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JORGE ILELI: O SUSPENSE DE VIVER

17.06.2011
Por Carlos Alberto Mattos
ELY REVÊ ILELI

A amizade pessoal e a admiração profissional moveram o crítico Ely Azeredo a preparar para a Coleção Aplauso uma espécie de dossiê sobre o cineasta, crítico, jornalista e livreiro Jorge Ileli (1925-2003). Além disso, o livro é perpassado por dois sentimentos de perda: a pouca frequência com que Ileli dirigiu filmes (ele fez apenas quatro longas, dois curtas e um número não conhecido de cinejornais); e o desaparecimento ou deterioração de quase todos os negativos de seus filmes. De alguma forma, Jorge Ileli – O Suspense de Viver tenta preencher o vácuo de informações sobre um realizador que caiu numa espécie de limbo.



Ele não foi o único obscurecido entre os que viveram a fase de transição do cinema “velho” para o Cinema Novo, ao longo das décadas de 50 e 60 do século passado. Quanto se sabe e se fala hoje de Roberto Santos e Roberto Pires, por exemplo? Junto com Paulo Wanderley, Ileli dirigiu em 1953 um clássico que unia ensinamentos do neorrealismo italiano com traços de policial americano e apontava para uma modernidade prestes a desembarcar no cinema brasileiro: Amei um Bicheiro (1953). Depois realizou a comédia Mulheres e Milhões, o documentário O Mundo em que Getúlio Viveu e o thriller noir Viver de Morrer. Em comum entre todos, como bem destaca Ely, a origem em fatos que tiveram o primeiro impacto nas páginas do jornais.



Ileli foi jornalista de O Cruzeiro e crítico da revista de esquerda Diretrizes, mas a partir de certo momento dedicou a maior parte do seu tempo a conduzir negócios em restaurantes e livrarias. Foi dono da rede Entrelivros, e numa de suas lojas Ely Azeredo montou o Estúdio A, pioneiro na oferta de cursos e oficinas de roteiros para cinema e TV. Apesar dessa proximidade, numa época em que era grande a interação entre cineastas e críticos, o livro passa com certa velocidade pelos aspectos biográficos de Jorge Ileli. A preferência de Ely recaiu sobre os dossiês críticos e de reportagens sobre o seu cinema. Assim, somos reapresentados a textos de Sérgio Augusto, José Louzeiro, Fernando Ferreira, Antonio Olinto e Octavio de Faria, entre outros. Ao repescar um texto próprio, uma crítica de Amei um Bicheiro publicada em 1958, Ely nos recorda como podia ser ácido, mesmo ao falar de um filme que admirava com restrições:



“Já no caso de Eliana, o trabalho da direção foi frustrado. Privou-a de seu padrão habitual de boneca de engonço, de sucesso de programa de calouros, sem obter o mínimo de retribuição como sucedâneo. O resultado é uma atuação zumbi, constrangida: uma colegial lançada no set em transe hipnótico”.



Entre outros bons textos, o livro tem uma cintilante análise de José Carlos Monteiro sobre o Ileli crítico. Pena que as duas resenhas escolhidas para ilustrar essa faceta não sejam representativas do que ele devia ter de melhor. Alguma informação sobre os curtas do diretor seriam bem-vindas nesse dossiê. No que diz respeito à edição, o uso emaranhado de itálicos deixa o leitor às vezes perdido entre as várias vozes presentes no livro.



Mesmo com uma certa fragmentação, O Suspense de Viver ajuda a clarear áreas ainda obscuras na história do cinema brasileiro, normalmente contada com base nos grandes medalhões do passado, nos ícones cinemanovistas e na diversidade contemporânea. Jorge Ileli foi um daqueles discretos autesãos (misto de autores e artesãos) que fizeram a passagem e correm o risco de ficarem esquecidos no caminho.



>>> O livro pode ser comprado em livrarias ou lido/baixado no site da Imprensa Oficial do Estado de SP .

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