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PAULÍNIA FESTIVAL DE CINEMA – 4ª EDIÇÃO

08.07.2011
Por Daniel Schenker
PAULÍNIA FESTIVAL DE CINEMA

PREMIAÇÃO – FESTIVAL DE PAULÍNIA



Febre do Rato e RockBrasília vencem em Paulínia



O júri do 4º Festival de Paulínia – formado pela atriz Denise Weinberg, pela diretora de fotografia Heloisa Passos, pela crítica de cinema Isabela Boscov e pelos diretores Gustavo Moura e Sérgio Rezende – priorizou o cinema radical de Cláudio Assis concedendo sete dos oito prêmios recebidos por Febre do Rato . A decisão, que supervaloriza o filme (apesar de suas inegáveis e muitas qualidades), talvez tenha decorrido, em parte, do impacto causado pelo longa na última noite de competição.



Eventuais discordâncias à parte, o júri fez escolhas responsáveis e pertinentes: a decisão mais questionável é o prêmio de atriz coadjuvante para María Pujalte, por Onde está a Felicidade? , de Carlos Alberto Riccelli, em meio a tantos bons trabalhos de atrizes em personagens secundárias nos demais filmes apresentados. Parte da equipe de Febre do Rato já tinha sido premiada em outras ocasiões. Cláudio Assis saiu vitorioso de duas edições do Festival de Brasília com Amarelo Manga e Baixio das Bestas . Irandhir Santos ganhou como melhor ator coadjuvante em Paulínia, por Olhos Azuis , de José Joffily, e em Brasília, por Baixio das Bestas . Nanda Cunha foi eleita melhor atriz no Festival do Rio por seu trabalho em Sonhos Roubados , de Sandra Werneck.



Entre os documentários, RockBrasília – Era de Ouro , do veterano Vladimir Carvalho, ganhou o prêmio principal. O Palhaço , de Selton Mello, saiu da competição com quatro prêmios; Trabalhar Cansa ,de Juliana Rojas e Marco Dutra, com dois; e Onde está a Felicidade? , com dois. Os 3 , de Nando Olival, e Meu País , de André Ristum, não foram contemplados.



Filme (ficção) – Febre do Rato

Filme (documentário) - RockBrasília – Era de Ouro

Prêmio do Júri - Trabalhar Cansa

Direção (ficção) - Selton Mello ( O Palhaço )

Direção (documentário) - Maíra Bühler e Matias Mariani ( Ela Sonhou que eu Morri )

Ator – Irandhir Santos ( Febre do Rato )

Atriz – Nanda Costa ( Febre do Rato )

Ator coadjuvante – Moacyr Franco ( O Palhaço )

Atriz coadjuvante – María Pujalte ( Onde está a Felicidade? )

Roteiro – Selton Mello e Marcelo Vindicatto ( O Palhaço )

Fotografia – Walter Carvalho ( Febre do Rato )

Montagem – Karen Harley ( Febre do Rato )

Som – Gabriela Cunha, Daniel Turini e Fernando Henna ( Trabalhar Cansa )

Direção de Arte – Renata Pinheiro ( Febre do Rato )

Trilha Sonora – Jorge Du Peixe ( Febre do Rato )

Figurino – Kika Lopes ( O Palhaço )

Prêmio da Crítica (ficção) – Febre do Rato

Prêmio da Crítica (documentário) - Uma Longa Viagem

Prêmio do Público (ficção) - Onde está a Felicidade?

Prêmio do Público (documentário) - À Margem do Xingu – Vozes não Consideradas









SÉTIMA NOITE



À Margem do Xingu – Vozes não Consideradas



Como o próprio título indica, À Margem do Xingu – Vozes não Consideradas bate na tela como um documentário militante que coloca o espectador diante da polêmica construção da hidrelétrica de Belo Monte. Damià Puig entrevista moradores, professores, religiosos e representantes de cargos públicos em Altamira, na região amazônica. O resultado é flagrantemente parcial, ressaltando os prejuízos que a população sofrerá com a implantação da barragem. O diretor procura dar voz aos que costumam ser esquecidos diante das grandes decisões oficiais. A intenção pode ser boa, mas À Margem do Xingu se revela como mais um documentário que abraça uma causa sem se valer de procedimentos cinematográficos.



Febre do Rato



Com Febre do Rato , Cláudio Assis dá continuidade à sua proposta de cinema visceral, pulsante e catártico. Elege como personagem central Zizo (Irandhir Santos), um poeta explosivo, profético, desesperado e libertário, artista sem concessões (seria um alterego do diretor?) que não mede esforços para expressar suas ideias no tabloide que imprime. Como em seus filmes anteriores, Assis aposta na autoria do espectador (“a história quem cria é quem vê”, diz Zizo) e no rigor da construção da obra (destaque para a bela fotografia de Walter Carvalho, em preto e branco).



A galeria de personagens de Febre do Rato caminha na contramão do glamour, da assepsia e da ditadura estética. Ou nem tanto. Zizo faz sexo com mulheres mais velhas e distantes do padrão de beleza, mas elas só servem para passar o tempo. Quando se apaixona é pela bela Eneida (Nanda Costa), nome nada circunstancial, e com ela trava uma relação dolorosamente romântica, de danação e purgação diante da não consumação do ato sexual. Parcialmente ousado, o cineasta se revela comedido nas cenas entre o coveiro Pazinho (ótima interpretação de Matheus Nachtergaele) e o transexual com quem vive e na relação entre os homens presentes na cena de sexo com Rosângela (Mariana Nunes).



O roteiro de Hilton Lacerda dá voz ao verborrágico Zizo e salpica referências (“eu não sou o Jó da Bíblia”, afirma pela negação, em dado instante, Nachtergaele, trazendo à tona seu trabalho emblemático na montagem de O Livro de Jó , do Teatro da Vertigem). Restrições à parte, Febre do Rato é cinema escrito no próprio corpo que deve ser apreciado.





SEXTA NOITE



Ela Sonhou que eu Morri



O foco começa fechado e vai abrindo aos poucos. Este parece ser o movimento eleito por Maíra Bühler e Matias Mariani no documentário Ela Sonhou que Eu Morri . De início, o espectador percebe que os personagens, todos estrangeiros, estão presos por aparecerem vestindo uniformes. As informações vêm aos poucos. Surpreendentemente serenos, revelam que foram detidos por tráfico de drogas. Mas não há preocupação em fornecer histórico completo sobre nenhum deles.



Os diretores registram os depoimentos através de uma câmera parada diante dos entrevistados, que contam as suas histórias, às vezes em off, dentro de uma sala, sentados numa cadeira. No decorrer da projeção, o movimento de abrir o foco também se dá em relação ao espaço. Há rápidas passagens no refeitório e na biblioteca do presídio e depois na horta, num recorte de exposição do ambiente externo. A julgar pela biblioteca, não parece uma penitenciária brasileira. Em determinado momento, porém, um dos personagens informa que vive numa cela com outros nove presos onde só há seis camas. Centrado na força dos depoimentos, Ela Sonhou que eu Morri é, até agora, o melhor documentário exibido no Festival de Paulínia.



Trabalhar Cansa



O título do filme de Marco Dutra e Juliana Rojas parece uma bem-humorada provocação, caso seja considerada a conexão dos diretores com a Cia. do Latão, grupo de teatro conhecido pelo engajamento social e político. Brincadeiras à parte, o trabalho tem importância central no filme, que mostra uma fase crítica na vida de um casal, Helena (Helena Albergaria, atriz do Latão e presença constante nos filmes dos cineastas) e Otávio (Marat Descartes), a partir do momento em que ele perde o emprego e ela decide se aventurar na condução de um mercado de bairro.



Os diretores destacam as humilhações a que aspirantes a empregos são diariamente submetidos, em especial aqueles considerados como velhos pelo perverso mercado de trabalho. Enquanto Otávio enfrenta dinâmicas de grupo constrangedoras, Helena trava com os funcionários do mercado e a empregada de casa uma relação de constante vigilância e tensão. Dutra e Rojas também investem numa suspensão do realismo: misteriosos vazamentos no mercado acenam com uma perspectiva fantástica, mas sem deixar de reforçar psicologicamente a situação crítica dos protagonistas, agravada no decorrer dos dias. Em destaque, o refinado trabalho de som e o ótimo rendimento do elenco (Descartes e Albergaria á frente), que conta ainda com Lilian Blanc, outra atriz recorrente no cinema de Marco Dutra e Juliana Rojas.





QUINTA NOITE



Ibitipoca, Droba pra Lá



Felipe Scaldini elege o tempo como espinha dorsal do documentário Ibitipoca, Droba pra Lá através de depoimentos de moradores de vilarejos localizados no entorno da Serra do Ibitipoca. De início, sobressai o desencanto pelo presente em meio a quase nostálgicas evocações do passado. “Eu acho que isso aqui vai acabar. Ninguém vem. Só sai”, dizem. “Em relação ao tempo em que fomos criados, não é mais Ibitipoca”, reiteram. “O Padre hoje é muito preguiçoso”, constatam.



Mas o estranhamento não diz só respeito à partida de antigos moradores. Ibitipoca também mudou por causa da escalada do turismo. Ao abordar esse dado, o diretor envereda por um tom algo institucional que reduz consideravelmente o valor artístico do filme e evidencia o fato de se tratar de um projeto encomendado. Apesar do bom aproveitamento do som, há também recorrência na utilização de determinados recursos, como a manipulação da velocidade das imagens. Por mais que a aceleração das imagens contraste com o registro de localidades que parecem estacionadas no tempo, Ibitipoca, Droba pra Lá sofre com excesso de interferências visuais.



Os 3



Nando Olival reúne pontos recorrentes, mas sensíveis, próprios do debate artístico instaurado nos dias de hoje, em especial no que se refere às fronteiras entre verdade e representação, ator e personagem. A partir da história de três amigos que se conhecem ao ingressarem na faculdade, decidem morar juntos, estabelecem um pacto de não se relacionarem amorosamente e, tempos depois, aceitam transformar a rotina num reality show exibido na internet, o diretor lança determinadas questões. Exemplo: “você acha que uma pessoa que está sendo filmada vai expor sua intimidade?”, perguntam, chamando atenção para a impossibilidade de qualquer um se manter indiferente diante da presença de uma câmera.



Para eletrizar os internautas, os três simulam um triângulo amoroso, aderem ao abandono da noção de privacidade (tão comum nos dias de hoje) e passam a investir em situações ficcionais. Ou nem tanto. Algumas situações, inicialmente armadas, são apropriadas e se tornam verdadeiras no instante da interpretação – evocando, ao longe, uma passagem de Cidade dos Sonhos , de David Lynch. Outras referências vêm à tona, mais relacionadas ao triângulo amoroso do que aos tópicos em pauta: Jules e Jim , de François Truffaut, Os Sonhadores , de Bernardo Bertolucci, Proibido Proibir , de Jorge Durán. As associações não chegam a prejudicar Os 3 , que perde pontos, porém, com uma dramaturgia algo pueril (o gancho dos idosos avaliando a todo momento o projeto de reality show é um tanto inconsistente) e a evidente timidez no enfoque do homossexualismo.





QUARTA NOITE



A Cidade Imã



Através de quatro músicos estrangeiros, que transitam entre o clássico e o popular e escolheram o Rio de Janeiro para viver, Ronaldo German presta uma homenagem à cidade. O resultado, porém, evidencia vários problemas. Apesar de ter reunido um pequeno e interessante grupo de personagens (destaque para a cantora japonesa que passou a integrar o grupo Mulheres de Chico), o diretor envereda pela reiteração constante através de um retrato repetitivo de um Rio ensolarado, quase sempre registrado sob o ângulo da Zona Sul, repleto de mulheres bonitas e tomado pela paixão futebolística. A sensação é a de que o documentário dura bem mais que os divulgados 90 minutos. Para contrabalançar um pouco o tom institucional, German lembra a fama de cidade perigosa, mostra o trabalho comunitário de um dos personagens numa comunidade carente de Niterói e traz à tona as fortes chuvas que castigaram o Rio de Janeiro nos primeiros dias de abril de 2010.



Onde está a Felicidade?



Depois da melancolia dominante em O Signo da Cidade , filme que trazia São Paulo como personagem fundamental, Carlos Alberto Riccelli (diretor) e Bruna Lombardi (roteirista) apostam num projeto solar, contrastando, portanto, com o anterior. Trata-se de Onde está a Felicidade? , comédia doce-amarga centrada na jornada de autoconhecimento empreendida por uma apresentadora de programa de culinária afrodisíaca, Teodora (Lombardi), pelo Caminho de Santiago de Compostela. Com o casamento em crise, a protagonista deixa o marido (Bruno Garcia) em casa e parte com o amigo e parceiro de trabalho (Marcelo Airoldi) rumo à travessia espiritual. As coisas, claro, não saem conforme o esperado.



Carlos Alberto Riccelli evidencia conexão com o cinema de Pedro Almodóvar através do investimento numa estética kitsch e em tipos exuberantes. Mas não alcança voltagem de humor satisfatória. Poucas situações divertem em Onde está a Felicidade? , filme que reedita diversos recursos já vistos pelo público em muitas produções. Exemplos: mostrar um personagem fazendo algo que ele acabou de dizer que não faria de jeito nenhum; e destacar um acerto de contas íntimo no meio de um grupo de desconhecidos. A parte final, ambientada no Piauí, soa especialmente deslocada.





TERCEIRA NOITE



Rock Brasília – Era de Ouro



Cineasta profundamente ligado à Brasília, o paraibano Vladimir Carvalho traz à tona a efervescência das bandas de rock na capital no documentário Rock Brasília . A era de ouro, como anuncia o subtítulo, abarca desde o final dos anos 70, com Brasília ainda “silenciada pelos militares”, através de iniciativas como a banda Aborto Elétrico, até a segunda metade dos anos 80, quando os grupos musicais se dissolveram ou sentiram necessidade de partir para reinvenções.



Diretor de Conterrâneos Velhos de Guerra , sobre a construção de Brasília, e Barra 68, Sem Perder a Ternura , sobre o fechamento de uma luminosa Universidade de Brasília (UnB), Vladimir volta seu foco sobre a capital (através de bandas como Plebe Rude, Capital Inicial, Legião Urbana e Paralamas do Sucesso), ao mesmo tempo em que a transcende. Faz um filme sobre uma juventude vibrante, impetuosa e rebelde, que afirmou uma expressão artística contundente na Colina, superquadra sem número dentro da UnB, em meio “às tardes infindáveis, morosas, de Brasília”, como assinala Herbert Vianna.



Opção discutível, Rock Brasília é estruturado a partir de uma sucessão de entrevistas, muitas com a presença evidenciada do próprio Vladimir, que destaca depoimentos de pais e filhos, resgata imagens de arquivo – tanto de entrevistas com Renato Russo e Herbert Vianna, entre o final da década de 80 e a primeira de 90, quanto de shows, como a explosiva apresentação da Legião Urbana no Mané Garrincha – e fatos emblemáticos – evocações de Renato Russo cortando os pulsos e, tempos depois, recebendo o diagnóstico de HIV positivo.



Meu País



Meu País revela filiação a um universo temático comum às produções exibidas no Festival de Paulínia: a busca ou o resgate da identidade. No longa-metragem de André Ristum, dois irmãos (interpretados por Rodrigo Santoro e Cauã Reymond) se reencontram a partir da morte do pai (Paulo José) e descobrem a existência de uma irmã (Débora Falabella) portadora de deficiência intelectual. O desejo de falar sobre identidade aparece estampado no próprio título, mas, paradoxalmente, o filme resulta bastante impessoal.



André Ristum assina um filme que explicita diante do espectador o seu cálculo. Uma produção que visa ao mercado externo (em parte, falada em italiano, possível decorrência da trajetória do diretor no país, como assistente de Bernardo Bertolucci em Beleza Roubada ), contando, para isto, com a escalação de atores famosos (Santoro, com entrada na esfera internacional, Reymond e Falabella), de um determinado tratamento estético (tons esmaecidos) e uma história pautada por conflitos que tendem a seduzir parte do público, apesar de sua construção um tanto fácil. Afinal, não é a primeira vez que o espectador se depara com irmãos definidos a por contrastantes – um yuppie retraído no terreno afetivo e um bon-vivant inconsequente. Difícil para os atores driblar personagens tão pouco multifacetados.









SEGUNDA NOITE



Uma Longa Viagem



A competição do Festival de Paulínia começou com a exibição do documentário Uma Longa Viagem , de Lúcia Murat, que, depois do excelente Que Bom Te Ver Viva , volta a investir num filme assumidamente pessoal. Foca agora na sua trajetória e na de dois irmãos, Heitor e Miguel, que cresceram influenciados pelo ímpeto libertário dos anos 60. Diferentemente de Que Bom Te Ver Viva , no qual Irene Ravache interpretava uma personagem alterego da diretora, agora a própria Lúcia narra o filme em primeira pessoa, sem se valer de uma construção ficcional como biombo transparente.



Lúcia Murat conta que a morte de um dos irmãos, Miguel, motivou-a a fazer o filme. Relembra sua trajetória: militante na luta armada desde os 19 anos, foi presa e torturada em 1971 e depois transferida para a Vila Militar como presa política. Saiu da cadeia em 1974, época “da abertura lenta e gradual”. A cineasta entrelaça a sua jornada com a do irmão, Heitor, que viveu sem amarras palmilhando a Índia e outros cantos do mundo e enveredou pelas drogas, imbuído de uma busca por transcendência.



A figura de Heitor se agiganta na tela. Além da conversa dele com Lúcia atravessar o filme, Caio Blat o interpreta – sem incorrer na ambição de espelhá-lo. A estrutura do filme inevitavelmente pende para Heitor, destacando ainda uma extensa troca de cartas, entre 1970 e 1978, e a proximidade com a loucura. “Houve um momento, nos anos 60, em que enlouquecer tinha um charme”, afirma Lúcia Murat, atentando para a frequente abordagem romântica da loucura. A jornada de Lúcia fica em segundo plano e a de Miguel, em terceiro – em parte, por evidente decisão da diretora, que optou por não esclarecer as causas da morte dele.



O Palhaço



A esfera pessoal também reverbera em O Palhaço , segundo longa-metragem de Selton Mello como diretor. Depois de Feliz Natal , Selton volta a falar sobre família, mas contrastando com o tom do outro trabalho. Se antes imperavam os elos sanguíneos arruinados, agora vínculos solares de uma família substituta atravessam o filme. Os personagens principais de O Palhaço são pai e filho e o cineasta ressalta, nos créditos finais, a importância da sua família (Danton Mello faz pequena participação); contudo, parece destacar que as relações de amizade tendem a ser mais leves do que as travadas com a família biológica. O desfecho, apontando para uma conciliação perfeita, soa um tanto idealizado.



O Palhaço conquista o público com sua natureza calorosa, a trilha sonora vibrante (de Plínio Profeta, boa, apesar de superutilizada), a ótima direção de arte (de Claudio Amaral Peixoto) e uma mensagem facilmente perceptível (é preciso, às vezes, se distanciar para revalorizar o que se tem) que pode ser verdadeira, mas bate na tela de maneira algo simplória. Valoriza a graça direta, porém não apelativa, dos antigos comediantes populares. Selton Mello, não por acaso, escalou artistas de sucesso no passado, como Jorge Loredo e Ferrugem. Moacyr Franco marca presença numa cena impagável. Ainda no elenco, Teuda Bara, integrante do Grupo Galpão, dirigido por Paulo José, coprotagonista de O Palhaço , nas montagens de O Inspetor Geral e Um Homem é um Homem .



Sem uma ambientação histórica definida, o filme louva o entretenimento artesanal, mostrando-o possível graças à plateia reduzida, mas bastante entusiasmada, do circo, homenageado através de sequências inteiras de gags protagonizadas por Selton e Paulo. O olhar de Selton Mello é esperançoso. Vale lembrar que, em 1979, Carlos Diegues já sinalizava, em Bye Bye Brasil , a perda de espaço do entretenimento artesanal diante da força da televisão.







PRIMEIRA NOITE



Corações Sujos



A quarta edição do Festival de Paulínia começou na noite da última quinta-feira com a exibição de Corações Sujos , novo filme de Vicente Amorim com lançamento comercial previsto para o período entre final de outubro e início de novembro. Depois da experiência de Um Homem Bom , o diretor volta a palmilhar terreno internacional, mas sem perder o Brasil de vista.



Escorado no livro homônimo de Fernando Morais, Amorim dirigiu atores japoneses numa produção falada, em grande parte, em idioma estrangeiro. Conta, porém, uma história ambientada em solo nacional – mais exatamente, a partir de fatos ocorridos em cidades do interior dos estados do Paraná e de São Paulo: a tragédia dos imigrantes japoneses que se recusavam a aceitar a derrota de seu país na Segunda Guerra Mundial. “Para o japonês, só há uma verdade: a honra do espírito japonês”, sintetizam. Entretanto, sustentar a ilusão torna-se cada vez mais difícil à medida que o tempo passa. Ecos de “o imperador é mortal” começam, pouco a pouco, a se impor, ameaçando a propagandeada indestrutibilidade do imperador Hiroito e do império japonês.



Absolutamente rígido, certo grupo não mede esforços para negar as evidências do contexto histórico no qual estão inseridos (universo temático que pode remeter, longinquamente, a A Vila , de M. Night Shyamalan). Takahashi (interpretado por Tsuyoshi Ihara, ator presente em Cartas de Iwo Jima , de Clint Eastwood) é incumbido de eliminar todos os que insistem em afirmar a verdade numa espiral de crescente violência e loucura. Vicente Amorim mostra como os japoneses eram segregados no Brasil através da proibição de se reunirem ou de manterem as próprias tradições por meio da preservação da língua pátria.



Brasileiros e japoneses, por preconceito ou intransigência, enxergam a realidade de modo deformado. Talvez esta constatação justifique o recurso de parte da imagem embaçada, presente em diversas cenas de Corações Sujos , mesmo que a opção se revele excessiva ao longo da projeção. Mais exagerada ainda é a superutilização da trilha sonora, valorizando climas emocionais a todo instante. O diretor se revela competente na criação de belos quadros, apesar de nem sempre originais (a imagem de um personagem sangrando, morto, num monte de algodão), no uso do som na evidenciação do processo de enlouquecimento dos personagens e no diálogo com o western. Mas Corações Sujos bate na tela como uma realização algo impessoal.







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