Críticas


SPIDER – DESAFIE SUA MENTE

De: DAVID CRONENBERG
Com: RALPH FIENNES, MIRANDA RICHARDSON, GABRIEL BYRNE, LYNN REDGRAVE
09.01.2003
Por Marcelo Janot
CRONENBERG DE VERDADE

De tanto explorar os recônditos doentios da mente humana, o cineasta canadense David Cronenberg parece cada vez mais à vontade em suas viagens pela psique. Scanners, Videodrome, A Hora da Zona Morta, A Mosca são títulos que lhe valeram, nos anos 80, a alcunha de mestre do horror psicológico. A partir de Gêmeos: Mórbida Semelhança, seu cinema ganhou uma sofisticação estética que de certa forma foi rompida pelo experimentalismo de Crash: Estranhos Prazeres e eXistenZ. Com Spider – Desafie Sua Mente, ele volta a causar estranhamento, mas desta vez por motivo inverso: o filme é de um formalismo inédito na obra de Cronenberg, mas na essência seu cinema está ali, reconhecível em estado bruto.



Tudo no filme é visto sob o ponto de vista de Dennis Cleg (Ralph Fiennes), um sujeito que volta ao bairro onde passou a infância, após 20 anos em uma instituição para deficientes mentais. Uma volta nada triunfal. O presente não é uma negação, mas sim uma afirmação de seu passado, e a noção de tempo se mistura em sua mente, descortinando uma história familiar trágica e traumática. Como nada é muito claro para Dennis, também não é para o espectador, convidado involuntário dessa viagem-pesadelo por sua mente esquizofrênica. De posse de um caderninho de anotações, Dennis revisita os momentos difíceis de sua infância ao lado do pai (Gabriel Byrne), da mãe e depois da madrasta, apresentada como uma prostituta (ambas vividas por Miranda Richardson). Introspectivo, o passatempo predileto do menino era formar teias de fios pelo quarto, daí o apelido de Spider (Aranha).



Defender o filme a partir das brilhantes atuações de Fiennes e Miranda seria muito fácil; atacá-lo acusando-o de psicologia barata também, dada a subjetividade do que pode se chamar de “psicologia barata”. O que vale atentar é para o fato de que Cronenberg, com sua narrativa seca e minimalista, valorizada pelos detalhes (os closes nas unhas sujas, a forma como ele observa a gargalhada da prostituta, etc), nos oferece uma visão muito mais original, verdadeira e profunda do sujeito esquizofrênico do que filmes como Uma Mente Brilhante e Shine, por exemplo. Mérito também para a atmosfera sombria, cinzenta, desenvolvida pelo desenhista de produção Andrew Sanders em trabalho conjunto com o diretor de fotografia Peter Suschitzky, assim como o roteirista Patrick McGrath (que adaptou seu próprio romance), que envolve a platéia nesta teia circular que, quanto mais parece desfeita, mais cresce.



Apesar de poder ser considerado “estranho” pelos espectadores que não estão tão acostumados com filmes que se explicam pelas imagens em silêncio e não têm o hábito de ver uma mesma atriz interpretando dois papéis que se confundem, não há motivos para comparar Spider com Cidade dos Sonhos, por exemplo. Cronenberg, ao contrário de David Lynch, não joga com o espectador através das idas e vindas no tempo, personagens que surgem e desaparecem sem explicações, etc. Tudo em Spider se justifica pela confusão mental do personagem, inclusive o surpreendente desfecho. No final das contas, ele acaba se filiando a um gênero único: “filme de David Cronenberg”.



# SPIDER – DESAFIE SUA MENTE (SPIDER)

Canadá/Reino Unido, 2002

Direção: DAVID CRONENBERG

Roteiro: PATRICK MCGRATH E DAVID CRONENBERG

Produção: CATHERINE BAILEY, SAMUEL HADIDA, DAVID CRONENBERG

Fotografia: PETER SUSCHITZKY

Montagem: RONALD SANDERS

Música: HOWARD SHORE

Elenco: RALPH FIENNES, MIRANDA RICHARDSON, GABRIEL BYRNE, LYNN REDGRAVE, JOHN NEVILLE

Duração: 98 min.

site: www.spiderthemovie.com

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