A sinopse oficial de Chantal Akerman, de Cá é de uma simplicidade franciscana: “Um vídeo de entrevista”. E isso é tudo. Quando esteve no CCBB-Rio para uma retrospectiva em 2009, a cineasta belga sentou-se diante do crítico Leonardo Luiz Ferreira para uma entrevista on camera. O filme se resume a essa conversa que durou cerca de uma hora, sem incluir cenas de filmes de Chantal ou qualquer outro material que fugisse à situação-entrevista.
Ainda assim, ou talvez por isso mesmo, o filme de Leonardo e Gustavo Beck consegue fazer uma conexão profunda com o cinema de Chantal por conta do dispositivo cênico montado para a entrevista. Enquanto a atenção da entrevistada era naturalmente atraída pela câmera principal, colocada no eixo do entrevistador, uma segunda câmera a filmava de fora da sala, através da porta aberta. Na edição, optou-se por usar apenas essas imagens supostamente secundárias. O plano longo, fixo e único radicaliza um comportamento usual nos filmes da própria Chantal, deixando margem para um extracampo rico em interação com a imagem dela própria no centro do quadro.
Ela percebe a segunda câmera ao chegar à sala, e isso instala uma certa tensão em toda a cena. Esse plano lateral deixa à vista uma série de circunstâncias particulares, a começar pela formalidade da sala e uma certa solenidade com que tudo foi preparado. Percebemos melhor o desconforto de Chantal numa cadeira sobre a qual é improvisada um almofada para deixá-la mais alta e os pés quase não conseguem encostar no chão. Ficam mais expostas as suas reações diante das perguntas de Leonardo, a sua linguagem corporal no trato com os assuntos da entrevista, seu esforço para encher sucessivos copos de água, o ato de desobediência quando lhe pedem que não fume no recinto. Por tudo isso, o termo “um vídeo de entrevista” ganha um sentido mais, digamos, dramático do que sugeria inicialmente.
A pauta da entrevista foi composta por questões bem abertas, um tanto convencionais na cobertura dos aspectos clássicos de descoberta do cinema, roteiro, adaptação, composição de quadro, edição, relações entre documentário e ficção etc. Como resultado, temos algumas respostas genéricas que não atendem às especificidades do cinema da autora. Mas quando ela resolve aproveitar bem a deixa, surgem falas muito expressivas, especialmente sobre a relação do espectador com o tempo do filme e o desejo dela de não se limitar à mera experimentação. Surpreende também a sua confissão de que vai muito pouco ao cinema (“uma vez por ano”).
Chantal Akerman, de Cá tem um considerável interesse para cinéfilos hardcore, mas não pretende apresentar nem explicar a obra da autora de Jeanne Dielman e Hotel Monterrey. É quase experimental na secura com que se propõe a ouvi-la assim desse jeito, olhando-a de lado.
>>> Chantal Akerman, de Cá fica em cartaz no Cine Joia até quinta-feira próxima, na sessão das 21h, como parte do projeto Sessão Vitrine.
CHANTAL AKERMAN, DE CÁ
Brasil, 2010
Direção: GUSTAVO BECK, LEONARDO LUIZ FERREIRA
Realização: GUSTAVO BECK
Entrevista: LEONARDO LUIZ FERREIRA
Fotografia e câmera: JOÃO ATALA, RUDÁ CAPRILES
Edição: ANDRÉ MIELNIK
Som: EDUARDO PSILVA
Duração: 61 minutos