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GUIA DE ESCRITORES E SUAS OBRAS FILMADAS

24.07.2010
Por Luiz Fernando Gallego
DA LITERATURA PARA O CINEMA

O lançamento do livro de Julio Alfradique e Carla Lima DA LITERATURA PARA O CINEMA (Editora Mirabolante, 2010) é de enorme interesse para pesquisadores e pessoas interessadas nas relações entre obras literárias e suas transposições para a tela.



Não se trata de um compêndio com reflexões e/ou críticas sobre textos adaptados, nem pretende trazer ensaios analíticos sobre as diferenças entre cada linguagem nem opinar sobre resultados bem ou mal sucedidos na (complexa) relação entre essas duas formas de arte, frequentemente simbióticas: a publicação deixa bem claro na capa que se trata de um “Guia de 1780 escritores e suas obras adaptadas”.



Portanto, a intenção dos autores foi a de nos oferecer um alentado catálogo (524 páginas) que parte dos escritores em ordem alfabética de sobrenome, listando em seguida, para cada um, os títulos de seus livros filmados; seguem-se, para cada livro referido, o(s) nome(s) do(s) filme(s) correlato(s), o do roteirista e do diretor (de cada versão para a tela no caso de mais de uma), elenco e informações gerais (tais como o tempo de duração, o país de origem, ano de realização e disponibilidade no Brasil em VHS, Blu-Ray ou DVD, colorido ou preto-e-branco, etc). Por fim, uma sinopse do enredo com 5 linhas, em média. Os símbolos usados para nome do filme (máquina de projeção), roteirista (ponta de caneta), diretor (claquete) e elenco (uma estrela), mereceria uma legenda para pessoas menos familiarizadas.



O esforço dos autores parece ter sido enorme, a pesquisa exaustiva e o guia pode ser bastante útil, especialmente para a “busca dos filmes no mercado”, tal como está dito na orelha desta edição. Neste mesmo texto é dito que a motivação da obra foi a necessidade de localizar determinados autores e seus textos – romances, contos, poemas, diários e até mesmo artigos de jornais – nas produções cinematográficas.



Dentro de tais objetivos, a catalogação só merece elogios, inclusive por ser abrangente quanto a poemas e artigos na imprensa. O ponto de partida é claramente literário (os escritores) e não se pode questionar o livro pelo que ele não pretendeu ser, mas para o leitor que privilegie a informação cinematográfica, pode haver algumas decepções se não for considerado o método e os objetivos específicos. Por exemplo, no verbete “Shakespeare”, em relação a “Hamlet”, por não ser disponível comercialmente no Brasil, não há menção à mais cinematográfica (e para muitos shakespearianos, a mais bem-sucedida) das versões desta peça para o cinema: a de 1964, realizada por Grigori Kozintsev. Até mesmo pela imprevisibilidade do caótico mercado nacional de lançamentos em mídias caseiras (DVD, Blu-Ray), nada impede que no próximo mês este Hamlet esteja disponível entre nós (o que seria ótimo).



Claro que se os autores pretendessem listar todas as versões de Hamlet teriam que mencionar mais de 40 filmes, e se assim fosse feito para todos os textos literários catalogados teríamos um “tijolo” de milhares de páginas. O que estamos apontando é o privilégio dado à obra literária e nem tanto aos filmes, dentro do fator limitante que é a “busca desses vídeos no mercado”. E aqui temos outra questão: os filmes que foram lançados em fitas de vídeo são praticamente “inencontráveis”: poucas pessoas ainda possuem aparelhos de vídeo-cassete funcionando e as locadoras raramente ainda mantêm tais lançamentos disponíveis. Se a intenção era facilitar que se tenha acesso no Brasil às versões cinematográficas disponíveis, não seria o caso de restringir o catálogo ao que existe lançado no formato DVD? E assim sendo, abrir algumas exceções para versões fílmicas de maior importância, mesmo que ainda lançadas apenas em outros países?



Mesmo dentro dos objetivos desta obra, cabe apontar uma outra questão, relativa aos títulos originais: no caso dos filmes, todos os que consultamos traziam os títulos brasileiros e os originais – o que, sem dúvida é importante, tal a capacidade “imaginativa” de certos modos de “rebatizarem” filmes por aqui (“Reflections in a Golden Eye” foi travestido para um moralista Pecados de todos nós; “Bus Stop” para o mais saidinho Nunca fui Santa e “The Wild Bunch” ficou como um pomposo e nada-a-ver Meu ódio será tua herança). Mas por que nem sempre termos acesso aos títulos originais das obras literárias?



Pois também há casos de livros – ou peças - com títulos nacionais muito diferente dos originais: um caso famoso é o de “The Children’s Hour”, texto teatral de Lillian Hellman, encenado no Brasil na década de 1950 como Calúnia (mas outras montagens podem ter tido outras traduções); no cinema teve duas versões (uma delas como These Three e outra teve The Loudest Whisper como título alternativo), mas ambas foram renomeadas de Infâmia entre nós. No guia em questão só lemos como obra original literária Calúnia, embora o título The Children’s Hour apareça para um dos filmes.



Aliás, “The Little Foxes, da mesma Hellman virou filme em 1942, intitulado aqui de Pérfida - e já teve lançamento nacional em DVD com o nome modificado para Perfídia que não foi incluido neste guia.



É verdade que uma obra de tal magnitude não teria jamais como ser absolutamente completa, e nos parece que no caso de livros e filmes nacionais as indicações são bastante precisas, o que é particularmente importante para nossa cinematografia, permitindo sua utilização com enorme riqueza informativa para pesquisa e ampliação de interesses, como, por exemplo apenas, proceder a análises comparativas, se houver tal foco de interesse. Já nada se poderá fazer quanto ao mau uso por parte de estudantes que precisariam ler vários romances, mas que se limitam a alugar as versões em vídeo para ter alguma noção do enredo e responder perguntas banais em provas escolares, prática corrente que já faz parte do nosso mau “jeitinho” de empobrecimento cultural, coisa contra a qual obras como esta podem servir, com méritos.

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