Críticas


ABUTRES

De: PABLO TRAPERO
Com: RICARDO DARÍN, MARTINA GUSMAN, CARLOS WEBER, JOSÉ LUIS ARIAS
03.12.2010
Por Luiz Fernando Gallego
DOIS PERDIDOS EM MUITAS NOITES SUJAS

Texto revisto a partir do que foi publicado durante o Festival do Rio 2010



O cineasta argentino Pablo Trapero retoma em Abutres algumas características de seu filme anterior, o excelente Leonera (2008, já lançado em DVD no Brasil): há um enredo ficcional que se desenvolve sobre uma questão social. Na obra anterior, tratava das presidiárias grávidas e com filhos pequenos (já que na Argentina as crianças podem ficar nas cadeias com as mães até os 4 anos, idade em que são separadas). No novo filme, ele parte dos oportunistas que, como aves de rapina (e é isso a que se refere o título original Carancho), buscam vítimas de acidentes automobilísticos, atropelamentos e colisões graves, seja nos hospitais, seja em delegacias - e até mesmo nas ruas onde os acidentes acabaram de acontecer – com má intenção: enganar as pessoas e ficar com a melhor parte das indenizações.



Em Leonera havia intencional omissão de dados sobre a personagem central que era presa e condenada, ficando o foco centrado na vida dentro do presídio feminino e na questão da maternidade dessas mulheres. Era interessante a falta de definição sobre a conduta moral e verdadeira culpabilidade da protagonista, deixando de lado a busca da simpatia apriorísitca ou a identificação do espectador.



Em Carancho, também há omissão sobre o motivo que fez o personagem principal perder sua licença profissional, e, por isso, estar trabalhando como um “urubu” (ou “abutre” como quis o título brasileiro) em busca de vítimas para uma agência que busca obter procurações dos acidentados ou de seus parentes (quando houve morte) visando receber os seguros. Em princípio, este sujeito também não é nada simpático, mas ele chega a parecer ser “menos criminoso” do que outros do mesmo ramo e ainda piores do que ele em enganar os clientes mais humildes, ingênuos e desinformados.



Da mesma forma, há todo um desenvolvimento do relacionamento entre este homem e uma médica de pronto-socorro cuja atividade profissional a deixa sempre próxima dos feridos nas ruas. Sua vida pessoal também inclui aspectos sórdidos, e será como dois perdedores que eles vão se identificar e passar a viver uma possibilidade de escaparem dos aspectos mais mórbidos do que fazem e de como vivem.



Como no filme anterior, a protagonista feminina é Martina Gusman (esposa do diretor) em outra excelente participação. E ao lado dela Ricardo Darin surge recuperado do “piloto automático” menos expressivo que foi sua participação em O Segredo dos seus Olhos. A tela larga usada pelo diretor busca constantemente os rostos dos atores em planos fechados, situação em que seus desempenhos ficam mais expostos, sendo que a dupla se mostra exemplar no que lhes é (muito) exigido.



A câmera é sempre tensa, havendo várias tomadas circulares nos planos-seqüência em movimento quase incessante, mantendo a atenção e tensão da plateia: tanto para o que é visto em foco como no que sai e entra em cena à medida em que a câmera se move. A linguagem visual utilizada não é gratuita para atender a um modismo ou virtuosismo estéril, mas faz parte de uma interessante variação na forma de abordar temas típicos de “filme noir”, como o da corrupção envolvente e a busca de redenção por parte de alguém que tenta emergir da lama moral a qualquer preço.



Pode-se apenas e eventualmente questionar o desfecho do roteiro como uma saída na base de “solução” de enredo com ajuda de um “deus ex machina” (ou mesmo de um anti-deus ex machina”). Mas não há prejuízo algum do melhor que o filme sustenta habilmente.



Participou da mostra “Um Certo Olhar” do Festival de Cannes 2010.e foi exibido na seleção “Foco Argentina” do Festival do Rio neste mesmo ano.



# ABUTRES (CARANCHO)

Argentina/França/Chile, 2010

Direção: PABLO TRAPERO

Roteiro: ALEJANDRO FADEL, MARTÍN MAUREGUI, SANTIAGO MITRE e PABLO TRAPERO

Fotografia: JULIAN APEZTEGUIA

Edição: PABLO TRAPERO e EZEQUIEL BOROVINSKY

Direção de Arte: MERCEDES ALFONSÍN

Elenco: RICARDO DARÍN, MARTINA GUSMAN, CARLOS WEBER, JOSÉ LUIS ARIAS

Duração: 107 minutos

Site oficial: http://www.caranchofilm.com



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