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FESTIVAL DO RIO 2011: FILMES DE FICÇÃO

19.10.2011
Por Críticos.com.br
FESTIVAL DO RIO 2011: FILMES DE FICÇÃO

OS SENTIDOS DO AMOR



LUIZ FERNANDO GALLEGO (com algumas informações de Jansy Mello que já colaborou no “Espaço Aberto” deste site)



O título brasileiro não traduz a ambiguidade do original Perfect Sense que seria algo que se diz quando uma coisa é "plena de sentido", jogando com a variante de um "sentido perfeito" ou mesmo “sensação perfeita".



O mínimo que se pode dizer sobre o roteiro do dinamarquês Kim Fupz Aakeson é que traz uma situação original. Se Contágio, de Steven Steven Soderbergh, também exibido neste Festival Rio 2011, não é muito mais do que um filme-catástrofe que trocou qualquer Godzilla ou Alien ou tsunami por um virus danado de ruim, Perfect Sense pode ser apocalíptico em outra direção.



Este filme pode ser perturbador sem ser totalmente desesperador ou apenas catastrófico.



Só não é melhor do que a única obra realmente BEM ACIMA da média que vi nesta Festival, A Separação, Urso de Ouro em Berlim e merecedor de muitos prêmios mais. Esse, sim, quase que lembra o Inferno de Dante (“Ó vós, que entrais, deixai de fora todas as esperanças") Só que o Inferno é o Irã, mas pode ser qualquer outro lugar do mundo onde a mentira, a dissimulação e a hipocrisia sejam mais do que regra, um modo de vida (?) e de relação (que destrói as relações). Outro modo de enfocar o inferno no cotidiano.



Pode ser que o cotidiano que vai ficando infernal em Sentidos do Amor tenha um tom de fábula menos profunda do que pretendeu (se é que pretendeu, pode ser que queira discutir apenas o que seria uma “sensação perfeita”), mas é bastante interessante que seu enredo faça com que, antes de perder o sentido do olfato em uma epidemia de causa(s) jamais esclarecidas, as pessoas tenham um "surto" de choro, de dor psíquica, de tristeza pelas perdas todas que sofreram, recentes ou mesmo há décadas.



E que outros afetos exaltados poderão vir a ser medo pânico; ou raiva, ira, fúria odiosa; ou uma alegria de amar e de querer compartilhar mesmo que seja como no carnaval da letra de Vinicius de Moraes..."prá tudo se acabar na quarta-feira..."



Perder o olfato - que é a forma humana mais próxima das formas primitivas de contato e do mundo animal, de uma época em que o humano recém evoluíra do quadrúpede (que vivia com a cara no chão) - seria uma espécie de alienação que não deixa de já estar acontecendo num mundo dos airwicks, sprays aromatizantes e desodorantes.



Nas "Cinco Visões Pessoais" ("Borges Oral & Sete Noites", Companhia das Letras, 2011), em uma das aulas o escritor imagina a supressão de quatro dos cinco órgãos sensoriais (na sua hipótese restaria apenas a audição) trazendo o desaparecimento da idéia de espaço, sem que a experiência e o conceito para o tempo desaparecesse pois ainda haveria fala, música, conversa e, portanto, ritmo, batida, sucessão. Uma idéia que também é tratada pelo Nabokov no livro "Ada ou Ardor" e que foi escrito mais ou menos na mesma ocasião de Borges (1978) e bem antes no outro livro de Nabokov, "Fogo Pálido": "o espaço é um enxame nos olhos, o tempo é um tinido no ouvido".



A irrupção das emoções sugere que se relacionam ao sistema límbico, tálamo e hipotálamo, rinencéfalo... os sites mentais que compõem a maior parte do proto-cérebro Já o filme do Soderbergh causou ondas de paranóia nos Estados Unidos e obrigou os governos a reconhecerem que estão despreparados para enfrentarem uma guerra química...



No prefácio ao livro do Borges há uma frase de Avelino José Porto, interpretando as leituras: ele fala sobre como "as imagens da arte perduram como espaços abertos da realidade...Marcadas pelo tempo, envelhecidas... ou esquecidas nos recônditos da memória, renascem permanentemente com sua força original para que nosso destino particular se transforme em destino humano, para que os conteúdos do passado se integrem à nossa vontade de continuar sua obra, a obra de todos". Ou seja, a transformação de um destino particular em um destino humano. É como se, apesar de humanos desde o instante do nosso engendramento, tivéssemos que trabalhar para chegar à humanidade. Freud cita Goethe: "o que herdaste, há que conquistá-lo ainda" e se trata em parte deste tipo de conquista.



Será que o roteirista de Sentidos do Amor e o diretor David Mackenzie que até agora não oferecia maiores expectativas) leram Borges e se inspiraram na ideia de perdermos os sentidos gradativamente?



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A SEPARAÇÃO



CARLOS ALBERTO MATTOS



Talvez só uma sociedade islâmica possa gerar filmes como A Separação. O moderno cinema iraniano, aliás, reflete muito as questões subjacentes à cultura islâmica. A noção de “guerra santa”, por exemplo, era dramatizada metaforicamente no cotidiano nos primeiros filmes de Jafar Panahi, Mohsen Makhmalbaf e Abbas Kiarostami. Já o magistral Asghar Farhadi trabalha em profundidade os limites entre ética e oportunidade, virtude e pecado, que fazem o lastro moral do cidadão iraniano.



Como no anterior Procurando Elly, Farhadi arma um tabuleiro de xadrez em que cada movimento de uma peça se reflete no conjunto. Em ambos os filmes, uma mentira é que detona os acontecimentos. É como se uma mentira fosse sempre capaz de alterar o mundo a partir daqueles que estão próximos. Para recompor o arranjo rompido, será necessário levar ao extremo o jogo das aparências e das conveniências. E o espectador à beira da poltrona de tanto suspense psicológico.



A primeira cena – o casal em plano fixo discute a separação com o juiz – nos mostra a excelência do trabalho de Farhadi com os atores e o texto (eles ganharam em conjunto os prêmios de melhor ator e atriz no Festival de Berlim). A sequência seguinte – a família em casa começa a se desorganizar com a saída da mulher – expõe a eficácia do diretor no trato com atores, espaços e sentido. Os múltiplos pontos de vista da cena e os movimentos um tanto confusos exprimem a desorientação geral. Dali em diante, os vários dilemas vão se cruzar e interagir num fluxo irresistível. Enquanto dois casais se acusam reciprocamente, oscila a balança entre os interesses ecnômicos, as regras religiosas, as normas judiciárias, a solidariedade familiar, o compromisso ético e a compaixão humana. Tudo isso repercute, em graus diferentes, sobre o olhar mais inocente de duas meninas e um avô com Alzheimer.



Talvez haja apenas uma “facilidade” na escrita de Farhadi: os lances definidores da trama são adiados para o espectador mediante a interrupção deliberada de certas cenas. Isso pode parecer um truque primário de roteiro, mas seus efeitos são tão satisfatórios que tendemos a perdoar.



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Os 3



DANIEL SCHENKER WAJNBERG



A partir da história de três amigos que se conhecem ao ingressarem na faculdade, decidem morar juntos, estabelecem um pacto de não se relacionarem amorosamente e, tempos depois, aceitam transformar a rotina num reality show exibido na internet, o diretor lança determinadas questões. Exemplo: “você acha que uma pessoa que está sendo filmada vai expor sua intimidade?”, perguntam, chamando atenção para a impossibilidade de qualquer um se manter indiferente diante da presença de uma câmera.



Para eletrizar os internautas, os três simulam um triângulo amoroso, aderem ao abandono da noção de privacidade (tão comum nos dias de hoje) e passam a investir em situações ficcionais. Ou nem tanto. Algumas, inicialmente armadas, são apropriadas e se tornam verdadeiras no instante da interpretação – evocando, ao longe, uma passagem de Cidade dos Sonhos , de David Lynch. Em Os 3 , Nando Olival aborda as fronteiras entre verdade e representação, ator e personagem.



Outras referências vêm à tona, mais relacionadas ao triângulo amoroso do que aos tópicos em pauta: Jules e Jim , de François Truffaut, Os Sonhadores , de Bernardo Bertolucci, Proibido Proibir , de Jorge Durán. As associações não chegam a prejudicar Os 3 , que perde pontos, porém, com uma dramaturgia algo pueril (o gancho dos idosos avaliando a todo momento o projeto de reality show é um tanto inconsistente) e a evidente timidez no enfoque do homossexualismo.



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NO GELO, de Andrew Okpeaha MacLean



Luiz Fernando Gallego



Em Berlim 2011, No Gelo recebeu o prêmio de melhor longa de estréia e levou o ‘Urso de Cristal’ da Mostra Geração. O enredo parece ser um desenvolvimento do curta-metragem Sikumi (traduzido igualmente como “On the Ice” como título internacional) pelo qual o diretor Okpeaha MacLean recebeu vários prêmios. A situação de base já foi bastante explorada no cinema: uma briga entre amigos causa a morte acidental de um deles e para esconder outros deslizes (os brigões haviam bebido e fumado alguma droga) decide-se esconder o corpo e comunicar o desaparecimento do morto de modo “acidental” mas sem participação de outrem no acidente fatal.



No caso deste filme, todo filmado na pequena comunidade de nome Barrow (Alaska) com seus moradores de ascendência Inupiati (esquimós), o corpo é jogado em uma brecha do gelo.



O cerne do filme é a questão moral que atravessa toda a conduta dos personagens, mais diretamente os dois jovens que escondem o corpo e o pai de um deles, Qalli (o mais “certinho”, em oposição ao seu grande amigo “troublemaker”, Aivaak). Os três atores centrais correspondem muito bem aos seus papéis.



É muito interessante para o espectador brasileiro entrar em contacto com uma turma de jovens, que chamamos genericamente de “esquimós”, cantando hip hop, usando maconha (ou algo mais), preocupados com ida para a Universidade ou com a gravidez não-planejada de sua garota, armando festinhas na ausência dos pais, bebendo, brigando – enfim, um grupo tão universal quanto qualquer outro nesta faixa etária e que vistos desse modo perdem a conotação de tão “diferentes” - ainda que, ao mesmo tempo, lhes seja comum sair armados para caçar focas, leões marinhos ou alces (para congelar e servir de alimento), usar um dialeto (especialmente os mais velhos) ao lado do inglês dominante, movimentarem-se em modernas motos especiais para neve em um ambiente cuja temperatura chega a menos de 40 graus negativos no inverno, onde o sol não se põe entre Maio e Agosto e nunca aparece entre Novembro e Janeiro. Segundo o cineasta (ele também um Iñupiaq criado nesta cidadezinha), a história que ele conta “pode acontecer em qualquer lugar do mundo, mas o modo como acontece só poderia se passar ali”.



A fotografia de Lol Crawley utiliza o cenário gelado e quase todo branco para o clima emocional de isolamento (e desalento). A vivacidade dessas tomadas externas pela câmera de Okepeaha MacLean enquadra bem as imagens mais densas utilizando-se de takes à distância que funcionam adequadamente e são bem articuladas pela edição. Cabe ainda destacar a música de iZLER (o nome deste compositor tcheco é escrito assim mesmo). Agora é torcer para entrar na respescagem do “festival última chance” pois é outro filme “pequeno” mais bem sucedido nos resultados do que certos experimentalismos frustrados e frustrantes.



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TERRAFERMA



DANIEL SCHENKER WAJNBERG



“As coisas mudaram”, avisa o policial ao apreender o barco do veterano pescador Ernesto. Em Limosa, ilha ao sul da Sicília que nem consta no mapa por ser muito pequena, a preservação da tradição perde cada vez mais terreno para a ideologia pragmática dos novos tempos. Ernesto quer continuar pescando, sua razão de viver. Seus filhos não compartilham do mesmo entusiasmo: Nino está mais interessado em lucrar com turistas e Giulietta, em encontrar fontes de renda mais rentáveis. Só Filippo, o filho, parece ter herdado o amor pela ilha e pela pesca.



O diretor Emanuele Crialese, elogiado anteriormente por Respiro e Novo Mundo , não restringe a comparação entre passado e presente ao núcleo familiar central. Numa sequência, pescadores idosos lembram que as decisões eram tomadas coletivamente. Um mais jovem diz que agora há menos peixes e mais corpos no mar. Ele se refere aos refugiados africanos, que tentam chegar à ilha. A partir do momento em que Ernesto salva e acolhe alguns, a necessidade de tomar posição se impõe. Crialese constrói belos quadros, a exemplo das cenas em que Giulietta e Filippo surgem exaustos, sentados à mesa, sem terem onde dormir, e em que os imigrantes se preparam para a partida. Qualidades que garantiram ao filme o Prêmio Especial do Júri, na última edição do Festival de Veneza.



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ATÉ A CHUVA



CARLOS ALBERTO MATTOS



Que a História se repete, não precisamos mais de filmes para dizer. Mas Até a Chuva cria uma ilustração dramática bem interessante para esse aforismo. Mais ainda, por envolver o próprio cinema.



Uma produção espanhola se instala em Cochabamba, na Bolívia, para reconstituir criticamente a chegada de Colombo às Américas. A equipe encontra, porém, um imprevisto: a população está às turras com a polícia para impedir que o provimento de água da cidade seja privatizado por uma multinacional. O fato é verídico, e gerou a chamada “Guerra da Água”, no ano 2000, um dos grandes temas do doc The Corporation. O conflito fornece os músculos e as melhores cenas de Até a Chuva (También la Lluvia), um dos destaques do cinema espanhol no ano passado.



O roteiro de Paul Laverty, habitual colaborador de Ken Loach, é engenhoso na forma como faz espelhamentos entre os fatos históricos e os da realidade atual. A equipe chega disposta a usufruir da barata mão-de-obra local e evitar que os acontecimentos políticos perturbem os planos de filmagem. Assim, ao ouro da colonização vai corresponder a exploração da água. E a repressão dos índios pelos espanhóis do século XVI vai ter um paralelo nos interesses, no oportunismo e na ação corruptora dos produtores do filme de 2000. Numa das passagens mais eloquentes, uma rebelião popular ocorre durante a rodagem de uma cena de massacre dos índios.



A oposição ética que desde cedo separa o diretor (Gael Garcia Bernal) e o produtor (Luis Tosar) do filme-dentro-do-filme soa um tanto esquemática até ser problematizada perto do final. É quando se estabelece o tema da redenção, senão para o cinema, ao menos para um dos personagens. Isso faz com que o filme da diretora Icíar Bollaín se assemelhe bastante a um bom conto moral de Walter Salles. Tanto etica quanto esteticamente, por sinal.



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DE MÃOS LIVRES



CARLOS ALBERTO MATTOS



Taí um filme que podia ter sido feito no Brasil. Aliás, já foi, e era bem superior. O documentário Entre a Luz e a Sombra, de Luciana Burlamaqui, acompanhava a complexa história de amor entre a atriz Sofia Bisilliat e um presidiário com quem ela trabalhava no Carandiru. A francesa Brigitte Sy, aqui estreando no longa-metragem, viveu ela própria experiência semelhante à de Sofia enquanto escrevia um roteiro a partir da vida de um grupo de detentos. De Mãos Livres (Les Mains Libres) é a versão dramatizada desses fatos.



A natureza pouco comum do relacionamento entre a cineasta e o presidiário, restrito a rápidos cochichos e toques clandestinos, é um desafio para qualquer roteirista. Brigitte se sai relativamente bem, destacando primeiro as oscilações entre representação e sentimentos reais, depois as peripécias de um amor aparentemente condenado ao fracasso. Se não há grandes lances a esperar, há pelo menos uma direção de atores bastante interessante a observar. Sobretudo no que diz respeito ao trabalho das mãos, dos gestos que tentam desesperadamente ampliar o pouco que as palavras podem exprimir no ambiente carcerário. A direção é tão boa que chega a ser inconveniente quando os presidiários têm que atuar para o filme-dentro-do-filme e o fazem com precisão implausível.



A sequência final, perfeita representação da espera e da ansiedade, é outro discreto atrativo que justifica ver De Mãos Livres.



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FINISTERRAE



CARLOS ALBERTO MATTOS



Não creio que haja concorrente ao título de filme mais esquisito do Festival do Rio. O catalão Finisterrae (atenção, não confunda com o italiano Terraferma) é uma espécie de road movie interpretado por dois fantasmas de lençol que, como o anjo de Asas do Desejo, estão cansados daquele limbo e querem tornar-se seres vivos. Para isso, saem de um palco de teatro para as estradas e montanhas em direção (geograficamente “livre”) a Santiago de Compostela e dali ao Cabo Finisterra (“Fim do Mundo”), na Galícia. Ao contrário de Quixote e Sancho Pança, eles falam russo. Por onde passam, as árvores têm ouvidos e eventualmente exibem vídeos de arte escatológica catalã dos anos 1980.



Para quem não está familiarizado com o surrealismo catalão, a lentíssima viagem pode ser bem enfadonha. A menos que se possa encontrar socorro em alguma relação com as fábulas de Alejandro Jodorowski ou nas lembranças dos truques ingênuos de Méliès, como aparições e desaparições com fumaça, movimentos revertidos e imagens de ponta-cabeça. O diretor Sergio Caballero faz chistes com a metafísica, os romances de cavalaria e o repertório das fábulas envolvendo homens, animais e seres sobrenaturais. A beleza das imagens, sempre teatralizadas, de bosques, estúdios e castelos indica estar aí o foco do interesse de Caballero. Ele é curador visual do festival de música Sonar, que acontece anualmente em Barcelona. Para este seu primeiro longa-metragem, o bravo começou por selecionar as músicas antigas, obras atonais e hits alternativos da trilha sonora. Depois filmou sua aventura fantasmal sem som direto. Por fim, acrescentou os sons e criou os esparsos diálogos em russo.



Eis uma experimentação que respira melhor no contexto de eventos de arte contemporânea. O Festival de Roterdã, porém, deu-lhe um de seus principais prêmios este ano. Ou seja, tudo é possível. Se aquilo é um fino comentário cultural ou uma rematada e incongruente tolice, só o humor e o background de cada espectador podem decidir. No meu caso, fecho completamente com a segunda opção.



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RÂNIA



CARLOS ALBERTO MATTOS



A personagem-título desse filme cearense é uma bailarina de 16 anos dividida entre dois apelos, cada um representado por uma amiga. Zizi (Nataly Rocha, ótima), a companheira local, é dançarina numa boate frequentada por estrangeiros em Fortaleza. Estela (Mariana Lima), a forasteira, é diretora de uma companhia de dança. Rânia, interpretada com proverbial espontaneidade pela novata Graziela Félix, vive a idade das decisões difíceis. Seu impasse é expresso numa das melhores cenas do filme, quando ela improvisa movimentos de balé clássico no palquinho de pole dancing.



A diretora Roberta Marques, uma cearense radicada na Holanda, imprime uma sensibilidade diferenciada ao cenário e ao dia-a-dia das personagens. Privilegia o prosaico e o casual em detrimento da descrição e do conflito. Lembra um pouco o acento de Karim Aïnouz em O Céu de Suely ou de Marília Rocha em A Falta que me Faz. Para essa atmosfera mais rarefeita contribui a fotografia de Heloisa Passos, uma curitibana que vai colher os tons mais pastéis da orla nordestina e criar composições de intensa plasticidade. Foi ela a autora das imagens de Viajo Porque Preciso, Volto Porque te Amo.



Rânia se inscreve numa linha recente de filmes brasileiros sobre a subjetividade feminina em situações de transição. Enfoca Fortaleza, onde o comércio de meninas é particularmente forte. Não o faz com uma visão sociológica nem moralizadora, mas em regime de compreensão dos dilemas e das afetividades em jogo. Pode ser um tanto pálido na dramaturgia e um pouco difícil em matéria de dicção dos diálogos. Mariana Lima pode não convencer como professora de dança (ela parece estar aprendendo com Graziela, e não o contrário). Mas prevalecem ali uma poética e uma mirada particular sobre o assunto que não devem ser desprezados.



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EU RECEBERIA AS PIORES NOTÍCIAS DOS SEUS LINDOS LÁBIOS



DANIEL SCHENKER WAJNBERG



Inspirado no romance homônimo do habitual parceiro artístico Marçal Aquino, Beto Brant entrelaça a documentação de um Brasil primitivo com uma história de amor desesperada num filme dolorosamente romântico. Ambientado no interior da região amazônica, Eu Receberia as Piores Notícias dos seus Lindos Lábios flagra a paixão entre a ex-prostituta Lavínia, casada com o pastor Ernani, e o fotógrafo Cauby. Nessa parte pouco lembrada do país há limites que não devem ser ultrapassados, de acordo com os rígidos códigos de conduta locais. Mas os personagens nem sempre administram com suficiente cautela aquilo que sentem. E pagam preços bastante altos por isto.



O desejo de “documentar” um Brasil distante do eixo Rio-São Paulo evoca Os Matadores , cartão de visitas de Beto Brant, que registra agora imagens de um país selvagem e verdejante, repleto de pequenas cidades empoeiradas e com ruas escuras onde muitos são assassinados. Algumas passagens, próximas ao final, poderiam ter sido mais bem resolvidas – o suicídio do colunista Viktor Lawrence, a publicação de fotos privadas de Lavínia e Cauby e o que acontece com ela na noite em que se vingam do pastor. Permanecem nebulosas, talvez em decorrência da determinação de Brant (que assina o filme com Renato Ciasca) de deixar lacunas a serem preenchidas pelo espectador. No elenco, Gustavo Machado e Zecarlos Machado brilham – o primeiro através de uma interpretação destituída de efeitos, o segundo sustentando plenamente a contundência e a amabilidade do pastor. Camila Pitanga é presença intensa, mas não imune a eventuais exageros.



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MEMÓRIAS DE MINHAS PUTAS TRISTES



CARLOS ALBERTO MATTOS



Reunir Garcia Márquez e Jean-Claude Carrière na escrita de um filme é sair com alguns corpos de vantagem. Teoricamente, apenas, já que o resultado visto em Memórias de Minhas Putas Tristes só confirma a maldição de Gabo nas telas. Em tantas transposições de seus romances para o cinema, o essencial teima em se perder. A acidez poética, a fluência de coisa mais contada que vivida, isso fica nos livros, enquanto para os filmes passam somente o esqueleto das situações e, quando muito, tentativas canhestras de reproduzir uma atmosfera meio mágica e romântica.



Este filme dirigido pelo dinamarquês Henning Carlsen, mas felizmente com atores e diálogos hispânicos, não é desastroso como O Amor nos Tempos do Cólera, de Mike Newell. Pelo menos não enfileira estereótipos de latinidade ou de suposto realismo mágico. Mas tem um indisfarçável sabor de naftalina ao contar a história do velho lobo de bordéis que chega aos 90 anos disposto a ter, enfim, uma noite de amor verdadeiro. A visão um tanto defasada e “masculina” de temas como virgindade e prostituição se sustenta no livro enquanto produto de um deslocamento nostálgico, assim como o de Leite Derramado, de Chico Buarque. Mas no filme, sem a enunciação típica de Garcia Márquez, tudo assume um aspecto anódino, traduzido na fotografia pálida e na cenografia que mais sugere um especial de televisão de três décadas atrás.



A veneranda Geraldine Chaplin injeta alguma garra em suas intervenções como a dona do prostíbulo, falando em espanhol, herança de seu casamento com Carlos Saura. Angela Molina tem uma ponta, assumindo na maturidade o personagem interpretado na juventude por sua filha Olivia. Emilio Echevarría, que vive o protagonista El Sabio, impõe-se mais pela presença física do que pela capacidade de dotar seu personagem de alguma espiritualidade.



Se faço menções aqui ao livro é somente porque seu autor é o principal chamariz e a razão de existir do filme. Não fosse essa origem nobre, Memórias, o filme, não passaria de um exercício frio e ultrapassado que não interessaria a muita gente.



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WE NEED TO TALK ABOUT KEVIN, de Lynne Ramsay



LUIZ FERNANDO GALLEGO



A LUTA DEMOCRÁTICA ou O DIA



A revista moralista /Traz a lista dos pecados da vedete / E tem jornal popular que



nunca se espreme porque pode derramar / É um banco de sangue encadernado / Já vem pronto e tabelado / É somente folhear e usar



(“Parque Industrial”, de Tom Zé, no disco “Tropicália ou Panis et Circensis”)



No Rio de Janeiro dos anos 1950 e ’60, as bancas de jornal exibiam (e vendiam aos montes) jornais que eram motivo de um chiste famoso: “Se espremer, pinga sangue”. Vendiam por atender a uma demanda comum no ser humano ligada aos seus impulsos voyeuristas e/ou sádicos. Suas manchetes eram sempre dedicadas a crimes, até mesmo acentuando o lado mórbido e escatológico dos fatos noticiados.



Não li o livro que deu base a este filme, mas suponho que seu sucesso como best-seller caminhe na mesma direção. A mídia descobriu tardiamente o que a psiquiatria já sabia há muito tempo: existem psicopatas. Não são esquizofrênicos nem bipolares, não “saem da realidade” por meio de delírios e/ou alucinações, mas “não podem ser normais” no senso comum. Se tentarmos enfocar um dos muitos ângulos que tentam descrever o que deve ser a mente de um psicopata, poderíamos dizer que eles não têm nem identificação com as outras pessoas (não vêem os outros como assemelhados, não se identificam com os sofrimentos que causam aos outros); nem muito menos são capazes de empatizar (tentar perceber no outros - naqueles mais diferentes, estranhos, estrangeiros - qual é o ponto de vista deles, aquilo que não nos é familiar, mas diz respeito à individualidade alheia). Por outro lado, pode haver uma espécie de "empatia perversa" detectando os pontos frágeis das outras pessoas: um torturador eficiente vai saber exatamente como "dobrar" a pessoa que ele vitimiza. É mesmo um mistério essa personalidade que usa “a máscara da sanidade” no dizer de um velho livro sobre o assunto, Mas sob a máscara...



O filme de Lynne Ramsay poderia ter um certo álibi se lembrarmos o que Godard dizia sobre sangue nos filmes: “Não é sangue, é vermelho”. Era, Jean-Luc, era... Há muitos anos, o vermelho do sangue exibido em filmes é mais parecido com o sangue mais escuro do que o vermelho-coral da velha Hollywood. Atualmente foge-se da mera representação do sangue para tentar dar um hiperrealismo às imagens de corpos destruídos nas telas. Mas a diretora Ramsey usa e abusa do vermelho, a cor, como metáfora da destrutividade: desde a cena inicial onde centenas de corpos vistos de cima parecem banhados em algo semelhante a massa de tomate... até a geléia de morango transbordante dos sanduíches que o menino ou adolescente Kevin prepara. As cenas do massacre escolar nem são tão explícitas, mas o que o filme tenta mobilizar e envolver é a curiosidade sobre um enigma: como nasce – ou se desenvolve – um psicopata?



Sem poder responder satisfatoriamente àquilo que a psicologia e a psiquiatria não conseguem explicar nem compreender muito bem (e talvez não haja o que explicar nem compreender, talvez se trate tão somente de uma das variáveis nos modos de ser dos seres humanos), o filme fica no limbo ao acentuar os desencontros entre mãe e filho, sugerindo, ora que a mãe não foi suficientemente boa, ora que não haveria mesmo como lidar com aquele pequeno monstro tão precocemente desafiador e perturbador.



Não há temas interditados para serem retratados na literatura, cinema, teatro, etc. mas como diz Fran Lebowitz no documentário de Martin Scorsese Fran Lebowitz: Falando em público, o gênio musical não precisa saber muito mais do que sua música para ser um gênio, mas um escritor precisa conhecer sobre aquilo que pretende escrever. Um roteirista de cinema e um diretor também. Grandes escritores desde há muito tempo já foram capazes de intuir o que a psicologia, psiquiatria e psicanálise só começaram a estudar há pouco mais de um século. Basta ler as tragédias gregas, Shakespeare, Dostoievski – dentre os mais “trágicos”-, ou Balzac, Henry James, Proust... Eles observaram e retrataram os melhores e piores aspectos do que é “demasiadamente humano” sem incorrer em exploração do mal apenas para mobilizar a atenção (e identificação inconsciente do que em nós é traço perverso na fantasia - mas nos psicopatas é mais do que fantasia: ação, passagem ao ato).



Mobilizar para vender livros. Ou no caso, filmes. Mas diferentemente do que vemos em obras dignas de Buñuel (enquadradas por André Bazin como "Cinema de Crueldade") We need to talk about Kevin é enfeitado com maneirismos de câmera e de edição, cores trabalhadas (bastante vermelho), planos fechados em rostos intensos (como a sempre intrigante máscara facial de Tilda Swinton), montagem "paralela" e anacrônica dos eventos, etc etc. Mas se espremermos, tal como nos jornais antigos do Rio (“A Luta Demcorática”, hipócrita nome de um deles; ou “O Dia”, de posse de um político populista e como tal, tão ou mais hipócrita) só sai mesmo nossa sede de “sangue”.



Ou suco de tomate: molho sem massa.



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BÉLA TARR: O CINEMA DE IMAGENS INTERIORES



DINARA G. MACHADO GUIMARÃES



O íntimo e o político, suas aproximações tanto possíveis como impossíveis, eis o que sintetiza o cinema do diretor húngaro Béla Tarr. Seus filmes são o testemunho do que aconteceu na vida humana depois da ruptura da Hungria com o comunismo. Tratam de mostrá-la inscrita na vida psíquica de alguém, como na menina suicida de O Tango de Satã [Sátántangó], 1994. Mistura as imagens com frases literárias do velho homem que penetra em seus segredos mais íntimos, durante a decadência do regime comunista no campo. Ruptura já profetizada no seu “cinema direto” quando acompanha o drama familiar com uma câmera íntima, nos filmes Ninho de Família [Családi Tüzlészek], 1977, e As Pessoas Pré-fabricadas [Panelkapcsolat], 1982. Constam da representação na ruptura das filiações devido à forma de viver imposta pelo Estado. Isso que em Macbeth, 1982 e Almanaque do Outono [Oszi Almanach], 1984, recebem um tratamento teatral. Em todos, Tarr mostra, por detrás das rivalidades e conflitos familiares, como o objeto que sustenta o desejo é o dinheiro.



Nos belíssimos planos-sequência muito longos fixando rostos silenciosos, como em Prólogo [Prologue], 2004, o discurso fílmico é composto de palavras internas. Mostram que somos feitos de narrativas que contam nossa história, e esta é uma parte importante na ligação entre o individual e o coletivo. Em Harmonias Werckmeister [Werckmeister Harmoniák] 2000, o olho da baleia coletiviza a interioridade dos habitantes de uma pequena cidade húngara. Desde a chegada do circo, cuja principal atração é a carcaça da baleia, todos sofrem do risco de serem destruídos. Tarr faz o cinema das imagens interiores, antes de tudo. Assim aproxima-se do inconsciente. A aproximação que a psicanálise também busca. Esta articulação atinge seu ápice em O Cavalo de Turim [A Torinói Ló], 2011. Os longos silêncios, as repetições, os diálogos reduzidos ao extremo, a linguagem visual apreendida por todos, transmitem o tormento de um pai e sua filha, isolados em um lugar tão árido como nosso sertão nordestino. Pelo que se passa no exterior conta o que se passa no interior deles, por onde desliza o olhar subjetivo da câmera íntima. Assim, a aridez do ambiente vai abatendo-os até o nada. Por isso, em verdade, seu cinema mostra que nada existe do lado de fora que não tenha saído do lado de dentro.



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ABISMO PRATEADO, de Karin Aïnouz



PATRICIA REBELLO



A intempestiva noite de Violeta (Alessandra Negrini) começa entre as quatro paredes de um quarto cor-de-rosa vermelho de motel. A bem da verdade, a pior noite da vida de Violeta começa no dia que a antecede, quando ela escuta no celular uma mensagem deixada por seu marido, Djalma (Otto Jr.). Inspirado na música “Olhos nos olhos”, de Chico Buarque, Abismo Prateado confirma Karim Aïnouz como um dos mais fundamentais e necessários realizadores do cinema contemporâneo.



Violeta, interpretada por uma Alessandra Negrini excepcionalmente bem dirigida e filmada em close quase todo o tempo, é uma dentista de 40 anos, mãe de um filho de 14, casada e recém proprietária de uma cobertura em Copacabana. Mas basta apenas um recado (que é pior que um telefonema: somos completamente impotentes frente a um recado) para fazer ruir esse belo retrato na parede. Uma decisão de ordem moral pode a rigor ter a necessidade de um único instante para cumprir-se, escreveu Blanchot. E respondendo a essa obscura exigência que brota da ruptura, Violeta se lança no espaço da cidade e de suas luzes. Sejam elas a dos postes à beira da praia, de um globo de discoteca em um quarto de motel de perfume barato, da pista de dança de uma boate ou de um banheiro público, são essas luzes que vão iluminar o abismo do que Violeta sempre acreditou ser a imagem da felicidade.



A fotografia de Abismo Prateado, intimista, tem a textura da brisa da noite na beira da praia. Mauro Pinheiro, fotógrafo do filme, parece recortar os espaços e definir suas ordens de grandeza em um jogo de opacidades e transparências. O barulho, o caos e a confusão da noite urbana ressoam na nota dissonante da espuma do mar na areia e no silêncio de um aeroporto na madrugada. O uso criativo da música, uma das mais deliciosas marcas dos filmes de Karim Aïnouz, empresta uma camada de subjetividade extra a um roteiro que privilegia os tempos mortos da dúvida e as pausas das crises. Sentimentos compreensíveis e essenciais quando de frente a um abismo.



Porque duro mesmo é suportar ver alguém tão feliz...



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AUSENTE , de Marco Berger



DANIEL SCHENKER WAJNBERG



Desde a sequência de abertura de Ausente , formada por flashes de partes de corpos masculinos, o diretor Marco Berger evidencia a decisão de promover uma articulação entre a temática da descoberta da sexualidade e a utilização de ferramentas do suspense. Uma conjugação que não chega a ser surpreendente, mas tende a suscitar curiosidade no espectador em relação a essa produção argentina.



Berger destaca a determinação de Martin, um adolescente de 16 anos, a seduzir Sebastian, o professor de natação, ao se valer de uma série de subterfúgios para passar a noite na casa dele. A expectativa advinda dos riscos dessa conquista é evidente, mas Marco Berger não fica circunscrito aos limites de verossimilhança da situação ficcional. Exagera propositadamente na construção da tensão, o que confere interesse ao filme.



O desenlace final soa algo exagerado, ainda que o diretor procure registrar de maneira oportuna a desestabilização atravessada por Sebastian, personagem heterossexual que trava uma relação algo ambígua com Martin e reage de modo intempestivo à revelação de que é desejado pelo aluno.



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ÚLTIMO DIA EM JERUSALÉM, de Tawfik Abu Wael



NELSON HOINEFF



Desconheço os critérios que levaram à seleção desta mostra “Imagens de Israel” no Festival do Rio 2011, mas temo que a seleção não reflita com justiça o panorama atual de produção do cinema israelense. Há filmes extraordinários, como A Rainha sem Coroa, que são exceção num conjunto pouco inspirado.



Último dia em Jerusalém é um caso típico. O diretor Tawfik Abu Wael, de 35 anos, tem a seu crédito um prêmio da Fipresci na Semana da Crítica de Cannes em 2004 por um documentário, Esperando por Sallah Al-Din. Não vi aquele trabalho, mas o longa de ficção aqui apresentado fica abaixo dos padrões mínimos do cinema israelense contemporâneo. Particularmente notável é o baixo nível de suas interpretações, incapazes de tornarem palatáveis as ações em torno de um casal – ele cirurgião, ela atriz – que planeja deixar Jerusalém por Paris.



Há uma certa similaridade temática com o próprio A Rainha sem Coroa – sobre filhos de sionistas que deixam Israel para viver em outros países – mas enquanto o documentário do jovem Tomer Heymann assenta-se sobre duras verdades, o drama de Abu Wael não tem como convencer o espectador sobre o dilema que atormenta seus personagens. Um exprime o bom cinema israelense. O outro, talvez, as suas dificuldades.



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UMA MULHER, de Giada Colagrande



por Luiz Fernando Gallego



Uma Mulher poderia ser uma versão pós-moderna de Rebecca, a mulher inesquecível, seja o livro de Daphne Du Maurier, seja o filme de Hitchcock, com pitadas da mulher de Barba-Azul. A nova companheira de um homem meio soturno quer saber o que aconteceu à falecida esposa do seu amado ‘Max Oliver’ (e ‘Max´... De Winter era o personagem masculino de Rebecca vivido por Laurence Olivier – com um “i” a mais – nas telas).



Mas, infelizmente, o terceiro longa metragem de Giada Colagrande não passa de um filme pretensioso - e tolo; longo... e vazio como os (belos) cenários e locações italianas onde se passa a maior parte da história (?).



É curioso pensar como Bergman, apenas por exemplo, conseguia isolar só quatro personagens em uma ilha e filmar Através do espelho sem nos dar a impressão de afetação em tal isolamento em amplos espaços. No Brasil, Walter Hugo Khoury fazia tentativas semelhantes com resultados artificiais (e medíocres). Aliás, se estivesse vivo Khoury talvez assinasse o filme da Sra. William Dafoe (e só pelos laços conjugais dá para entender o que o ator está fazendo nessa roubada). Exceto por um prólogo em NY, onde Dafoe abre o filme lendo um bonito texto com sua voz impressionante, também serão 4 os personagens desarticulados neste equívoco cansativo e desinteressante.



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VAQUERO



CARLOS ALBERTO MATTOS



O sonho dos atores latinos de integrarem uma grande produção de Hollywood, mesmo que seja encarnando um estereótipo do “latino”, ganha um comentário razoavelmente interessante em Vaquero. Nesse seu longa de estreia como diretor, o experimentado ator Juan Minujín, ele próprio no papel central, traça o retrato de um looser, um ator terciário, frustrado profissional e sexualmente, que vê numa ponta em filme hollywoodiano sua chance de ouro para dar o grande salto.



Os fluxos de consciência de Julian Lamaz dividem a cena com a realidade objetiva. Minujín contorce a narrativa para exprimir sempre o ponto de vista ou frisar a participação truncada do personagem tanto nos sets como na vida. Isso gera uma particularidade às vezes incômoda na forma como as cenas se desenrolam diante de nós. Presenciamos tudo através do desconforto e do complexo de inferioridade de Julian, o que é ousado como proposta, até porque pode frustrar as expectativas do espectador nos quesitos superação ou denúncia. Ao contrário de Riscado, por exemplo, o fracasso do ator não é fruto de uma simples bandalheira da produção internacional, mas da alienação e da falta de perspectiva dele próprio. Julian é um perdedor, e ponto final.



Nesse sentido, Vaquero é tragicamente realista. Uma visão desencantada da indústria cinematográfica, sem oferecer hipótese de remissão. De resto, tem aquela precisão de tom, de tempo e de interpretações que tanto apreciamos no cinema argentino.



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DORMIR AO SOL, de Alejandro Chomski



LUIZ FERNANDO GALLEGO



Esta versão do romance de Bioy Casares, Dormir al Sol (1975), pode reacender mais uma vez, o debate sobre a transposição de obras originalmente literárias para a linguagem cinematográfica.



Adolfo Bioy Casares (1914-1999) ainda é insuficientemente traduzido e divulgado no Brasil, ficando (injustamente) mais conhecido como grande amigo de Jorge Luís Borges - de quem foi parceiro eventual em algumas obras de co-autoria. Sua marca registrada é a de ficções que não tem sua narrativa claramente definida como “realista” ou “fantástica”: o insólito de situações estranhas vai se imiscuindo na diegese realista, provocando no leitor uma sensação de desconforto: não há exatamente um clima terrorífico explícito, mas a “realidade” que suas narrativas recriam se parece tanto com o que consideramos “real” quanto um sonho que mescla fatos vividos com situações mais ou menos – ou muito - absurdas.



Sua obra-prima é também sua primeira novela (no sentido de romance curto), a magistral Invenção de Morel - atualmente em voga por ter sido fonte de inspiração declarada pelos criadores do seriado Lost. Mas também Ano Passado em Marienbad, de Robe-Grillet e Alain Resnais, em 1961, pagaria tributo à invenção de Casares em suas páginas antecipatórias de hologramas e realidades virtuais (em 1942 !) compondo uma trama filosófica sobre o tempo e a transitoriedade da existência e dos relacionamentos humanos (esta é apenas uma das inúmeras leituras que o livro propicia). Se o resultado se constituiu em um dos maiores romances do século XX, caso pretendêssemos resumir seu enredo, estaríamos banalizando e empobrecendo seu trunfo máximo que é o da linguagem escrita: como Casares transmitiu o enredo fantástico que imaginou. Levado duas vezes às telas sem ter havido exibição no Brasil, desconhecemos o sucesso ou insucesso destas versões cinematográficas.



Dormir al Sol tem um enredo menos genial do que o de Morel, mas sua leitura consegue o mesmo resultado oniróide ao introduzir elementos fantásticos em uma narrativa de aparência realista. Não se trata do enxovalhado “realismo fantástico” do boom da literatura hispano-americana dos anos 1970, mas algo mais sutil, urbano, profundamente argentino e universal a um só tempo, mais influenciado pela forma de Edgard Allan Poe do que pelo conteúdo macabro dos contos do autor norteamericano. No entanto, poucas vezes Casares esteve tão próximo do terror como aqui, lembrando que Plano de Evasão, de 1945, antecede o romance que deu origem a Ilha do Medo, de Scorsese, igualmente delirante/terrorífico.



O que bate na tela sob a direção deAlejandro Chomski é correto e até mesmo com alguns lances de inventividade visual, mas em momento algum há uma recriação em linguagem cinematográfica que faça do filme algo mais do que um bom episódio de Além da Imaginação. Poderá satisfazer muitos espectadores que queiram ser surpreendidos por um enredo cheio de estranhezas, mas não deixa de ser uma espécie de “ilustração visual” servil ao pé da letra do romance, sem maiores vôos próprios. É ótimo o desempenho de Luiz Machin no personagem central, muito boa a trilha musical de Ruy Folguera, e eficiente a direção de arte, cenários e figurinos na recriação do clima anos 1940/50.



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AMORE CARNE



DANIEL SCHENKER WAJNBERG



Em Amore Carne , Pippo Delbono trabalha a partir de material autobiográfico. Pinta um auto-retrato ao narrar importantes fragmentos de sua história pessoal. Lembra de quando descobriu cicatrizes no olho que o fizeram enxergar as imagens de maneira embaçada e decidiu se tornar diretor, função que exerce no cinema e no teatro (já esteve no festival riocenacontemporânea apresentando Guerra , espetáculo que transportou para a tela). Soropositivo, filma, através de uma câmera celular oculta, um exame de sangue cujo resultado ele conhece há 22 anos.



Também registra via celular escondido (trazendo, inevitavelmente, uma discussão ética, que, porém, acaba não se impondo) uma conversa com a mãe – ou mais correto seria dizer um monólogo dela. Em off, Delbono fala que para a mãe e os mais idosos o universo familiar, reconhecível, possivelmente acabou. Eles detêm patrimônios, mesmo que referentes a um mundo que talvez não exista mais.



Em Amore Carne , Pippo Delbono destaca as presenças de artistas determinantes em sua trajetória: o amigo Bobó – que remete a uma das características de seu trabalho, a de recorrer, com frequência, a não-atores e outsiders; a artista plástica Sophie Calle – que diz não ser capaz de falar sobre outra coisa além de si; e a coreógrafa Pina Bausch – evocada na impactante cenografia tomada por cravos no Festival de Avignon. À medida que a projeção avança, Delbono evidencia seu desejo de conceber um exercício poético marcado por instantes de desespero, transe, êxtase.



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GIRIMUNHO



PATRICIA REBELLO



Foi da boca de um menino que Helvécio Marins escutou pela primeira vez sobre “girimunhos”. A palavra, que significa “rodamoinho”, acabou virando o título de seu filme, que acompanha as voltas da vida de Dona Bastu na pequena São Romão, cidade pintada a tinta ocre e grão de poeira, e banhada pelo rio São Francisco. O delicado filme, menos montado que lapidado, coloca para o espectador não um, mas dois girimunhos: os fantasmas de Dona Bastú e a própria tensão entre ficção e documentário.



“O tempo não para, quem para somos nós” diz Bastu, que há pouco ficou viúva de Feliciano, e atravessa o filme dividida entre a continuidade da vida e as rupturas promovidas pelas lembranças. Mas aquilo que poderia se converter em uma narrativa circular é habilmente conduzido por Helvécio no ritmo de uma fábula. Daí a opção por fazer as personagens encenarem não apenas suas próprias histórias, mas histórias que poderiam ser parte daquilo que elas são. E é precisamente neste gesto que o filme borra os limites entre o documentário e a ficção. Na medida em que faz as personagens encenarem histórias fictícias a partir de suas próprias experiências, fato e imaginação, verdades e mentiras, perdem seus contornos e tudo se torna uma questão de como contar narrar melhor, sobre algo ou sobre si mesmo. Sobressai uma força abstrata, que precisa apenas de um instante para começar a existir.



No limite, todo documentário é uma ficção; e toda ficção, um documentário sobre uma ideia, ou um imaginário. E seria de um reducionismo imperdoável limitar uma discussão sobre Girimunho apenas nas tensões entre os campos. Mas é tal a força do filme, de uma enorme coragem em existir na tangente desses dois cinemas. Junto com Terra Deu, Terra Come, de Rodrigo Siqueira, que também se debruça sobre a tradição fabular narrativa do interior de Minas, “Girimunho” traz para as telas o frescor da vida que se reinventa e o prazer que existe em experimentar suas próprias histórias.



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AMERICANO, de Mathieu Demy



Por Luiz Fernando Gallego



Várias referências cinematográficas, diretas e indiretas, perpassam Americano, estréia na direção do ator Mathieu Demy em longa-metragem.



a - Na primeira cena, Mathieu – que é filho de Jacques Demy (realizador de Os Guarda-Chuvas do Amor) e de Agnès Varda (diretora de Cléo de 5 às 7) – tem uma cena de sexo (com mais sons e palavras do que imagens) com Chiara Mastroianni – filha de Catherine Deneuve com Marcelo Mastroianni. Deneuve esteve em vários filmes de Jacques e em um de Varda; Marcelo apareceu - grávido - em apenas um filme de Jacques, ao lado de Deneuve, em 1973, ano seguinte ao do nascimento de Chiara e de Mathieu. E Americano se remete a relações ambíguas entre pai, mãe e o filho ‘Martin’



b- Este personagem é interpretado pelo diretor e roteirista, e tem recordações de infância que utilizam cenas extraídas de um filme de sua mãe, Varda, Documenteur, com Mathieu aos 9 anos de idade fazendo um garoto que se queixa de uma mãe pouco presente.



c- O nome da personagem fugidia que ‘Martin’ vai procurar obsessivamente depois da morte de sua mãe é ‘Lola’ – o mesmo do primeiro longa de seu pai, Jacques, de 1961.



Como apontou meu amigo Marcos Florião, “ ´Lola´ seria um ideal feminino fugidio, etéreo e intangível de Demy-pai, citada em mais de um filme de Jacques” : Anouk Aimée repetiu o personagem de Lola em Model Shop que o mesmo Jacques filmou nos Estados Unidos em 1969, com locações em Los Angeles - tal como uma parte de Americano, cujo roteiro, infelizmente não funciona muito bem.



O filme se alonga muito, especialmente nesta parte de Los Angeles onde Geraldine Chaplin (cujo rosto, aos 67 anos, parece ser o de alguém com mais de 80) faz uma amiga intrusiva da falecida mãe de ‘Martin’. A atriz faz o que o roteiro pede e incomoda o soturno ‘Martin’ tanto quanto aborrece o espectador.



Também as idas e vindas dele ao inferninho de nome “Americano” em Tijuana são repetitivas e não se justificam, mesmo que se considere que haja um clima pretendido (?) de obsessão e luto, sem vínculo com um cenário realista ou naturalista. Não há opção mais direcionada para um plano oniróide nem para o de realismo psicológico tradicional – e nem ambigüidade entre um e outro.



E se o personagem masculino não tem vitalidade na diegese, também soa mais aplainado do que descompensado emocionalmente no roteiro e na interpretação mais apática do que angustiada de Mathieu. Apenas Salma Hayek como ‘Lola’ vai trazer algum interesse para o filme. Mas a “elaboração” do luto de ‘Martin’ soa tão artificiosa quanto tudo que antecede o desfecho do filme. A cena de abertura, cronologicamente seria o final da história, colocada como prólogo tão gratuitamente como tantos outros elementos do enredo.



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HAPPY HAPPY, de Anne Sewitsky.



MARCOS FLORIÃO



(colaborador no “Espaço Aberto” do críticos.com.br, reforçando nossa cobertura do Festival 2011)



Solta no mundo com sua câmera na mão, a diretora norueguesa Anne Sewitsky, tal como uma criança ao receber um brinquedo que curte, consegue a proeza de transformar quase todas as virtudes que sua proposta pudesse conter em...problemas.



Ficamos diante de dois casais enfrentando fase de desajustes conjugais mal elaborados, cada qual com um filho, sendo o de um deles um menino negro, adotado. Este casal mudou para um cafundó gélido onde poderá rolar uma troca de casais pouco convencional, digamos.



Como a maior diversão local é cantar no coro da igreja, o filho lourinho do casal mais antigo na praça começa a se divertir com o casmurro menino negro recém-chegado, brincando, de formas variadas, sempre no papel de donatário deste, chamando-o mesmo de "escravo" e submetendo-o a práticas humilhantes.



Enquanto isso, os adult(er)os jogam seus jogos, motivados por Kaja, a esposa do casal que já morava ali, uma moça que faz o tipo simpático, com riso eterno, toda cheia de amores para dar, em franca carência afetiva com a indiferença do marido, mais preocupado em caçadas de alce (?) e práticas de exclusão da esposa: há um plano onde ele e o filho brincam de, à mesa de refeição, fixarem os olhares e expressões encarando ostensivamente Kaja, até constrangê-la.



A diretora nos brinda então com cenas na linha Casseta&Planeta com direito a um casal de amantes empolgados, só de botas longas na neve, ela ainda de camisolinha curta&transparente nos folguedos, e ele com os balangandãs sacolejando, tentando agarrá-la. Logo a seguir, Kaja, sempre radiante, ergue a blusa mostrando o sutiã em aceno à passagem do amante por sua janela, oferecendo seus ansiosos troféus.



Sexo é difícil mesmo de ser filmado, já dizia o Orson Welles. Hitchcock, por seu turno, preferia sempre sugestões&perversões; e no cinema em geral as elipses, colchas e lençóis protegem, sugerem e escondem o que se passa (considerando que há partes pudendas de atores/atrizes que não gostam de exibi-las - da mesma forma que outros são exibicionistas).



O essencial aqui, no entanto, é a falta de pegada e de sensualidade, fazendo de quase tudo algo banal. Há boas cenas e risos aqui e ali que podem fazer o ingresso ter valido a pena, mas predomina sempre a sensação de insuficiência e gratuidade.



Para concluir: talvez preocupada com a mão pesada nos jogos perversos - ainda que sem injúrias físicas - entre os meninos, a diretora traz um pequeno plano do menino negro assistindo concentrado uma fala do Obama, com sua oratória brilhante e pomposa. (Para risos da plateia...)



Uma câmera na mão pode ser uma arma perigosa, afinal.



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A CHAVE DE SARAH, de Gilles Paquet-Brenner



por Luiz Fernando Gallego



EXPLORANDO O HOLOCAUSTO



A Chave de Sarah é um melodrama de perseguição nazista aos judeus franceses enfocando os horrores aos quais foram submetidos no infame aprisionamento de dias e em condições sub-humanas no Velódromo de Inverno de Paris (já demolido, ironicamente, em seu lugar, hoje em dia, fica o prédio do Ministério do Interior) antes de serem enviados a campos de concentração e morte.



E também é um melodrama sobre uma história contemporânea na qual uma jornalista desenterra fatos ligados àqueles eventos ocorridos em 1942. Em sua pesquisa, vai descobrir que há ligações da evacuação dos judeus com o apartamento onde a família de seu marido esteve morando exatamente desde aquele ano. Além disso, ela está grávida, em idade já nem tão jovem e seu marido não quer ser pai madurão.



Infelizmente, o romance homônimo de Tatiana De Rosnay do qual o filme foi retirado talvez já fosse tão ruim como o que chegou às telas com ares de “Holocausto-exploitation” ao imaginar uma história terrível a partir dos fatos reais de julho de ’42. Em montagem paralela, passado e presente vão se alternando com ênfase emotiva para o suspense no passado: conseguirá a menina Sarah fugir para resgatar o irmãozinho menor que ela impediu de ser levado pela polícia francesa?



Se não é tão grotesco e cabotino como O Menino do Pijama Listrado, este filme fica a anos-luz do que Amos Gitai realizou com Jeanne Moreau (Um Dia Você vai compreender) e que não precisou explorar abusivamente de horrores reais ou imaginários, concentrando-se quase sempre no presente para abordar temas delicados (e mesmo tabus) sobre o colaboracionismo francês e condutas de rapina sobre os bens que judeus foram obrigados a deixar para trás.



A história da perseguição antissemita pelo nazi-fascismo não precisa de dramalhões ficcionais que sublinhem o horror que foi a realidade. Seria mais do que suficiente usá-la tal como foi ao ser colocada como pano de fundo de um enredo ficcional. É indigno utilizar a História em filmes como este, de aberto interesse comercial, repleto de clichês novelescos com lances mórbidos (de mau gosto) como se fosse necessário "agravar" a História - mas, para contrabalançar, "adoçar" tudo com um lance meigo de gravidez na atualidade apesar das adversidades cotidianas que as mulheres enfrentam. Uma salada indigesta, dessas de provocar náuseas.



Um único álibi isolado mas insuficiente para justificar a chorumela que é este filme fica no diálogo entre a jornalista que está escarafunchando o passado e um colega de profissão bem mais jovem que estranha a falta de documentação do episódio de concentração dos perseguidos no Velódromo: ele estranha a ausência de fotos ou de outros dados, já que os nazistas eram tão obcecados no registro rigoroso do que faziam - ao que a outra responde: "Não foram os nazistas. Foram os franceses".



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UM MÉTODO PERIGOSO, de David Cronenberg



LUIZ FERNANDO GALLEGO



UMA TENTATIVA PERIGOSA (DE FUGIR AO ESTILO)



Um Método Perigoso está para a carreira de David Cronenberg assim como Uma História Real está para a carreira de David Lynch: infelizmente sem atingir o mesmo patamar como “obra à parte” que o filme de Lynch atingiu em relação ao seu “estilo” habitual.



Se Cronenberg trabalha com o mesmo fotógrafo, músico, montador – e até o mesmo ator Viggo Mortensen de seus filmes anteriores (Senhores do Crime, 2007, e Marcas da Violência, 2005), poderíamos esperar que ele fosse, de alguma forma, fiel a si mesmo, ainda que em outro diapasão: caso conseguisse substituir a violência corporal que transborda exacerbadamente de praticamente todos os seus filmes pela violência psíquica do inusitado triângulo que se estabeleceu entre Freud, Jung e Sabine Spielrein. Freud foi, durante algum tempo, mestre de Jung, e, mais tarde, de Sabine; e Jung foi terapeuta dela, de certa forma seu “segundo mestre” (ou primeiro, cronologicamente) mas também seu amante, transgredindo os limites e a ética da relação terapeuta-paciente.



Mas, ao que parece, Cronenberg ficou excessivamente submisso ao roteiro extraído da peça teatral The Talking Cure, de Christopher Hampton, encenada com Ralph Fiennes no papel de Jung em 2003 - e que foi criticada como sendo uma coleção de “fatos mais indexados do que dramatizados; um texto que narra mais do que penetra nos eventos que mostra” - no dizer de John Lahr para The New Yorker. Se isto já teria sido uma questão em um espetáculo de duas horas e meia, imaginemos a intensificação destes aspectos em um filme de uma hora e quarenta (incluindo os minutos dos créditos).



O roteiro cinematográfico também se baseia em um livro que emprestou a ideia de seu título (A Most Dangerous Method, de John Kerr) ao título do filme, mas é assinado pelo próprio Hampton, autor da peça mencionada, famoso pelos roteiros de Ligações Perigosas, 1988 (também baseado em uma peça de sua autoria extraída do romance de Laclos); Carrington, 1995 – que Hampton dirigiu; O Segredo de Mary Reilly, 1996; O Americano Tranqüilo, 2002 e Desejo e Reparação, 2007. O filme parece mais de autoria de Hampton do que de Cronenberg – que, entretanto, conseguiu algo mais autoral em outro filme seu baseado em peça alheia: M. Butterfly, 1993, com Jeremy Irons - onde a violência psíquica era mais presente do que a física (que também existia).



Uma, característica do cineasta sempre foi a corporeidade de suas imagens, mas aqui, exceto pelas crises de histeria de Sabine, (bem) interpretada por Keira Knightley, ou por seu masoquismo sexual (mostrado quase assepticamente), o corpo parece elíptico, restringindo-se a algo falado - como na “talking cure” (“terapia pela palavra”) do título original da peça, um dos epítetos para a psicanálise freudiana.



E como se fala neste filme! A sensação de um tanto de “teatro filmado” surge mesmo em quem não soubesse sua origem teatral. E algumas vezes os diálogos (ou monólogos) atingem um tom solene de postulação teórica (psicanalítica, filosófica, etc).



É verdade que do ponto de vista histórico e psicanalítico, os tais fatos indexados no filme (assim como na peça, tal como se lê na crítica de The New Yorker citada) são quase todos bastante rigorosos em relação à história da psicanálise e às teorias seminais de Freud. O encantamento inicialmente mútuo entre Freud e Jung e a ruptura posterior, após poucos anos, é de conhecime, nto público bem amplo; mas um dos motivos do afastamento entre eles dois só ficou mais divulgado depois de 1980, quando Aldo Carotenutto, um junguiano, publicou a correspondência (que está accessível) entre Sabine, Jung e Freud no livro aqui traduzido como Diário de uma Secreta Simetria – Sabine Spielrein entre Jung e Freud. Muito do que se escuta no filme é transcrição direta de trechos das cartas entre estes três pesquisadores da psicologia humana.



Neste sentido, Um Método Perigoso fica algo reduzido a um correto filme de divulgação, realizado com apuro artesanal e ótimos desempenhos do trio de atores: o texto para Jung tem melhores oportunidades e modulações - muito bem aproveitadas por Michael Fassbender, sem menosprezar o Freud de Viggo Mortensen.



Ser autoral não é necessariamente uma qualidade em si mesma, e nem Lynch nem Cronenberg como "autores" pertencem ao panteão deste resenhista, mas era de se supor que o interesse de Cronenberg nesta história real pudesse se traduzir em algo mais pessoal em uma narrativa sua de episódios de violências psicológicas - incluindo especialmente o abuso de uma analisanda por parte de seu analista despreparado para lidar com manifestações de investimento amoroso das pacientes que, há muito já se sabe, são transferências.



Elisabeth Roudinesco formulou, com bom humor e sabedoria, que se Freud transasse com suas pacientes histéricas que demandavam relacionamento erotizado com ele, não teria podido descobrir a tal “transferência” – que pode ocorrer também por parte do psicanalista que se deixa levar pela ilusão transferencial. Pode ser curioso observar a dificuldade de Jung para com a ênfase de Freud na libido, sendo que Jung não pôde – mais de uma vez – deixar de ser “libidinoso” com pacientes.



Mas até que ponto isso interessa ao público não-psi? Pode ser que a curiosidade pelas figuras históricas e pela transgressão em uma relação terapêutica possam motivar as platéias. E para o público “psi” o filme fica com um aspecto “chapa branca” sem nenhum acréscimo ao que esta tribo já sabe/conhece. Como apontou o crítico teatral, há informação factual, mas não uma dramaturgia criativa, nem um olhar novo (muito menos “cinematográfico”) sobre os fatos.



E se Jung fica mal na foto, os letreiros finais o colocam como “o” (ou “um”) grande psicólogo do século XX - sobre o que há discordâncias já expostas no filme por sua evidente tendência ao misticismo e ocultismo, em contraposição à tentativa mais rigorosa (cientificizante) de Freud e dos que desenvolveram suas idéias em formulações de fato “psicanalíticas” – terreno do qual Jung e sua “psicologia analítica” se afastou. Mas isso já seria outra história para outro filme, melhor como documentário, ainda que cheio de lances pessoais conflitivos, como os de Jung e Freud.



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VIAGEM A PORTUGAL



DANIEL SCHENKER WAJNBERG



Viagem a Portugal traz à tona a história real, ocorrida na passagem de 1997 para 1998 no aeroporto de Faro, de uma turista ucraniana que foi impedida de entrar no país, onde mora o marido senegalês, e submetida a todo tipo de coerção até o esgotamento emocional. O diretor Sérgio Tréfaut busca certo refinamento estético (fotografia em preto e branco, de Edgar Moura) e estrutural (ao repetir diálogos focando personagens antagônicos – de um lado, o marido e a mulher, acossados, do outro a funcionária do aeroporto). Para além da barreira linguística, não há interação possível entre os dois lados (e nem interesse, da parte portuguesa).



Mas Tréfaut não transcende as limitações do filme de denúncia que, por mais justa, evidencia as limitações artísticas da obra. É possível perceber as falas inseridas como chaves no roteiro (“nós, em Portugal, somos humanos”). O cineasta também sublinha que o caso de Maria Itaka, a personagem ucraniana, se repete todos os dias (é sintomática a presença da faxineira varrendo o aeroporto como se nada estivesse acontecendo). O que Viagem a Portugal tem de melhor reside no trabalho dos atores – Maria de Medeiros, Isabel Ruth e Makena Diop –, bastante bem em seus papéis.



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HISTÓRIAS QUE SÓ EXISTEM QUANDO LEMBRADAS



PATRICIA REBELLO



Na noite de estreia de seu primeiro longa de ficção, Julia Murat disse que se o documentário Dia dos Pais (2009), seu primeiro filme, era de certa maneira uma homenagem a seu pai, Histórias que só Existem Quando Lembradas era, para ela, uma homenagem a sua mãe. Não por outra razão, este é um filme marcado pela presença discreta de mulheres de olhar penetrante.



Rita (Lisa Favero), uma jovem fotógrafa, irrompe feito semente lançada ao acaso na fictícia Jotuomba, uma quase cidade-fantasma situada no Vale do Paraíba (o próprio vale também um quase fantasma, assombrado pela falência das então abastadas fazendas do café nos anos 1930, dimensão esta que não fica ausente). Seguindo os trilhos de uma linha de trem abandonada, Rita encontra uma comunidade habitada por pessoas idosas que atravessam dias preenchidos por rotina, s circulares e gestos repetidos. A manufat, ura do pão de cada dia, as preces, a missa, os jogos de bocha. Tudo sempre igual, tudo na mesma ordem. Não parece que foi o povo que se acostumou àquela vida, mas que foi o tempo que desistiu de mudar. Até a , chegada de Rita.



A fotógrafa fica na casa de Madalena (Sonia Guedes), a padeira da comunidade, que tem como principal cliente Antônio (Luiz Serra), o dono do armazém onde as pessoas compram os pães. Se no começo a jovem é percebida como uma “erva daninha”, trazendo para o grupo novos sons, novas formas de ver e perguntas que obrigam a olhar de novo para certas práticas, ao longo do filme é a própria Rita quem vai desabrochando e sendo apropriada por Madalena e Antonio. A fotografia caprichada, que investe nos contrastes entre claro e escuro, novo e velho, passado e presente, o uso diegético do som, opções que já era possível observar no filme anterior da diretora, confirmam o nascimento de um estilo. Um estilo apaixonado pelo cinema, que aponta que ainda é na tela grande que mora nossa possibilidade de entender que os visíveis e invisíveis da vida, as rupturas e descontinuidades, não são opostos nem erros, mas uma condição própria e inevitável de estar vivo.



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O PIOR DOS PECADOS, de Rowan Joffé



LUIZ FERNANDO GALLEGO



O Pior dos Pecados é uma boa estréia de Rowan Joffé na direção de filmes para salas de cinema. Até agora, o filho do também diretor Roland Joffé (A Missão e Gritos do Silêncio) só havia filmado para a TV e assinado roteiros, como o de Um Homem Misterioso (The American, com George Clooney, 2010).



No elenco contou com os mais conhecidos e sempre ótimos Helen Mirren e John Hurt, mas o foco maior está nos mais jovens: em Andrea Riseborough (mesmo que seja um tanto ingrata a construção de sua personagem) e – especialmente – em Sam Riley (que já havia chamado a atenção em Controle – A História de Ian Curtis, 2007, e agora está filmando On the Road sob a batuta de Walter Salles). Mas Helen Mirren é a presença marcante de sempre: o papel de ´Ida´ (Helen Mirren) funciona como Nêmesis do jovem gangster Pinkie Brown vivido por Riley.



O roteiro do mesmo Joffé fez uma transposição para o ano de 1964 de um romance de Graham Greene lançado em 1938: Brighton Rock (título original do filme), traduzido por aqui como O Condenado, mas que não deve ser confundido com o filme de Carol Reed Odd Man Out (1947) que no Brasil recebeu o mesmo título nacional do livro de Greene. Por sua vez, este romance já havia sido levado, às telas no mesmo ano de ’47 (e aqui se chamou Rincão de Tromentas) com roteiro do próprio romancista e desempenho bastante elogiado do então jovem (e na época ainda não “Sir”) Richard Attenborough.



Rowan Joffé investe bastante em seu novo papel de diretor, caprichando na decupagem, enquadramentos, planos-sequência e montagem - com ajuda da edição caprichada de Joe Walker – mesmo que abuse da música na trilha sonora e que o roteiro permita uma cena algo supérflua com John Hurt e Mirren, logo após o clímax do enredo e antes do epílogo.



Mas a abertura em clima de filme noir dos anos ’40 e as cenas seguintes são primorosas, sendo que os pontos menos satisfatórios apontados não reduzem o interesse do espectador que não conheça o enredo do livro. Aliás, é desses filmes que dão vontade de conhecer a fonte original literária.



Como em quase todas as obras de Graham Greene, temas “católicos” fornecem os conflitos mais além das tensões óbvias entre os personagens: pecado e graça, culpa e reparação, vingança e perdão, inferno ou céu, e principalmente nosso desamparo que pode ser redimido por um milagre ou por mero acaso favorável e ilusório. Esta última discussão vem de uma idéia do próprio Greene para o desfecho (último minuto) do filme de ’47 que o novo roteiro aproveita. No que fez muito bem.



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MÃE E FILHA



LEONARDO LUIZ FERREIRA



O título do segundo longa de Petrus Cariry remete a filmes do russo Aleksandr Sokurov (Arca Russa), e as ligações não ficam restritas somente a isso. O realizador cearense faz um cinema atmosférico em que o peso da câmera é necessário para desenvolver a narrativa. É uma construção rígida e notadamente artística, mas que no caso de Cariry funciona inteiramente com a proposta que busca para seu cinema.



É difícil pensar em um diretor brasileiro que tenha entre seus referenciais cinematográficos a obra de Andrey Tarkovski (Solaris) e consiga colocar isso em prática na tela, sem soar um pastiche ou ensaio pretensioso. O diretor conduz o espectador para comungar com seus personagens em uma cidade fantasma em ruínas rodeada pela natureza. Esta marca presença com seus quatro elementos (fogo, ar, terra e água) na maioria das sequências em que o espaço-tempo se desenrola de maneira particular.



A vida que emana de Mãe e Filha respeita um tempo próprio, que é reforçado pelas câmeras lentas de animais e cangaceiros. Petrus imprime imagens vagarosas e de variadas texturas para dar a sensação de pintura em movimento, que é uma terminologia que remonta aos pilares da sétima arte. A composição do quadro é tão importante para o filme quanto seu desenho de som ou os parcos diálogos entre as duas personagens. É nesse esforço de captura e registro que Cariry arranca instantes poéticos, como o raio que prenuncia a chuva em uma tomada semelhante à de Cao Guimarães em Andarilho. O personagem é inserido na paisagem e faz tão parte dela quanto as árvores ou o solo.



A estética de Mãe e Filha não é límpida como a preocupação dos planos pode sugerir, pois dessa forma o realizador se afastaria da essência dramatúrgica de solidão e angústia dos personagens em um não-lugar marcado pela atemporalidade. A iluminação é natural, muitas vezes com velas no interior da casa, e o foco trabalha o claro e escuro para banhar de luto a tela.



Os olhos de mãe e filha não se cruzam em cena, pois cada uma vê o mundo de uma forma completamente diferente. Não é o embate costumeiro entre velho e novo, mas sim a convicção do que a vida lhe reserva. As duas caminham entre mortos e vivos, e enquanto uma enxerga apenas água em uma garrafa a outra acredita na transformação em vinho. Em paralelo ao eixo principal da trama de retorno ao lar para enterrar o filho morto, Mãe e Filha se impõe de maneira forte com questões metafísicas e existenciais, em especial sobre a existência de Deus. Os signos religiosos se espalham durante a narrativa e a dúvida prevalece em imagens simbólicas, entretanto nada tão significativo quanto o “enterro” em uma igreja em decomposição com santos e anjos quebrados embalando a criança. Uma cena iconoclasta no cinema brasileiro, tão bela quanto dura, que apag, a inteiramente a inserção desnecessária de uma música sinfônica e de canto gregoriano em duas passagens.



“Meu lugar é lá”, diz a filha para sua mãe. As pás continuam a girar vagarosamente, enquanto os bois passeiam em uma outra rotação. A vida segue seu rumo repleta de destroços em que não basta trazer ou dar à luz para gerar um novo sentido. Mãe e filha ficarão ali paradas num não-tempo de lugar nenhum para sempre.



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A TIRO DE PIEDRA



DANIEL SCHENKER WAJNBERG



A via-crúcis de um trabalhador mexicano na tentativa de cruzar a fronteira rumo aos Estados Unidos é o tema de A Tiro de Piedra . Mas o diretor Sebastian Hiriart não aborda propriamente a luta de um personagem em busca de melhores oportunidades – apesar do fastio externado por Jacinto Medida em relação ao cotidiano de pastor de cabras no norte do México. O protagonista, símbolo de tenacidade, é movido, isto sim, por uma projeção algo delirante, acionada a partir do instante em que encontra um chaveiro. É o suficiente para fazê-lo rumar em direção a um gélido Oregon.



No meio do caminho, marcado por geografia desolada, é enganado e roubado por alguns, ajudado por outros. Hiriart se aproxima do registro da não representação no trabalho com o elenco (apesar de certa tendência à composição do ator Gabino Rodriguez, na construção de um personagem q, ue contrasta a falta de perspectivas do real com sonhos delirantes). E revela habilidade na sustentação de sequências sem fala e, em especial, na criação de uma trilha sonora que realça o patético do percurso árido e ingrato de Jacinto.



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NÃO ME ESQUEÇA, ISTAMBUL



CARLOS ALBERTO MATTOS



As intenções desse projeto de filme em episódios são certamente melhores que os resultados. Feito para celebrar Istambul como capital da cultura europeia em 2010, reuniu um diretor turco e seis não-turcos para contar histórias que tematizassem os laços da cidade com o passado dos países balcânicos e do Oriente Médio. Afinal, como antiga capital do Império Otomano, a ex-Bizâncio carrega ressonâncias de grande alcance.



Assim, os seis episódios e o segmento que serve de moldura geral tratam de personagens estrangeiros em visita a Istambul por motivos diversos. As relações que eles estabelecem com a cidade e seus habitantes pretendem formar um retrato do cosmopolitismo, da modernidade e dos ecos históricos do lugar –sejam eles amenos como o da senhora síria que chega para visitar a irmã e se perde nas ruas, sejam graves como o músico armênio que procura traços de um avô vitimado pelo massacre de 1915.



A maior parte das histórias soa cifrada demais para um público não iniciado nas questões da região. E nem todas deixam clara a importância específica de Istambul em sua gênese. Uma chega mesmo a soar gratuita e deslocada, envolvendo um casal de amantes palestino-israelense. De maneira geral, faltou uma atenção com a universalidade e uma liga entre os episódios que fosse mais expressivo que cortes abruptos para as paisagens do Estreito de Bósforo.



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O MALANDRO INDIANO



CARLOS ALBERTO MATTOS



Bollywood talvez nunca tenha chegado tão l, onge quanto nas cenas de abertura de O Malandro Indiano (Tees Maar Khan). O personagem central é ainda um feto no ventre da mãe quando começa sua primeira coreografia. E sua primeira cena de luta! Daí em diante, como sempre, pode-se esperar tudo de mais essa mistura de ação, comédia e musical típica dos estúdios de Mumbai. O diferencial aqui é que não há romance. A protagonista feminina é uma versão satírica das heroínas bem maquiadas e de importância apenas decorativa nas tramas do gênero.



Aliás, esse terceiro trabalho de direção da veterana coreógrafa Farah Khan é, mais que tudo, uma sátira ao cinema comercial indiano. O ator desesperado por ganhar um Oscar, as referências a Quem Quer Ser um Milionário (a Índia pobre faz sucesso) e mais uma série de piadas com filmes e figuras carimbadas de Bollywood formam uma cobertura de chantilly jocoso sobre o bolo de muitas camadas que é o enredo. Nele, um supervigarista na linha de Peter Sellers cria uma falsa filmagem para enganar toda uma aldeia e engajá-la no grande roubo de um trem. A brincadeira remonta até aos filmes épicos de conteúdo anticolonialista, o que não deixa de ter sua graça.



De resto, é aquela histeria ininterrupta, as danças afetamínicas e um aparato de produção vistoso para dar vazão à hindichanchada habitual. Quem se dispuser a relevar os valores preconceituosos e uma série de gags vulgares pode encontrar momentos de legítima diversão popular.



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NAOMI(Hitparzut X), de Eitan Zur. ,



por Luiz Fernando Gallego



Pode se constituir em uma boa surpresa o modesto filme israelense, Naomi (o nome da personagem feminina é usado como título internacional, sendo que o original mesmo é Hitparzut X).



Muitos filmes recentes têm tido a (justa) pretensão de almejar a originalidade com inventividade; infelizmente, a maioria se perde em excessos gratuitos. Neste panorama é agradável encontrar uma realização simples e correta que vai direto ao ponto onde quer ir, sem prometer mais do que cumpre e nem pretender um passo maior do que as pernas do diretor (Eitan Zur vem de trabalhos na TV e está estreando em longa-metragem para salas de cinema com um roteiro de Edna Mazia, baseado em livro de sua autoria).



Trata-se de um típico drama burguês com tema mais do que batido: o maridão mais velho descobre que a esposa (mais jovem e muito bonita) está tendo um caso extra-conjugal. Ele é professor de astrofísica na Universidade de Haifa, tem 58 anos mas parece ter mais um pouco. Já o “outro” é um homem de meia-idade, boa pinta e artista plástico. O marido tenta se conter mas está desesperado. Parece com o antigo A Mulher Infiel, de Claude Chabrol, 1969 (refilmado como Infidelidade em 2002 por Adrian Lyne com Richard Gere no elenco)?



Parece e muito, mas com um diferencial significativo: Ilan Bem Natan, ao descobrir o adultério da esposa vai conversar com... sua mãe, octagenária. Nada mais judaico? Pode ser. Mas pode não ser. O que se esperaria de uma yiddish mama ? Condenação óbvia da nora? É aí que o enredo (que não vai ser entregue aqui) mostra seu diferencial de originalidade discreta.



Se os super-ultra-estimados filmes de Chabrol traziam um retrato ácido da burguesia francesa, Naomi faz um caminho mais próprio com tintas mais universais dentro das escolhas que faz como ficção. O enredo vai evoluindo para um melodrama “seco” com aspectos policiais, sem derramamentos nem apelar para exageros grotescos que estragaram tantos filmes de Chabrol.



Os enquadramentos são elegantes como na imagem da casa de praia do amante de Naomi que se repete (poucas vezes) como um leitmotiv. O ritmo é pausado sem ser lento, mantendo o interesse do espectador. E os atores Yossi Pollak, (o marido) e Orna Porat (sua mãe) têm composições que são, no mínimo, exatas. Ele, em uma linha mais contida, mostra-se mesmo excepcional. Ela, um pouco mais extrovertida (um pouco mais apenas, como demanda o arco da personagem). O amigo ‘Anton’ (Suhel Haddad) faz bom contraponto em seus diálogos com Pollak. Participam discretamente ( como necessário) os amantes vividos por Rami Hauberger e Melanie Peres (que lembra ao longe Claire Danes e Gwyneth Paltrow). Não é para esperar um grande filme, mas para lembrar que “pequenos” filmes podem cumprir muito bem seu papel. Como neste caso.



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INVISÍVEL, de Michal Aviad



por Nelson Hoineff



Mornas vítimas do mesmo passado



A mostra “Imagens de Israel”, promovida este ano pelo Festival do Rio, não poderia vir em hora melhor. Há muitos anos o cinema israelense vem se impondo como um dos mais corajosos e diversificados do mundo. Já não gira em torno de alguns diretores consagrados, como Amos Gitai, mas é uma indústria efervescente, jovem, voltada tanto para o documentário quanto para o cinema de ficção renovador, que dialoga muito produtivamente com a produção contemporânea.



Sim, como o cinema brasileiro não tem que estar preso à ação de criminosos na área urbana das capitais, o cinema israelense não tem porque trafegar pelas questões religiosas ou os conflitos com seus vizinhos. E assim como qualquer cinematografia do mundo, o cinema israelense é capaz de exibir grandes trabalhos e outros que pouco fogem ao convencional.



Invisível está nesse último grupo. O filme fala de duas mulheres – uma, ativista política de esquerda, outra editora de TV – que, 20 anos depois, descobrem-se vítimas de um mesmo criminoso, um estuprador em série que atacou as duas com pequena diferença de tempo.



A história parte de um fato real, a ação de um estuprador em Tel-Aviv no final, dos anos 70, que acabou matando 16 mulheres. As amigas buscam agora a superação, mas é difícil acreditar que, passado tanto tempo, o fato ainda seja tão importante para elas, sobretudo face à quantidade de coisas novas – e muito mais dramáticas que um estupro – que explodem a cada dia diante delas.



Filme de estréia (na ficção) da diretora Michal Aviad, Invisível é morno, contido e não busca – ou se o faz não encontra – transcedência no interminável diálogo entre as duas vítimas do mesmo criminoso. Sua visão não enriquece a compreensão de qualquer das questões – seja cultural, humanística ou mesmo policial – por onde ele passa. Parece acabar antes de ter começado.



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O CAVALO DE TURIM, de Bela Tarr



por Nelson Hoineff



(texto revisto a partir do que foi publicado nas resenhas enviadas de Berlim em 15/02/2011)



Dias de Nietzsche em Turim



Em O Cavalo de Turim o diretor húngaro Bela Tarr depura o cinema como Picasso depura a pintura. É o mínino que pode se dizer de um filme de duas horas e meia feito de luz e emoção, cunhado com um acorde musical, dois atores (há poucos outros, de passagem eventual), quase nenhuma palavra. De planos-sequência muito longos, mas sobretudo de uma reverência ao tempo que só mestres do calibre de Bergman ou Angelopoulos eram capazes de fazer.



O Cavalo de Turim promove um mergulho que parecia improvável. Um pai e sua filha vivem sozinhos numa remota região, talvez na Itália, talvez não, sob uma tempestade interminável. Eles têm um cavalo velho e só. Alimentam-se apenas de algumas batatas e da água retirada de um poço próximo.



O cavalo, nos ensina o prólogo, tem, uma conotação metafórica. Em janeiro de 1899, pouco antes de cair doente, Nietzsche deparou-se em Turim com um homem que tentava chicotear o seu cavalo. O filósofo atracou-se com ele e, logo em seguida, foi levado para casa. Ficou mudo e demente pelos próximos 10 anos, até a sua morte.



Ao longo do filme, pai e filha não trocam mais do que duas ou três frases. Aos poucos, o poço seca, as lamparinas já não mais acendem, o velho cavalo para de caminhar. Não há como sair dali. Não há como fazer nada.



Tarr, que ficou particularmente conhecido pela sua versão de quase 8 horas de duração para O Tango de Satan (1994), controla o seu tempo e suas imagens com uma precisão, beleza e sentido que pouco se vê no cinema. Seu filme esteve em competição em Berlim 2011 pela Hungria, e era muito melhor do que todos os outros competidores juntos. Tarr promove um mergulho suave em todas as possibilidades do quadro, da musica, do tempo, do silencio, da emoção. Faz cinema em estado puro. Quase todos os outros filmes daquela edição de Berlim passarão. O Cavalo de Turim vai ser lembrado pelos que virão depois como hoje lembramos de Morangos Silvestres de Bergman - só para lembrar em um grande nome.



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O DUBLÊ DO DIABO, de Lee Tamahori



por Luiz Fernando Gallego



Réplicas...



Desde O Príncipe e o Mendigo, de Mark Twain, histórias de pessoas comuns que são sósias de outras, poderosíssimas, capturam a imaginação do público com a pitada extra de interesse que envolve o poder, mais além do fascínio básico que já existe nas inúmeras narrativas que tratam do tema do “duplo”. No cinema, é fácil lembrar de O Grande Ditador, de Chaplin onde um humilde barbeiro judeu ocupava o lugar de um ditador que era obviamente uma caricatura de Hitler – não fosse este uma caricatura do personagem do “Vagabundo” segundo o próprio Carlitos.



O interesse maior de O Dublê do Diabo fica por conta de ser inspirado em fatos reais que aconteceram a Latif Yahia, um iraquiano de ascendência curda que foi convocado para ser o dublê de um filho de Saddam Hussein, o psicopata Udai. Nos dois papéis, uma ótima performance d, e Dominic C, ooper é outro destaque do filme.



Mas por mais que se saiba que Udai Saddan Hussein foi uma figura abjeta por seu sadismo em doses cavalares, o roteiro, baseado em livro homônimo de Latif, incorre em certo maniqueísmo, tal a correção exemplar de como Latif é retratado (ou se retrata), em contraste com as monstruosidades sem limites de Udai. Há mesmo uma distorção de fatos ao colocar Latif como autor de um atentado contra Udai.



Dizer que este é o melhor filme assinado por Lee Tamahori em muitos anos também não é dizer muito, visto que o diretor dos corretos O Preço da Traição (1996) e No limite (1997) assinou obras medíocres como o lamentável O Vidente em 2007. Na verdade, o diretor consegue manter a atenção pela situação de base enquanto o roteiro se desenvolve satisfatoriamente ao mostrar Latif treinado para ser como Udai, submetido a transformações físicas e de atitudes para acentuar as semelhanças naturais entre eles. Ou seja, quando Latif praticamente deixa de existir para passar a ser uma réplica substituta de Udai, especialmente em situações de perigo.



Mas na segunda metade, os lances folhetinescos do enredo vão minando a impressão inicial de que teríamos um filme mais consistente. Em vez disso, uma espécie de outra réplica violenta(‘Scarface’ na versão Brian de Palma, agora no Oriente Médio). A lamentar que a carreira internacional de Ludivine Sagnier comece em um papel secundário, clichê e sem as mesmas chances de de seus filmes franceses.



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A ÁRVORE DO AMOR, de Zhang Yimou



por Nelson Hoineff



Tesouro da juventude



Desde o início dos anos 90, com filmes como Lanternas Vermelhas, Zhang Yimou tornou-se um ícone do novo cinema chinês e logo passou a encantar as platéias ocidentais. Yimou é dono de uma técnica perfeita, filma bem, é cuidadoso nos mínimos detalhes. Em seus filmes, a fotografia é uma locomotiva que, aos olhos do grande público, puxa o enredo, as interpretações, e tudo o mais que seja capaz de lhe comover.



Os primeiros filmes de Yimou exploravam a complexidade da herança cultural chinesa e, mais recentemente, o lado negro de pequenas comunidades, onde a Revolução Cultural servia de pano de fundo a ações que frequentemente discutiam o sistema. Com o passar do tempo, o pano de fundo se tornou mais tênue. A visão crítica da política chinesa, particularmente nos anos de Mao, cedeu, luga, r, ao crescimento d, e, d, ramas in, dividuais que podiam ou não estar ocorrendo ante aquele cenário. O cinema de Zhang Yimo, u permaneceu belo, mas as grandes questões ficar, , am cada vez mais diluídas.



Poucos filmes poderiam sintetizar, isso tão bem como A árvore do amor. O pano de fundo continua sendo a Revolução de Mao. No final dos anos 60, inicio dos 70, uma adolescente, filha de um opositor do regime preso, é enviada para um período de “reeducação” no campo. Lá, ela se apaixona por um rapaz que é filho de um oficial maoísta. Ambos se expõem para viver um grande amor; um amor que passa pelo rito de iniciação, provações e desconfianças. O jovem casal é tão feliz quanto ingênuo – e, para emoldurar tanta felicidade, nada é melhor do que uma bela paisagem dominada por uma árvore que, segundo a lenda, frutificou sobre o sangue dos heróis da revolução.



Sun e Jing são os romeus e julietas num cenário onde os Capuletos são as forças revolucionárias e, os Montecchio, a sua resistência. Sun adoece – e, nas imensas planícies em que vive, a questão é como Jing poderá sobreviver à hipótese de perdê-lo.



Melodrama bem construído e, como sempre, lindamente fotografado, A árvore do amor é o que promete; nada mais do que isso Uma pequena história de amor, com os exageros de condução emocional que não deveriam fazer parte do cardápio de um grande diretor, mas que o são num ambiente de realização de filmes dessa natureza.



Filmes exatamente como A árvore do amor, capazes de interessar a um público que busque jovens bonitos, paisagens bem fotografadas, lágrimas e, é claro, uma terrível doença a separar os protagonistas de tanta felicidade, mas unir suas famílias, cuja guerra ideológica é irrelevante se confrontada com a grandeza do amor verdadeiro.



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TRIÂNGULO AMOROSO, de Tom Twyker



por Luiz Fernando Gallego



O Triângulo e o Círculo



Os filmes mais bem sucedidos de Tom Tykwer, tais como Corra, Lola, Corra (1998), Wintersleepers – Inverno Quente (1997) e Paraíso (2002), trazem o acaso, o imprevisto como motor da ação. Neste Triângulo Amoroso, cujo título original é apenas o numeral 3, ainda que de forma menos intensa, o acaso se destaca como fator que vai reunir os três personagens por um vértice comum. Tykwer revisita a surrada situação triangular em busca de novas formas de apresentação e desenvolvimento, mesmo que não seja tão inédita a situação – digamos - circular de um triângulo (A e B se gostam, sendo que A e C mantém uma ligação sexual, assim como... B e C). Afinal, se o filme tem uma “tese”, ela é enunciada explicitamente: “abandone suas idéias sobre determinismo biológico” - o que implica em poder gostar tranquilamente de mulheres e de homens.



Paralelamente a tantas atrações sexuais, há ameaças de morte por doenças graves, sendo que a mãe de Simon quer doar seu corpo para essa nova forma de arte (?) que expõe corpos humanos conservados e dissecados – o que também implica em abandono de premissas tradicionais sobre o destino que se dá (dava?) aos cadáveres na nossa cultura.



Os três personagens centrais têm ligação com formas contemporâneas de arte, seja participando de um coral que se dedica a música nada tradicional, seja construindo objetos imaginados por escultores, seja apresentando um programa de TV sobre instalações e performances. Se Hanna não se mostra com duplo interesse sexual (não parece ter atração por mulheres), além de sua atividade na TV ela também pertence a um comitê de biólogos que discute assuntos tão sérios como o uso de células-tronco, demonstrando uma surpreendente dualidade de interesses. A atriz Sophie Rois recebeu um importante prêmio por sua interpretação de Hanna, mas nosso destaque maior seria para Sebastien Schipper como Simon.



A mesma premiação destacou Twyker como diretor (e Mathilde Bonnefoy - que edita quase todos os seus filmes). Devem ter apreciado a tentativa de abandonar premissas da linguagem habitual de comédias (afinal, este filme é o que se pode considerar de humor germânico de boulevard); por exemplo, ao anunciar o que vai ser visto em uma dança de dois homens e uma mulher bem no início do filme; ou por correr o risco de cair no ridículo em duas cenas que tratam da morte da mãe de Simon ou de seu reaparecimento... como anjo (!) Se nem tudo é bem sucedido nem agradará a todos, cabe destacar que o resultado é bem melhor do que os que Twyker obteve em suas incursões imediatamente anteriores, mais bombásticas e frustradas (a versão do romance O Perfume, 2006, e o thriller Trama Internacional, 2009).



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CONTÁGIO, de Steven Soderbergh



por Nelson Hoineff, 01/10/2011



O Planeta dos Homens



O rigor científico é certamente um parâmetro de avaliação de filmes de ficção-científica ou catástrofes. É por essa ótica que trabalhos como 2001 – uma od, , isséia no espaço atingem o patamar de obras essenciais. E ainda assim, o viés romântico, ficcional, lúdico de filmes sobre a destruição em massa podem se tornar hegemônicos sobre a verossimilhança. Mesmo nos anos 30, ninguém estaria muito propenso a acreditar que um gorila pudesse escalar o Empire State Building e se apaixonar por uma bela mulher.



Desde que apareceu no Festival de Veneza, em setembro deste ano, muito se tem dito sobre o rigor científico de Contágio, um filme sobre um vírus que rapidamente se espalha por todo o planeta. O diretor, Steven Soderbergh, teve, ele mesmo, um crescimento viral. Desde que apareceu para o grande público com o instigante sexo, mentiras e videotape, em 1989, Soderbergh não parou mais de se expandir – e de filmar. De 2007 – quando fez Treze Homens e um Segredo – para cá, apresenta dois filmes por ano, o que é quase sem paralelo. Alguns desses filmes são tão bons que acabam não sendo convenientemente percebidos – caso típico de O Desinformante, um de seus filmes de 2009 (de lá para cá fez mais quatro).



Soderbergh raramente se repete. É difícil identificar sua assinatura porque sua face é sempre diferente (em O Desinformante, por exemplo, é mais fácil encontrar a assinatura dos irmãos Coen). Fotografa a maioria de seus filmes, sob o pseudônimo de Peter Andrews. E, como produtor executivo, pela sua mão passam alguns dos mais intelectualmente sedutores filmes recentes de Hollywood, como Confissões de uma mente perigosa, ou Boa noite e boa sorte, ambos dirigidos por George Clooney.



Entre as muitas parcerias de Clooney com Soderbergh está justamente a versão dirigida por este e interpretada por aquele para o clássico de ficção científica Solaris(2002) Soderbergh pode ser ousado a ponto de refilmar Tarkovsky, estranho fazendo filmes como Bubble - Uma Nova Experiência(2005) e brilhantemente convencional em obras como Erin Brockovich.



Contágio tem um pouco daquela ousadia mas também deste convencionalismo. Seu foco não é sobre o contágio em si, mas sobre a reação da população a ele. É quando o filme se torna mais atraente para o público – mas aparentemente menos para o diretor. Ele narra os fatos dia a dia, desde os primeiros sintomas da existência do vírus até o apocalipse que chega em poucas semanas, mas nessa trajetória Soderbergh é mais lento que seu vírus, portanto mais desinteressante. É difícil trafegar originalmente sobre essa questão. A opção do diretor pelo distanciamento não é tão bem sucedida. Soderbergh expõe perigosamente uma frieza tão estudada quanto incômoda; foge do melodrama convencional, mas com isso faz seu filme resvalar por uma leitura de texto, com os mesmos personagens que compõem todos os dramas dessa categoria – o homem comum, o cientista visionário, a pessoa do bem tornada vítima – e toques de sensacionalismo com requintes de terror, especialmente nas mesas de autópsia.



Talvez com um fundamento científico acima da média, Contágio acaba dizendo o mesmo que tantos filmes recentes sobre o mesmo tema. Falta-lhe não apenas emoção, mas sobretudo a singularidade, a invenção e o charme que estão presentes em tantos dos filmes do autor. No gênero, fico com Planeta dos Macacos- A Origem.

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