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FESTIVAL DE BERLIM: FILMES EM COMPETIÇÃO

15.02.2011
Por Nelson Hoineff
FILMES EM COMPETIÇÃO

(De Berlim)



DIZER, OU NÃO DIZER NADA



Acho que foi no início dos anos 80, não tenho certeza. Vi no Festival de Gramado um curta-metragem em 16mm. Chamava-se Zero a Zero. Eram dois personagens, um casal jovem na praia, vistos apenas da cintura para baixo. O dialogo era mais ou menos assim: “Oi”. “Tudo bem?”. “E ai?”. “Falou”. “Podes crer”. A menina e o rapaz não tinham nada a falar. Por isso, não aconteceu nada entre eles. Ficou no zero a zero.



O diretor era um garoto chamado João Emmanuel Carneiro. Mais tarde, virou roteirista de filmes como Central do Brasil e autor de novelas na Globo. João saiu do zero a zero porque tinha o que falar.



Não e de João que quero falar, mas de Paula Markovitch. É a mexicana que escreveu Lake Tahoe, um grande filme dirigido por Fernando Eimbcke, justamente sobre alguns personagens que não tem muito o que falar.



Paula dirigiu agora seu primeiro filme, O Premio, apresentado na competicão em Berlim. O Premio é mexicano, mas é todo passado na Argentina. Os personagens são argentinos, a questão é argentina.



Os personagens são uma mãe, e sua filha, de 8 anos. A questão é a ditadura militar no pais. Mãe e filha estão escondidas num pequeno vilarejo costeiro. Estão escondidas porque o exército parece ter capturado o pai e possivelmente vai atrás do resto da família. A garota não sabe bem o que esta passando, mas é especialmente inteligente. Foi escolhida pela professora para ser a oradora da turma, e dedurada por outra menina porque, na prova, deu cola a um colega.



Um soldado aparece na escola, anunciando um concurso entre as crianças. Elas devem escrever um pequeno ensaio sobre as Forças Armadas. O que a menina escreve, e entrega à professora, vai parar nas mãos da mãe. O exército, segundo a menina acuada, é mau e matou seus familiares. A mãe consegue permissão da professora para que a menina mude o texto, que passa a ser laudatório. Ela ganha com isso o primeiro premio, que será entregue numa solenidade do exercito, em Buenos Aires. Instala-se o conflito entre mãe e filha, entre a farsa e os limites da hipocrisia.



Paula Markovitch cria as situações com talento, e trabalha a narrativa de maneira especial, valorizando a ausência de dialogo entre mãe e filha reclusas, o tempo que não parece querer passar. Um belo filme, que se insinua a terminar varias vezes, mas que parece também não querer acabar.



Atenção: no parágrafo seguinte, em itálicos, ha informações sobre o enredo que revelam alguns elementos do desfecho do filme. Quem preferir, deve passar ao parágrafo seguinte



Até que no último momento, justamente no plano derradeiro, acontece o inesperado. A volta do pai promove um happy end que contradiz tudo o que O Premio parecia dizer ate então.



Como a filha de sua personagem, Paula reescreve sua própria história, para torna-la mais agradável a quem tiver que lê-la, para torná-la palatável e bizarra. Paula, como a menina, talvez tivesse o que dizer. Acaba dizendo o contrario. Seria melhor não ter dito nada.

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SYLVESTER CORIOLANUS



Antes de se tornar uma celebridade em Hollywood, Ralph Fiennes foi um ator shakespeariano. Mas, como insinuava Nelson Rodrigues, a falta de inteligência deveria ser vista como uma virtude no teatro. Nelson dizia isso para Zé Celso – "seja burro!", para que o diretor não ousasse interferir no seu texto.



Fiennes estréia como diretor no filme inglês em competição em Berlim: Coriolanus, o épico de Shakespeare sobre o general Caio Martius, que desdenhava dos plebeus romanos no sec. 4 AC e, por causa disso, foi deposto na praça muito antes do Twitter.



Shakespeare escreveu "Coriolanus" em 1607. Fiennes transpõe e ação para o tempo atual. E em Roma, o que é completamente inexplicável. Há dois mil e quatrocentos anos, Roma era o centro do mundo. Hoje é uma cidade da Itália – uma bela cidade, cuja importância para o cenário político mundial, no entanto, rivaliza com Nova Iguaçu.



Ao escolher o mundo contemporâneo, Fiennes troca as espadas por mísseis mas mantém o texto original. Impõe ao filme, ainda assim, um tom realista – o que o torna inaceitável para qualquer espectador. Reduz Shakespeare a um filme de ação convencional, com todas as explosões de praxe. Faz sentir saudades de Kenneth Brannagh – lorota que jamais imaginei que a vida pudesse me reservar.

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