Críticas


MADEMOISELLE CHAMBON

De: STÉPHANE BRIZÉ
Com: VINCENT LINDON, SANDRINE KIBERLAIN, AURE ATIKA
29.05.2010
Por Marcelo Janot
A VIDA NÃO É UM CLICHÊ

Muita gente pode ser levada a pensar que Mademoiselle Chambon é dirigido por uma mulher – pela confusão que o nome do diretor Stéphane Brizé pode causar e sobretudo pela delicadeza com que o filme observa o comportamento das personagens femininas. Por outro lado, a forma como são retratados os dilemas vividos pelo protagonista também revelam um profundo conhecimento da alma masculina. Mas o sexo do diretor não tem a menor importância. Ao mostrar o envolvimento amoroso entre a professora primária e o pai de um de seus alunos, Brizé mostrou que ainda é possível dar um tratamento original a uma história que já foi contada e recontada inúmeras vezes no cinema.



No inicio do filme, vemos o casal Jean e Anne Marie em ambiente de piquenique ajudando seu filho a fazer o dever de casa. O longo debate gramatical que se desenvolve sobre o significado do “complemento do objeto direto” não tem nenhuma função aparente na trama. O espectador percebe a harmonia familiar, mas não há trocas de carícias explícitas entre os pais nem algo que sinalize uma crise entre eles. Esta é a primeira grande sacada do roteiro, que procura fugir dos clichês a todo custo. Filmes banais para platéias idiotizadas costumam deixar claro, desde o início, qual o grau de envolvimento amoroso entre o casal para justificar a traição que se desenharia a seguir.



Felizmente esse não é o caso de Mademoiselle Chambon. O que apreendemos do filme é, em primeiro lugar, que o desejo de traição não requer justificativa. O casal não precisa estar em crise, e tampouco a traição precisa ser contrastada com uma situação de felicidade absoluta, surgindo como uma tormenta na relação. Ao apresentar Jean e Anne Marie como um casal absolutamente normal, sem situá-los em extremos, o filme ganha mais impacto.



Quando Jean vai à escola do filho para falar de sua profissão de pedreiro, desperta o fascínio das crianças pelo ofício e o da professora Chambon por ele. Ela o contrata para consertar uma das janelas de seu apartamento, o desejo mútuo entre ambos se anuncia, mais uma vez de forma a evitar completamente os clichês. A começar pela ausência de diálogos excessivos e redundantes. Os atores Vincent Lindon e Sandrine Kiberlain são tão expressivos nos gestos e olhares que, se não tivéssemos a certeza de que se trata de dois grandes atores, até poderíamos achar que o fato de já terem sido casados fora das telas possa ter alguma influência em seus magníficos desempenhos. As leituras que se podem fazer do envolvimento entre um sujeito habituado a construir casas que duram para sempre e uma professora solitária que não costuma fixar residência também são tratadas de forma a não cair na armadilha das metáforas óbvias.



A forma como se utiliza a música no filme também é exemplar. Enquanto num filme convencional ela entraria sublinhando os momentos melodramáticos de forma a criar climas e forçar o envolvimento do espectador, aqui ela é usada com parcimônia e inteligência. A trilha sonora permanece ausente até o momento em que Veronique Chambon toca violino para Jean. A música surge diegeticamente (ou seja, pertence ao universo dos personagens) e prossegue de forma não-diegética quando Jean está no carro a caminho de casa – ou seja, naquele momento ela não está mais sendo executada por Chambon, mas ressoa na mente de Jean, estabelecendo o vínculo emocional entre os dois. E a partir daí vai pontuar com precisão as idas e vindas da trama surpreendente, aliada a uma montagem precisa. Em diversos instantes pensamos que o roteiro não conseguirá escapar do clichê, mas o filme de Stéphane Brizé é tão bom que, depois de assisti-lo, é bem provável que aqueles que ainda acham que “a vida é um clichê” mudem seus conceitos.



# MADEMOISELLE CHAMBON

FRANÇA, 2009

Direção: STÉPHANE BRIZÉ

Roteiro: STÉPHANE BRIZÉ e FLORENCE VIGNON

Fotografia: ANTOINE HÉBERLÉ

Edição: ANNE KLOTZ

Música: ANGE GHINOZZI

Elenco: VINCENT LINDON, SANDRINE KIBERLAIN, AURE ATIKA

Duração: 101 min.

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