Críticas


VITTORIO DE SICA – MINHA VIDA, MEUS AMORES

De: MARIO CANALE, ANNAROSA MORRI
02.07.2010
Por Carlos Alberto Mattos
QUATRO RAZÕES PARA REVISITAR DE SICA

Vittorio De Sica – Minha Vida, Meus Amores não é o tipo de documentário que agrada aos estudiosos da linguagem do cinema. Na verdade, é aquele modelão de perfil convencional que a televisão consagrou. Os diretores Mario Canale e Annarosa Morri já haviam dado provas dessa limitação no simpático Marcello, Uma Vida Doce, sobre Mastroianni (desconheço seus filmes sobre Gillo Pontecorvo e Marco Ferreri). Toma-se a trajetória do artista, destacam-se cenas de seus filmes, reúnem-se admiradores e parentes para dizer as maravilhas da obra e da convivência com o sujeito. Não há uma perspectiva crítica, nem tampouco um interesse investigativo sobre os métodos de criação que o particularizaram.



Assim é Vittorio D., lançado em evento especial no Festival de Veneza do ano passado. De qualquer forma, vejo quatro razões suficientes para recomendar o filme.



Primeiro, porque De Sica ficou um tanto ofuscado na história do cinema italiano por uma maior reverência teórica a Rossellini e uma mais entusiasmada adesão a Fellini. No entanto, em obras-primas como Ladrões de Bicicleta, Umberto D. e Milagre em Milão, parcerias com o roteirista Cesare Zavattini, e ainda em Vítimas da Tormenta (Sciuscià), De Sica foi decisivo para instituir as bases do neorrealismo italiano, que influenciou todo o cinema moderno.



Segundo, porque De Sica cobriu um espectro de atividades bastante amplo, sendo sempre um ator extremamente carismático em paralelo ao trabalho como diretor e produtor. Cenas de suas performances de galã romântico, desde 13 anos antes de dirigir o primeiro filme, dão uma ideia da imensa afetividade que o ligava ao público da Itália antes e depois da II Guerra.



Terceiro, porque as histórias pessoais, algumas bem engraçadas, ajudam a explicar a relação entre o homem e seus filmes. De Sica aparece como um misto de aristocrata e burguês napolitano, nobre e velhaco, envolvido com amores simultâneos, viciado em jogo, autoritário à sua maneira de “homem do século 19”, como diz seu filho Christian. Essa ambivalência, que o tornaria alguém transbordante de humanidade, teria se transferido para muitos de seus personagens, que se aprumam no meio-fio entre a decadência e a dignidade.



Quarto, porque esse tipo de doc oferece, no mínimo, deliciosas reaparições no tempo. São particularmente preciosas, apesar de muito curtas, as cenas de making of do neorrealismo. Não há como não se comover diante de Enzo Staiola, o menino de Ladrões de Bicicleta, recordando detalhes da filmagem mais de 60 anos depois. Um grau de simpatia é acrescentado pela presença, em depoimentos, de Woody Allen, Clint Eastwood, Mario Monicelli, Shirley MacLaine, Ken Loach, Ettore Scola etc.



Tudo isso chega em embalagem muito convencional e no diapasão celebratório característico dos docs-exaltação. Mas a oportunidade de conhecer um pouco de De Sica compensa a falta de originalidade e de perspectiva crítica sobre uma obra, no seu conjunto, irregular.





VITTORIO DE SICA – MINHA VIDA, MEUS AMORES (VITTORIO D.)

Itália, 2009

Direção: MARIO CANALE, ANNAROSA MORRI

Edição: ADALBERTO GIANUARIO, CECILIA BELLETTI

Duração: 92 minutos

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