Críticas


FEMME FATALE

De: BRIAN DE PALMA
Com: REBECCA ROMIJN-STAMOS, ANTONIO BANDERAS, PETER COYOTE, GREGG HENRY
27.01.2003
Por Daniel Schenker
ASSIM NA TELA COMO NA VIDA

O personagem principal do novo filme de Brian De Palma não é a femme fatale do título, e sim a tela. A tela transparente de um banheiro, que permite ao público assistir ao encontro sexual clandestino entre duas mulheres, a tela do computador, da televisão e de uma minicâmera – alusões diversas à tela da sala de projeção. O diretor lembra o espectador a cada instante que se trata de um filme e, mais do que isto, sublinha a natureza artificial do cinema.



Em Femme Fatale , esta esfera artificial está repleta de tipos traiçoeiros e espertos, todos com telhado de vidro mas capazes de tecer teias complexas e de se desenredar delas com a lógica da absoluta desfaçatez de quem pergunta se, de fato, “açúcar não é melhor do que vinagre”. E é com esta sem cerimônia que De Palma se aproxima da vida – em momentos mais (a crença na onipotência, no vale tudo, porque “este mundo é um inferno e nós somos uns otários”) ou menos cínicos (o instante seguinte a uma tragédia familiar, no qual se pode decidir entre o suicídio e seguir em frente “ultrapassando” – de forma aparentemente mágica mas nem por isso menos real – anos de formulação interna).



Não por acaso, leva um bom tempo para o espectador conseguir reter Femme Fatale nas próprias mãos – e, quando isto acontece, Brian De Palma logo trata de tornar seu filme novamente escorregadio. De qualquer modo, a gelada e robótica Laura Ash (Rebecca Romijn-Stamos) vai se tornando mais palpável – literalmente mais carnal – à medida que o filme avança. Ao manipular o ex-paparazzo Nicolas Bardo (Antonio Banderas, em registro que lhe permite brincar com seu pré e pós-Hollywood), Laura evidencia um jogo algo sádico imposto pelos exibicionistas aos voyeuristas (“Todos nós queremos ver muitas pessoas. Mas felizmente elas não são obrigadas a nos ver”, diz uma advogada, num dado momento). Um esquema comum tanto no contato filme-platéia (e o próprio Femme Fatale assume o seu virtuosismo) quanto nos acordos (concretos ou inconscientes) que ditam o andamento dos relacionamentos no mundo real.



Investindo suas fichas numa figura feminina que consegue o que quer devido à segurança de seu poder, expresso nas atitudes (ausência de padrões morais e éticos à parte) e nas frases de efeito (“Eu sou uma garota má. Não tenho coração”), Brian De Palma mostra que o cinema pode ser um meio adequado na superação das limitações humanas. Paradoxalmente, parece dizer que as tais limitações são menores do que se apregoa. Afinal, para mostrar o mesmo fato através de diferentes perspectivas e/ou ações concomitantes, De Palma divide não só a tela como a mente do espectador (e a possibilidade de gerenciar mais de um pensamento é, até certo ponto, uma operação viável). Não é à toa que costumam dizer que a vida parece coisa de cinema.



# FEMME FATALE

EUA, 2002

Direção e roteiro: BRIAN DE PALMA

Produção: TARAK BEM AMMAR E MARINA GEFTER

Fotografia: THIERRY ARBOGAST

Trilha Sonora: RYUICHI SAKAMOTO

Elenco: REBECCA ROMIJN-STAMOS, ANTONIO BANDERAS, PETER COYOTE, GREGG HENRY, ERIQ EBOUANEY, EDOUARD MONTOUTE E THIERRY FRÉMONT

Duração: 115 minutos

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