então, o personagem oculto que teria filmado aquelas imagens durante uma viagem de trabalho que é também diário afetivo da sua separação.



Viajo Porque Preciso... é, portanto, uma operação de ressignificação de um acervo audiovisual. A adesão do espectador a essa proposta depende de aceitar o código dessa operação em seu artificialismo proposital. Momentos como a passagem por Juazeiro do Norte e pela feira de Caruaru, ou a entrevista com a prostituta que sonha com uma “vida-lazer”, colocam em teste essa costura do documental com o ficcional, já que são inseridos na trajetória do geólogo por motivos um tanto construídos – ou gratuitos.



A impressão de coisa construída perpassa o filme inteiro. Não a construção deliberada e inteiramente livre do cinema experimental, mas uma busca de nexos poéticos “motivados” pela fala em off do personagem. Nesse processo, as cenas originalmente filmadas segundo a sensibilidade dos realizadores passam por uma mudança de frequência, seja pela alteração do ritmo, seja pelo efeito da música ou pela simples alteração de contexto. Uma artesã de flores de plástico, por exemplo, se transforma num ícone de saudade. Os meneios de uma prostituta projetam um sentimento de perda e reposição impossível.



Do personagem José Renato mal sabemos que é alto, geólogo e vem de Fortaleza. Seu pensamento vagueia gratuitamente das coisas da terra às dores do coração e às veleidades do sexo. A voz do fenomenal ator Irandhir Santos (o Quaderna de A Pedra do Reino, o Maninho de Baixio das Bestas, o Manoel de Cinema, Aspirinas e Urubus, o Noca de Besouro, o Pé-de-Vento de Quincas Berro d’Água) é um avalista garantido da viagem interior que acompanhamos no off. Ela é introspectiva, às vezes resmungona. Observações banais, lascas de letras de música e considerações poéticas se alternam sem hierarquia, em puro fluxo de consciência.



Não fosse por uma rápida menção no encontro com um casal idoso, não saberíamos que José Renato “é” o homem com a câmera. Uma das características mais intrigantes do filme é não explorar a suposta subjetividade das imagens. Se compramos a ideia de que o personagem é o filmador, isso se faz somente através das falas. Um possível investimento pessoal na confecção e edição das imagens é quase completamente descartado como motivo de dramaturgia. Mas se o dispositivo não se confirma nesse aspecto, pode ser apenas mais um ato de gratuidade do filme.





VIAJO PORQUE PRECISO, VOLTO PORQUE TE AMO

Brasil, 2009

Direção e roteiro:
MARCELO GOMES, KARIM AÏNOUZ

Fotografia: HELOISA PASSOS

Montagem: KAREN HARLEY

Música: CHAMBARIL

Edição de som: WALDIR XAVIER

Elenco (voz): IRANDHIR SANTOS

Duração: 75 minutos

Site oficial: clique aqui

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