Artigos


IRMÃS DIABÓLICAS

28.01.2003
Por Marcelo Janot
O CONTADOR DE HISTÓRIAS

Depois de dois fiascos (Olhos de Serpente, que só se salva pelo plano-seqüência inicial, e Missão: Marte, em que nada se salva), Brian de Palma voltou à forma com o recente Femme Fatale, seu primeiro filme desde que passou a morar em Paris. Longe das obrigações hollywoodianas, o melhor discípulo de Hitchcock parece muito mais relaxado para trabalhar seu cinema de referências e citações. Para entendê-lo melhor, uma boa dica é aproveitar o lançamento em DVD de Irmãs Diabólicas (Sisters) e voltar 30 anos no tempo.



Foi com essa produção de 1973 que De Palma chamou a atenção para seu nome e apresentou quase tudo o que viria a ser identificado como marcas registradas de sua obra _ o suspense explicitamente calcado em Alfred Hitchcock, as experimentações de linguagem sem prejuízos narrativos, o voyeurismo.



De Palma nunca escondeu de ninguém sua admiração pelo trabalho do mestre do suspense. Entre os poucos extras da edição nacional do DVD, há a transcrição de uma bela entrevista em que ele procura traduzir suas intenções como cineasta naquele momento de sua vida: admirador de Hitchcock e também de Roman Polanski, De Palma revela que queria, com Irmãs Diabólicas, apenas “aprender a contar uma história”. Para isso, partiu de uma matéria da revista Time (transcrita no DVD) sobre duas irmãs siamesas nascidas na Rússia que desenvolveram personalidades totalmente distintas.



A questão da confusão de personalidades envolvendo as personagens femininas se tornaria uma característica recorrente em vários de seus filmes (Carrie, Vestida Para Matar, Dublê de Corpo, Femme Fatale) e, é lógico, têm origem em duas obras-primas hitchcockianas: Um Corpo Que Cai e Psicose. A obsessão com o voyeurismo, além de referência a Janela Indiscreta, costuma ser atribuída a um trauma de infância: os pais de De Palma se separaram com a mãe acusando seu pai de infidelidade.



A primeira cena de Irmãs Diabólicas é um programa televisivo de auditório, um game show onde os participantes têm que adivinhar o que acontecerá em uma espécie de pegadinha: no caso, dizer se um rapaz vai observar uma mulher cega tirar a roupa ou não, se aproveitando da deficiência visual da moça. A função aparente da cena é apenas a de introduzir os personagens, mas vale a pena reparar que, na hora em que a platéia é mostrada, não há nenhum negro no auditório, só o rapaz que participa da gravação e como prêmio ganha um jantar para dois num restaurante... africano. Mais tarde, ele é identificado pelas vendedoras de uma confeitaria como “o homem de cor” que comprou um bolo. Essas referências sutis ao racismo velado da sociedade americana, pouco comuns no cinema ianque daquela época, são mais um foco de interesse do filme, que também cutuca de leve a questão da corrupção policial.



Mas como De Palma afirmou, o que lhe interessava mesmo era aprender a contar uma história. Nada melhor, portanto, do que partir de uma história verídica que envolve anomalias genéticas e psíquicas _ o caso das siamesas russas _ e transformá-la numa envolvente trama de suspense. No caso, Margot Kidder (que faria Superman quatro anos depois) interpreta a doce modelo franco-canadense que atua como a cega na gravação do programa e tem um ligeiro affair com o jovem publicitário negro com quem contracenou. Ela faz mistério sobre sua suposta irmã gêmea, e logo um assassinato estará sendo cometido hitchcokianamente com um punhal _ e observado hitchcockianamente por uma jornalista na janela vizinha. Depois, o cadáver será ocultado hitchcockianamente dentro do sofá, numa referência explícita a Festim Diabólico. Tudo isso embalado pela irretocável e assustadora trilha sonora de _ adivinhem _ Bernard Herrmann (nos extras, Brian de Palma diverte descrevendo seus encontros com o compositor preferido de Hitchcock).



Na entrevista, De Palma lamenta ter tido um orçamento de apenas US$ 500 mil, o que teria restringido sua liberdade de criação _ ele diz que, sem dinheiro, foi obrigado a trabalhar com planos mais fechados e não pôde ousar como gostaria na ambiciosa seqüência do sonho no final, um tanto psicodélica para o cinema americano de então. Mas se ele queria aprender a contar uma história, mostrou que foi ótimo aluno. Como se as limitações orçamentárias estimulassem sua criatividade, ele se permitiu desenvolver um recurso que também se tornaria uma de suas marcas registradas na experimentação de linguagem: a divisão da tela em duas para mostrar uma mesma situação de dois pontos de vista. E o faz de forma magistral, brincando com a montagem na cena em que tem-se a impressão de que é a vizinha batendo na porta do local do crime, e mostrando timing perfeito no momento em que acompanha-se, numa janela, os policiais chegando no prédio, e na outra o cadáver sendo escondido.



Definitivamente, um filme para deleite de iniciados na obra de Brian De Palma e também para aqueles que estão descobrindo-o agora, através de Femme Fatale.



# IRMÃS DIABÓLICAS (SISTERS)

EUA, 1973

Direção: BRIAN DE PALMA

Roteiro: BRIAN DE PALMA E LOUISA ROSE

Música: BERNARD HERRMANN

Fotografia: GREGORY SANDOR

Elenco: MARGOT KIDDER, JENNIFER SALT, CHARLES DURNING

Duração: 92 minutos

Região do DVD: 4

Legenda: Inglês, Espanhol, Português

Formato de Tela: Widescreen

Idiomas: Inglês (Dolby Digital Mono 1.0)

Extras: Biografia / Filmografia / Raro Estudo sobre Siameses na URSS / Artigo da Life Magazine que Inspirou De Palma / Behind The Scenes Stills / Poster Original / Menu Animado e Sonoro / Ensaio Sobre Irmãos Siameses

Distribuidor: Continental

Voltar
Compartilhe
Deixe seu comentário