(De Berlim)
DIZER, OU NÃO DIZER NADA
Acho que foi no início dos anos 80, não tenho certeza. Vi no Festival de Gramado um curta-metragem em 16mm. Chamava-se Zero a Zero. Eram dois personagens, um casal jovem na praia, vistos apenas da cintura para baixo. O dialogo era mais ou menos assim: “Oi”. “Tudo bem?”. “E ai?”. “Falou”. “Podes crer”. A menina e o rapaz não tinham nada a falar. Por isso, não aconteceu nada entre eles. Ficou no zero a zero.
O diretor era um garoto chamado João Emmanuel Carneiro. Mais tarde, virou roteirista de filmes como Central do Brasil e autor de novelas na Globo. João saiu do zero a zero porque tinha o que falar.
Não e de João que quero falar, mas de Paula Markovitch. É a mexicana que escreveu Lake Tahoe, um grande filme dirigido por Fernando Eimbcke, justamente sobre alguns personagens que não tem muito o que falar.
Paula dirigiu agora seu primeiro filme, O Premio, apresentado na competicão em Berlim. O Premio é mexicano, mas é todo passado na Argentina. Os personagens são argentinos, a questão é argentina.
Os personagens são uma mãe, e sua filha, de 8 anos. A questão é a ditadura militar no pais. Mãe e filha estão escondidas num pequeno vilarejo costeiro. Estão escondidas porque o exército parece ter capturado o pai e possivelmente vai atrás do resto da família. A garota não sabe bem o que esta passando, mas é especialmente inteligente. Foi escolhida pela professora para ser a oradora da turma, e dedurada por outra menina porque, na prova, deu cola a um colega.
Um soldado aparece na escola, anunciando um concurso entre as crianças. Elas devem escrever um pequeno ensaio sobre as Forças Armadas. O que a menina escreve, e entrega à professora, vai parar nas mãos da mãe. O exército, segundo a menina acuada, é mau e matou seus familiares. A mãe consegue permissão da professora para que a menina mude o texto, que passa a ser laudatório. Ela ganha com isso o primeiro premio, que será entregue numa solenidade do exercito, em Buenos Aires. Instala-se o conflito entre mãe e filha, entre a farsa e os limites da hipocrisia.
Paula Markovitch cria as situações com talento, e trabalha a narrativa de maneira especial, valorizando a ausência de dialogo entre mãe e filha reclusas, o tempo que não parece querer passar. Um belo filme, que se insinua a terminar varias vezes, mas que parece também não querer acabar.
Atenção: no parágrafo seguinte, em itálicos, ha informações sobre o enredo que revelam alguns elementos do desfecho do filme. Quem preferir, deve passar ao parágrafo seguinte
Até que no último momento, justamente no plano derradeiro, acontece o inesperado. A volta do pai promove um happy end que contradiz tudo o que O Premio parecia dizer ate então.
Como a filha de sua personagem, Paula reescreve sua própria história, para torna-la mais agradável a quem tiver que lê-la, para torná-la palatável e bizarra. Paula, como a menina, talvez tivesse o que dizer. Acaba dizendo o contrario. Seria melhor não ter dito nada.
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SYLVESTER CORIOLANUS
Antes de se tornar uma celebridade em Hollywood, Ralph Fiennes foi um ator shakespeariano. Mas, como insinuava Nelson Rodrigues, a falta de inteligência deveria ser vista como uma virtude no teatro. Nelson dizia isso para Zé Celso – "seja burro!", para que o diretor não ousasse interferir no seu texto.
Fiennes estréia como diretor no filme inglês em competição em Berlim: Coriolanus, o épico de Shakespeare sobre o general Caio Martius, que desdenhava dos plebeus romanos no sec. 4 AC e, por causa disso, foi deposto na praça muito antes do Twitter.
Shakespeare escreveu "Coriolanus" em 1607. Fiennes transpõe e ação para o tempo atual. E em Roma, o que é completamente inexplicável. Há dois mil e quatrocentos anos, Roma era o centro do mundo. Hoje é uma cidade da Itália – uma bela cidade, cuja importância para o cenário político mundial, no entanto, rivaliza com Nova Iguaçu.
Ao escolher o mundo contemporâneo, Fiennes troca as espadas por mísseis mas mantém o texto original. Impõe ao filme, ainda assim, um tom realista – o que o torna inaceitável para qualquer espectador. Reduz Shakespeare a um filme de ação convencional, com todas as explosões de praxe. Faz sentir saudades de Kenneth Brannagh – lorota que jamais imaginei que a vida pudesse me reservar.