Texto publicado anteriormente no "Especial" do 64º Festival de Cannes
Jodie Foster tinha todos os méritos para exibir um filme hors concours em Cannes: atriz precoce, construiu sua carreira com papéis antológicos que vão da prostituta infantil de Taxi Driver, de Martin Scorsese (Palma de Ouro em Cannes, 1976), à investigadora determinada de O Silêncio dos Inocentes, de Johnathan Demme, que lhe valeu o Oscar de melhor atriz em 1992. Portanto, tapis rouge para ela como diretora. Mas precisava ser com The Beaver?
Em português, The Beaver (cuja tradução literal é “O Castor”) ganhou o comercialmente apelativo título de Um Novo Despertar; em francês, o intelectualmente não menos apelativo Le Complexe du Castor. Mais um exemplo de como as traduções podem falar por si da cultura de cada país.
O filme parece ter sido feito sob encomenda para livrar a barra do controverso Mel Gibson, recentemente envolvido em casos de agressão doméstica, alcoolismo e anti-semitismo, um currículo que faz de Von Trier um deliquente juvenil. Walter Black, seu personagem, é o herdeiro de uma bem-sucedida fábrica de brinquedos, casado com a atenciosa Meredith (Jodie Foster) e pai de dois filhos. Apesar do aparente sucesso, Walter enfrenta uma depressão profunda que o levará inclusive a tentativas suicidas.
Sua salvação, e aí vem a parte incrível da história, vem através de um boneco castor de pano, que, a pretexto terapêutico, lhe servirá de marionete para expressar seu self atormentado. Isso quer dizer que Mel Gibson passa grande parte do filme contracenando com o boneco de pano, lutando para retomar os negócios, voltar a ser bom marido e ótimo pai. É dura a vida do crítico.
Jodi Foster bem que se esforça para dar alguma dignidade ao filme, impondo alguma credibilidade humana a essa história improvável. Mel Gibson, por sua vez, agarra a chance de fugir ao ridículo com todas as forças. Tem a dura tarefa de dividir a indicação ao Oscar com um boneco de pano. Não é fácil, até porque em muitos momentos o destaque é o boneco.
O resultado é um filme insípido, com passagem garantida para a tevê, e provavelmente exibido hors concours em Cannes por razões que obedecem mais aos princípios do mercado do que aos da estética. Pelo humor involuntário, é candidatíssimo ao “Framboesa de Ouro” de pior filme do ano. E Jodie Foster leva a palmada de ouro.
# UM NOVO DESPERTAR (THE BEAVER)
EUA, 2010
Direção: JODIE FOSTER
Roteiro: KYLE KILLEN
Fotografia: HAGEN BOGDANSKI
Edição: LYNZEE KLINGMAN
Direção de Arte: ALEX DiGERLANDO, KIM JENNINGS
Música: MARCELO ZARVOS
Elenco: MEL GIBSON, JODIE FOSTER, ANTON YELCHIN, JENIFFER LAWRENCE
Duração: 92 minutos
Site oficial: http://www.thebeaver-movie.com/