Críticas


VINCERE

De: MARCO BELLOCCHIO
Com: GIOVANNA MEZZOGIORNO, FILIPPO TIMI, CORRADO INVERNIZZI
13.08.2010
Por Luiz Fernando Gallego
UM BELO ESBOÇO

Não se pode acusar Marco Bellochio de ser um cineasta pouco original em suas abordagens de questões políticas contemporâneas. Desde A China está Próxima (1967), passando por Olhos na Boca (1982) até o mais recente Bom Dia, Noite (2003), seus filmes surpreendem pelos ângulos insólitos através dos quais tenta discutir impasses da esquerda (e não só) nas últimas cinco décadas. Em Diabo no Corpo mesclou outro tema que frequentemente lhe interessa, o sexo (como em O Processo do Desejo, de 1990), acabando por obter mais sucesso pelo escândalo de uma cena de fellatio explícito do que pelas questões políticas.



É neste tipo de digressão (e ambição?) que muitas vezes seus filmes perdem um pouco seu rumo, deixando de lado excelentes premissas para se transformarem em leques excessivamente abertos, plenos de desenvolvimentos idiossincrásicos, nem sempre os mais interessantes para o rsultado final. Se em A Hora da Religião (2002) os caminhos vicariantes não comprometiam tanto o resultado da diatribe em que um homem ateu ficava indignado ao ser comunicado pelo Vaticano de que sua mãe - que ele conhecera na intimidade sem motivos para admiração - poderia ser elevada aos altares como uma nova santa da Igreja Católica, em O Casamento (Il Regista di Matrimoni, 2006) deixou a impressão de que o filme não dava conta de todas as aspirações pretendidas.



Em Vincere, Bellocchio revê um ângulo menos conhecido da biografia de Benito Mussolini: seu envolvimento com Ida Dalser que teria sido sua amante quando ele já era casado com 4 filhos. Ela se dedicou integralmente a ele e a seus ideais, usando toda sua fortuna para a fundação de um jornal fascista.



Em Bom Dia, Noite Bellocchio reescreveu o desfecho do trágico seqüestro de Aldo Moro pelo grupo terrorista Brigadas Vermelhas como um sonho protraído de realização de desejo (o desejo de que a História real tivesse sido diferente). Desta vez, ele investe mais na vida da mulher que amou o futuro aliado de Hitler do que na vida pública (e mesmo em outros aspectos pessoais) do homem público. As canalhices da vida privada de um ditador ganham destaque maior do que seu patético governo ditatorial, frequentemente visto sob o ângulo de uma “bufoneria” – quando factualmente o fascismo italiano foi trágico, apenas com menor destaque em relação às atrocidades nazistas na Alemanha.



É bastante sugestivo que Bellocchio tenha querido aludir a outro “bufão”, atualmente no governo italiano, Berlusconi – cabendo lembrar que enquanto se ridicularizava a incultura dos militares brasileiros em piadas, um estado terrorista se espraiava, vencendo de modo violentíssimo os ideais humanistas associados ao socialismo, matando gente e travando o desenvolvimento brasileiro por décadas.



Bellocchio mostra o ridículo do Mussolini real em cine-jornais de época que falam por si só em som&imagem - mas não havia muito do que se rir. O roteiro acaba centrando sua segunda metade (ou mais tempo) na tragédia de Ida e do filho que ela teria tido com “Il Duce”, mostrando o aprisionamento da mulher pela conivência do poder médico-psiquiátrico asilar pervertido para interesses particulares dos poderosos. E em conluio com a Igreja Católica, perfazendo um enorme interesse político para o homem que antes menosprezava a religião, mas agora se servia dela (com anuência dos poderes eclesiásticos, é claro) para se manter governante sobre uma população de forte tendência submissa às supostas “leis de Deus” - e da Igreja, é óbvio.



Os cinejornais e muitos outros fragmentos de filmes de época também perpassam a estrutura de Vincere, deixando a impressão de que Bellocchio também queria falar muito de Cinema, tanto quanto de Mussolini, Berlusconi, Igreja, Religião - e de sexo (a atração do futuro ditador pela bela mulher na pele da lindíssima atriz Giovanna Mezzogiorno é essencial na primeira metade do filme).



Com tantos caminhos abertos e um enfático privilégio dado ao drama pessoal de Ida e de seu filho, Vincere perde algum fôlego na segunda metade, ficando como um belo esboço que carecia de um melhor direcionamento do roteiro (e de tantas idéias) para servir ao cineasta instigante que Bellocchio sempre é. Mas com exceção talvez de seu primeiro filme (De Punhos Cerrados, de 1965), o diretor sempre parece melhor do que sua obra, onde este filme ainda alcança um dos melhores resultados.



VINCERE (VINCERE)

Itália, 2009

Direção e roteiro: MARCO BELLOCCHIO

Fotografia: DANIELE CIPRI

Montagem: FRANCESCA CALVELLI

Música: CARLO CRIVELLI

Direção de arte: BRISEIDE SICILIANO

Elenco: GIOVANNA MEZZOGIORNO, FILIPPO TIMI, CORRADO INVERNIZZI, FAUSTO RUSSO ALESI, MICHELA CESCON

Duração: 128 minutos



Texto revisto a partir do publicado quando da exIbição do filme no Festival do Rio 2009

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