Hugo Carvana faz um filme sobre atores – particularmente, sobre a trajetória do ator brasileiro, sintetizada através dos personagens principais, Ramon e Lalau Velasco, pai e filho. O primeiro é uma espécie de empresário do segundo, que viaja o Brasil levando um show de humor centrado em suas agruras familiares.
Já aí, Carvana lança observações em relação ao teatro do passado e do presente. O show de Lalau remete ao formato atual (excessivamente valorizado) do stand up comedy – apesar das apresentações do personagem evidenciarem certo acabamento (como figurino) que o stand up, a princípio, não se propõe.
Mas o diretor também alude a gerações de atores do passado. Ao abordar o costume de palmilhar o Brasil apresentando espetáculos, costume que arrefeceu ao longo das décadas com a escalada da televisão e das várias formas de entretenimento e da perda de importância sofrida pelo teatro, Carvana traz à tona a sua geração de atores, composta por nomes como o de Fernanda Montenegro (mencionada, em determinado momento).
Hugo Carvana evoca ainda atores de geração anterior à sua. Não por acaso, interpreta no filme um personagem chamado Zimba, clara referência ao diretor polonês Ziembinski, que revolucionou o teatro brasileiro através da montagem de Vestido de Noiva , de Nelson Rodrigues, em 1943. A menção a Testemunha de Acusação , de Agatha Christie, pode remeter a outra artista estrangeira, nascida no mesmo ano de Ziembinski, 1908: Henriette Morineau.
Quando Leleco afirma que “virou ator de um papel só”, pode-se lembrar de astros das primeiras décadas do século XX, como Procópio Ferreira, que se notabilizavam em alguns personagens, particularmente aqueles que melhor se amoldassem às suas personalidades carismáticas. À medida que a projeção avança, Hugo Carvana salpica outras referências (como a de Marlon Brando) num constante entrelaçar de tempos diversos, destacado nas próprias escalações de Tarcísio Meira, astro de televisão há décadas, e Gregório Duvivier, promissor talento da nova geração.
Lalau e Ramon são atores com gosto pela composição, pela brincadeira, pelo jogo da representação. O prazer em trabalhar é o que Carvana procura sublinhar em Não se Preocupe, Nada vai dar Certo . Entretanto, permanece certo incômodo pelo fato de a característica própria do trabalho do ator – a capacidade de convencer os espectadores ao interpretar personagens (mecanismo entendido ocasional e apressadamente como habilidade na mentira) – ser resumida através de personagens que, mais do que artistas, se mostram como golpistas.
Mas o problema principal desse novo filme é mais simples. Hugo Carvana não voltou a acertar no humor, a apresentar uma comédia genuinamente carioca e divertida, como fez até O Homem Nu . Em todo caso, não seria justo deixar de destacar o timing de Gregório Duvivier, em especial a partir do instante em que parodia um guru indiano.