Críticas


LOUCO AMOR DE YVES SAINT LAURENT, O

De: PIERRE THORETTON
11.12.2010
Por Susana Schild
AS DESMEDIDAS DO AMOR

Um pungente e lúcido discurso marcou a despedida de Yves Saint Laurent da vida profissional em 2002. Sob os flashes de fotógrafos, não se encontrava um criador no ocaso da carreira, mas um homem de semblante torturado, que reconhecia seu papel transformador na moda feminina na segunda metade do século XX, mas também admitia uma longa batalha contra a depressão, o álcool, as drogas. Apesar da consagração internacional, YSL humildemente declarava que o maior triunfo de uma vida estaria no encontro consigo mesmo. É possível que ao morrer, em 2008, quando mereceu honras de Estado, YSL não tivesse atingido objetivo aparentemente singelo, mas inalcançável para quem forjou uma trajetória sob o signo da fúria criativa, da transgressão e do risco em todos os sentidos.



O Louco Amor de Yves Sain Laurent , de Pierre Thoretton adota o discurso de despedida como ponto de partida para um alentado rastro atrás costurado por longos depoimentos de uma testemunha de peso: Pierre Berger, sócio e companheiro de YSL ao longo de 50 anos. Não é pouco tempo. Com uma expressiva carreira solo em várias esferas da vida pública, Pierre Berger viveu não à sombra, mas ao lado de YVS. Juntos construíram um império da moda e também valiosíssima coleção de arte, leiloada um ano após a morte do estilista. Juntos construíram, sobretudo, uma história de cumplicidade incondicional, apesar de estonteantes diferenças: austero, racional, controlado (pelo menos diante das câmeras) Pierre Berger desponta como a antítese de um gênio criativo que sucumbiu à recompensa mais cruel da qual foi amplamente merecedor: o excesso de fama.



Nascido na Argélia, YSL mudou-se aos 17 anos para Paris. Um ano depois era assistente de Christian Dior, e aos 21 seu sucessor. Aos 26 lançou sua primeira coleção, que o alçou imediatamente à posição de celebridade. O sucesso imediato foi seguido de uma convocação para lutar na Argélia, que resultou em sua primeira internação em um hospital psiquiátrico. Criador da grife prêt-à-porter e de várias outras inovações, como o ‘smoking’, até então impensável para cobrir formas femininas, YSL construiu uma carreira sólida, mas pontuada por dolorosos altos e baixos na esfera pessoal. “Nasci deprimido”, confessou uma vez. Um profissionalismo excessivo, uma criatividade doentia e o sucesso avassalador, ao invés de aliviarem essa marca de nascença, segundo Berger, produziram um efeito catastrófico sobre o companheiro: o alívio só surgia ao final de mais uma coleção – e de mais sucesso.



As revelações de Pierre Berger, colhidas ao longo de quatro meses, são entrecortados por cenas de arquivo – desfiles, festas, noitadas (ao lado de Mick Jagger, Andy Warhol), depoimentos de amigos e parceiros. Também são expostos os três refúgios que compartilharam: o apartamento-museu na Rue de Babylone, em Paris, a deslumbrante casa em Marrakesh, e o Chateau Gabriel na Normandia, onde YSL queria recriar o mundo de Marcel Proust, uma de suas referências.



Mesmo sem o corte perfeito das criações de YSL, com algumas sobras aqui e ali, O Louco Amor de Yves Sain Laurent propicia uma aproximação da intimidade de um personagem tão bem sucedido quanto atormentado a partir da visão de seu companheiro por cinco décadas, que enfrentou todas ao seu lado (e não foram poucas), sem perder a ternura. Jamais.



Versão integral da crítica publicada no Caderno Rio Show em 3 de dezembro



O LOUCO AMOR DE YVES SAINT-LAURENT (L’AMOUR FOU)

França, 2010

Diretor: PIERRE THORETTON

Fotografia: LÉO HISTIN

Montagem: DOMINIQUE AUVRAY

Música: COME AGUIAR

Duração: 98 minutos



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